Autos n. 162.330.0/9-00
Autor: Prefeito Municipal de Santa Cruz do Rio
Pardo
Objeto de impugnação: Arts. 29, parágrafo único, 34, XIV, 35, XI, XII, 70, § 4º, 71, I,
“a” (in fine), 81, III, 94, parágrafo
único, 99, § 2º (expressão “e na Câmara”) e 100, V, VI e parágrafo único, todos
da Lei Orgânica do município de Santa Cruz do Rio Pardo, de 30 de abril de 2007
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
O Prefeito Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo
ajuizou a presente ação direta para sindicar diversos dispositivos legais da
Lei Orgânica do município (de 30 de abril de 2007): arts. 29, parágrafo único,
34, XIV, 35, XI, XII, 70, § 4º, 71, I, “a” (in fine), 81, III, 94, parágrafo
único, 99, § 2º (expressão “e na Câmara”) e 100, V, VI e parágrafo único.
Oportuna
a transcrição dos dispositivos legais impugnados:
Art. 29, parágrafo único
Artigo 29 - Por deliberação da maioria de
seus membros, a Câmara poderá convocar Secretário Municipal ou Diretor
equivalente para, pessoalmente, prestar informações acerca de assuntos
previamente estabelecidos.
Parágrafo Único - A falta de comparecimento
do Secretário Municipal ou Diretor equivalente, sem justificativa, será
considerado desacato à Câmara, e, se o Secretário ou Diretor for Vereador
licenciado, o não comparecimento nas condições mencionadas caracterizará
procedimento incompatível com a dignidade da Câmara, para instauração do
respectivo processo, na forma da lei federal, e conseqüente cassação do
mandato.
Art. 34, XIV
Artigo 34 - Compete à Câmara Municipal, com a
sanção do Prefeito, não exigida esta para o especificado no artigo 35, dispor
sobre as matérias de competência do Município e especialmente:
XIV - autorizar convênios com entidades públicas
ou particulares e
consórcios com outros Municípios;
Art. 35, XI, XII,
Artigo 35 - Compete privativamente à Câmara
Municipal exercer as seguintes atribuições, dentre outras:
XI - aprovar convênio, acordo ou qualquer
outro instrumento celebrado pelo município com a União, o Estado, outra pessoa
jurídica de direito público interno ou entidades assistências e culturais,
quando exigido;
XII - convocar Secretário Municipal ou
Diretor equivalente para prestar esclarecimentos, aprazando dia e hora para o
comparecimento;
Art. 70, § 4º:
Artigo 70 - O Prefeito e o Vice-Prefeito,
quando no exercício do cargo, não poderão, sem licença da Câmara Municipal,
ausentar-se do Município, por período superior a 15 (quinze) dias, sob pena de
perda do cargo ou de mandato.
§ 4º - Os subsídios do Vice-Prefeito serão
fixados na forma do parágrafo anterior, em quantia que não exceda a 20% (vinte
por cento) daquele atribuído ao Prefeito.
Art. 71, I, “a” (in
fine):
Artigo 71 – A extinção do mandato do Prefeito
regula-se pelo disposto neste artigo.
I – Extingue-se o mandato do Prefeito, e
assim será declarado pelo Presidente da Câmara Municipal, quando:
a) ocorrer o falecimento, a renúncia expressa
ao mandato, a condenação por crime funcional ou eleitoral ou a perda ou suspensão
dos direitos políticos;
Art. 81, III:
Artigo 81 - Será declarado vago, pela Câmara
Municipal, o cargo de Prefeito quando:
III - infringir as normas desta Lei Orgânica;
Art. 94, parágrafo único:
Artigo 94 - O servidor municipal será
responsável civil, criminal e administrativamente pelos atos que praticar no
exercício de cargo ou função, ou a pretexto de exercê-lo.
Parágrafo Único - Caberá ao Prefeito e ao
Presidente da Câmara decretar a prisão administrativa dos servidores que lhes
sejam subordinados, omissos ou remissos na prestação de contas de dinheiros
públicos sujeitos à sua guarda, pelo prazo de até 90 (noventa) dias.
