AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº 162.025-0/7-00
Requerente: Prefeito Municipal de Bauru
Objeto: art. 2º da Lei Municipal nº 5.540,
de 11 de fevereiro de 2008, de Bauru.
Ementa: 1) Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que cria obrigações e impõe
providências à Administração Pública. Lei de iniciativa do Executivo, mas
emendada por parlamentar no particular. 2) Violação do princípio da separação
de poderes (art.5º, 37, 47 II e XIV da Constituição do Estado de São Paulo). 3)
Inconstitucionalidade reconhecida. |
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação
direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Bauru,
tendo como alvo o art. 2º da Lei Municipal nº 5.540/08, com fundamento nos
seguintes argumentos: (a) violação do princípio da separação de poderes, por
tratar-se de iniciativa parlamentar; (b) criação de despesas sem indicação da
fonte de receita.
Foi
deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato impugnado (fl. 31).
O
Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls.45/137).
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato
normativo (fls. 41/43).
É
a síntese do que consta dos presentes autos.
1) Do ato normativo
impugnado.
O art. 2º da Lei
Municipal nº 5.540/08, com a redação dada pela emenda de autoria de vereador,
tem a seguinte redação:
“Art. 2º.
A Prefeitura Municipal, através da Secretaria do Meio Ambiente, o Departamento
de Água e Esgoto (DAE), a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural (EMDURB),
e a Fundação de Previdência dos Servidores Públicos Municipais Efetivos de
Bauru (FUNPREV) deverão executar, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, por
meios próprios ou através de empresas contratadas por licitação e sob pena de
responsabilidade ou improbidade, a limpeza dos imóveis de sua propriedade,
sempre que comunicada por escrito através de seu protocolo por qualquer cidadão..”
Contudo, o mencionado
artigo acima transcrito é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado
de São Paulo, como será demonstrado a seguir.
2) Violação da
regra da separação de poderes.
O Ato normativo
impugnado na presente ação, fruto de iniciativa parlamentar, traz a seguinte (e
relevante) peculiaridade: cria para a Administração Pública (através dos Órgãos
mencionados) o encargo de realizar “limpeza
dos imóveis de sua propriedade”.
Nesse
sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato
normativo em epígrafe, é visível que o legislador municipal invadiu a esfera de
atribuições do Chefe do Poder Executivo.
Ao
Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e
abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.
Atos
que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem
ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que
representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47
incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos
Municípios por força do art.144 da referida Carta.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio
da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31),
podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio
Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e
712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Mutatis
mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:
“Ao
executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as
atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que
lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a
Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma
pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de
incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA
TAVARES).
Um
último aspecto, relevante para o deslinde do caso merece destaque.
Em
casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade
de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência
de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da despesa criada (ADINs
ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0), já que, de toda forma,
foi determinada a obrigação de realizar limpeza nos imóveis de sua propriedade,
sempre que comunicado por escrito por qualquer cidadão.
3) Conclusão.
Diante do exposto,
nosso parecer é no sentido da procedência
da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 2º da
Lei Municipal nº 5.540, de 11 de fevereiro de 2008, de Bauru.
São Paulo, 10 de maio de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça