AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos n. 162.206-0/3-00

Autor: Mesa Diretora da Câmara Municipal de Araçatuba

Objeto: Decreto Municipal n. 13.231/2008

 

 

 

 

 

         Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

         Colendo Órgão Especial

 

 

 

         Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Mesa Diretora da Câmara Municipal de Araçatuba em relação ao Decreto Municipal n. 13.231/2008, que regulamenta a Lei Municipal n. 6.910/07.

 

         A autora da ação direta argumenta que o decreto municipal impugnado é nulo, ilegal e inconstitucional, por ter invadido competência exclusiva de norma legislativa (fls. 04).

 

         O Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. Marco César, deferiu a liminar (fls. 23), mas, após pedido de reconsideração (fls. 26/31), reformou sua anterior decisão (fls. 73).

 

         O município de Araçatuba prestou informações (fls. 87/95).

 

         O Procurador-Geral do Estado, por sua vez, defendeu a exegese segundo a qual a sua intervenção nos feitos desta natureza não é obrigatória, mas sim condicionada à verificação prévia da existência de interesse estadual na preservação da norma impugnada (fls. 98/100).

 

         É o breve relato.

         O parecer é pela improcedência da demanda.

 

         Em síntese, o que se discute na presente ação é a constitucionalidade ou não do decreto municipal n. 13.231/2008, que regulamentou a Lei Municipal n. 6.910/07. A lei regulamenta as atividades de propaganda e publicidade ao ar livre no município (fls. 11/19), sendo que o citado decreto apenas regulamentou a mesma matéria.

 

         Não se trata, pois, de decreto regulamentador autônomo, fato que é relevante para o deslinde da presente demanda.

 

         Por isso, pode-se indagar se teria malferido citado ato normativo os princípios da separação dos poderes e o da indelegabilidade de competências, e isonomia, a ofender os arts. 5.º, “caput”, e seu § 1.º, 111 e 117, todos  da  Constituição do Estado de São Paulo.

 

         Há que se remarcar, de inicio, que  somente a lei (não outro ato normativo, como um decreto)  estatui-se como ato a ser sindicado na jurisdição constitucional, e essa é  orientação assente no Supremo Tribunal Federal há  décadas.  Conforme Oswaldo Luiz Palu[1]:

 

                   Decidiu o Supremo Tribunal que, por ex., instruções normativas não se prestam ao controle abstrato de constitucionalidade, por firme no Tribunal a orientação de ser incabível o controle de atos infralegais quando se concretizarem, na realidade, em violação da lei sob a qual foram editados, ainda que, em um juízo de extensão, se possa levar o confronto ao texto da Constituição. Se a autoridade administrativa desobedece a lei à qual deveria observar, tal ato é insuscetível de apreciação pelo controle concentrado; revela-se uma ilegalidade e não uma inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade que autoriza o exercício do controle concentrado é apenas a inconstitucionalidade frontal e direta com a Constituição. Sobremais, o confronto entre o decreto e a lei não se alça no nível da violação das normas da Constituição, configurando ilegalidade a ser apreciada nos casos concretos e não por via de ação direta. Assim  Se o ato normativo, em decorrência de interpretação das leis ou outras espécies normativas equivalentes, vêm a positivar uma  exegese para romper a hierarquia normativa que deve observar em face desses atos estatais primários, aos quais se acha vinculada por nexo de acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade e não de inconstitucionalidade. O eventual extravasamento pelo poder regulamentar, dos limites a que se acha materialmente vinculado, poderá configurar insubordinação administrativa aos comandos da lei. Mesmo que esse vício jurídico resulte, num desdobramento posterior, em uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede concentrada.

 

Já decidiu a Corte: “Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. Eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que a partir desse vício jurídico se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada” (ADin 996-DF, medida cautelar, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 158/54).

 

         Os decretos regulamentares também não se prestam ao controle direto de constitucionalidade, segundo iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal, salvo, alerta o Min. Carlos Velloso, “na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar”, quando então poderá ser acoimado de inconstitucional e, assim, sujeito ao controle concentrado”.

 

         Sobre o tema, claramente nesta orientação, decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, a propósito, ao apreciar a ADIN n. 2.387-0 – DF, em acórdão do qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, que “é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que a questão relativa ao decreto que, a pretexto de regulamentar determinada lei, extrapola o seu âmbito de incidência, é tema que se situa no plano da legalidade, e não no da constitucionalidade”.

 

         Portanto, no caso concreto, pode ter havido extravasão do poder regulamentar, ou seja, extravasão à lei, tratando-se de uma questão de legalidade não de constitucionalidade. Afinal, como já se disse acima, não se trata se decreto autônomo.

 

         Posto isso, requer-se a improcedência da presente Ação Direta.

 

São Paulo, 20 de maio de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

 



[1] Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade – conceitos, sistemas e efeitos, 2.ª ed., RT, São Paulo, p. 203 e ss.