AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Processo nº 161.878-0/1-00

Autor: Prefeito Municipal de França

Objeto: Lei Complementar 129, de 25 de fevereiro de 2008.

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei de iniciativa parlamentar, que concede isenção de imposto para determinada categoria de pessoas, de forma concreta. Previsão de obrigações para a Administração Pública no sentido de aferir a renda bruta do beneficiário. 2) Diploma que viola o princípio da separação de poderes (art. 5º, 37, 47 II e XIV, e 144 da Constituição Paulista). 3) Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

 

                                                         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Franca, tendo como objeto a Lei Complementar 129, de 25 de fevereiro de 2008, daquela cidade, sob a alegação de que o ato normativo teria violado o princípio da separação de poderes; teria afetado o orçamento do Município, o que dependeria de iniciativa do Chefe do Executivo.

 

                                                         Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls.186/188).

 

                                                         A Câmara Municipal de Franca apresentou suas informações (fls. 193/204), defendendo a constitucionalidade da lei.

 

                                                         Citado o Senhor Procurador-Geral do Estado, declinou de realizar a defesa do ato impugnado (fls. 21/212).

 

                                                        

                                                         Este é o breve relato do que consta destes autos.

 

1) Do ato normativo impugnado.

 

                                                         A Lei Complementar 129, de 25 de fevereiro de 2008 (cópia fl. 28), de Franca, que “dá nova redação ao inciso II e revoga o inciso IV do art. 2º da Lei Complementar nº 107, de 20 de outubro de 2006, que concede isenção de tributos incidentes sobre imóvel residencial usufruído ou de propriedade de aposentados, pensionistas e beneficiários que especifica e dá outras providências.”, tem a seguinte redação:

 

“Art.1º. O inciso II do art. 2º da Lei Complementar nº 107, de 20 de outubro de 2006, que concede isenção de tributos incidentes sobre imóvel residencial usufruído ou de propriedade de aposentados, pensionistas e beneficiários que especifica e dá outras providências, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘II – que a renda bruta, pessoal ou conjugal, quando for ocaso, seja constituída unicamente pelos beneficiários de que trata o inciso I e não seja superior a 35 (trinta e cinco) UFMF (Unidades Fiscais do Município) por mês, considerado, para aferição, o valor recebido no mês anterior ao do pedido da isenção;’

Art. 2º - Fica revogado, em todos os seus termos, o inciso IV do art. 2º da Lei Complementar nº 107, de 20 de outubro de 2006, que concede isenção de tributos incidentes sobre imóvel residencial usufruído ou de propriedade de aposentados, pensionistas e beneficiários que especifica e dá outras providências.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.”

 

                                                         Entretanto, o ato normativo em questão é verticalmente incompatível com a Constituição Estadual, como será demonstrado a seguir.

 

2) Violação do princípio da separação de poderes.

 

                                                         Pelo ato normativo em exame, o Legislativo Municipal, por meio de iniciativa de parlamentar, determinou concretamente a isenção de IPTU para determinada categoria de contribuintes (proprietários de um único imóvel que sejam pensionistas, aposentados ou recebam benefícios de prestação continuada e que aufiram renda bruta pessoal ou conjugal não superior a 35 unidades fiscais do Município.

 

                                                         Nesse contexto, pode-se apontar a ilegitimidade constitucional da lei em exame, quanto à violação do princípio da separação de poderes, sob mais de um aspecto.

 

                                                         Primeiro, deve ser observado que ao definir concretamente a dimensão subjetiva dos beneficiários da isenção de imposto (proprietários de um único imóvel que sejam aposentados ou pensionistas), deixando clara a impossibilidade de negação do benefício (ao aduzir que o fator impeditivo seria a titularidade de mais de um imóvel e perceber renda superior a 35 UFMF), o diploma foi além do caráter abstrato e necessariamente genérico que deve inspirar a edição de um ato normativo, apresentando-se, pragmaticamente, como ato de efeito concreto.

 

                                                         E nessa perspectiva, é viável afirmar que o legislador assumiu a posição de administrador. Além disso, ao conceder a isenção de IPTU a determinada categoria de contribuintes, o legislador municipal interferiu diretamente na gestão administrativa da cidade, retirando do Executivo parte da possibilidade de planejamento, direção, organização e execução.

 

                                                         Nesse sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o legislador municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

 

                                                         Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

 

                                                         Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47 incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

 

                                                         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

                                                         Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

 

                                                         Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Tribunal de Justiça, que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

 

                                                         Ademais, em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

 

3) Conclusão.

                                                         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar 129, de 25 de fevereiro de 2008, de Franca.

São Paulo, 10 de maio de 2008.

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada pelo

Procurador-Geral de Justiça