Art. 99, § 2º (expressão “e na Câmara”):
Artigo 99 - A publicação das leis e dos atos
municipais será feita em órgão local da imprensa oficial e, quando inviável, em
jornal local ou regional.
§ 2º - Os atos municipais assim publicados
deverão ser obrigatoriamente afixados na Prefeitura e na Câmara, na íntegra;
Art. 100, V, VI e parágrafo único:
Artigo 100 - O Prefeito fará publicar:
V – mensalmente, a relação de pagamentos
efetuados a fornecedores e prestadores de serviços à municipalidade, dela
constando obrigatoriamente, seus nomes, valor dos pagamentos efetuados no mês,
número e data de vencimento da fatura paga, tipo de compra, obra ou serviço
realizado e o saldo contábil do fornecedor ou prestador de serviço, enviando
cópia à Câmara.
VI – trimestralmente, relatório completo
sobre os gastos em publicidade e propaganda, realizados pela administração
direta, indireta, fundações e órgãos controlados pela Municipalidade, na forma
da lei, que envolvam outdoor, carro de som, semanário e outras formas de
publicação escrita, emissora de rádio e de televisão, faixas e similares,
enviando cópia à Câmara Municipal e às entidades representativas da população
que o exigirem.
Parágrafo Único – Verificada a violação ao
disposto neste inciso, caberá à Câmara determinar a suspensão imediata da
propaganda e publicidade, na forma da lei, representando ao Judiciário, quando
for o caso, para as providências cabíveis.
Por
força de decisão interlocutória, o Nobre Desembargador Relator, Dr. MUNHOZ
SOARES, a fls. 195/196, deferiu a liminar pleiteada pelo autor, determinando a
suspensão da eficácia dos questionados dispositivos legais.
Notificada, a Câmara Municipal prestou informações
nos termos regimentais (fls. 214/225), defendendo a constitucionalidade do ato
normativo.
Citado
para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral
do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de
fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação do
texto normativo impugnado, ausente neste caso (fls. 210/212).
É
o breve relato.
O
pedido inicial é parcialmente procedente.
I – Análise do parágrafo único do art. 29 e do art. 81, III.
Segundo
a inicial, os referidos dispositivos legais afetam o princípio da separação de
poderes, consagrado no art. 5º da Constituição Estadual, sobretudo diante do
estabelecimento da possibilidade de convocação de secretários municipais, com
determinação de data e horário para esclarecimentos. Argumenta o autor, ainda,
acerca da inconstitucionalidade da definição de crime de desacato, por falta de
competência do município. Ainda argúi a inconstitucionalidade em função da
legislação municipal dispor sobre processo, o que é de competência privativa da
União.
Prossegue
o autor argumentando que as infrações político-administrativas do Prefeito,
Secretários e demais servidores e as faltas ético-parlamentares dos Vereadores
que possam ensejar a cassação de mandato só podem ser definidas por lei
federal.
O
parágrafo único do art. 29 da Lei Orgânica, de fato, é inconstitucional ao
dispor sobre infração político-administrativa que possa ensejar a cassação do
mandato do vereador.
Da
mesma forma o art. 81, III, é inconstitucional ao estabelecer que a infração à
lei orgânica do município permite seja declarado vago o cargo de prefeito.
Com
efeito, os atos normativos em questão tipificam infrações político-administrativas,
com possibilidade de afastamento do Prefeito.
Assim
sendo, data venia, fica claro que os
Municípios não dispõem de competência para legislar sobre essa matéria,
infrações político-administrativas, que é privativa da União (CF, artigos 15, “caput”,
22, I e XIII, e 24, XI), incumbindo-lhe tão-somente observar as prescrições
emanadas no Decreto-lei n.º 201/67, o qual foi recepcionado pela nova ordem
constitucional, como, aliás, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já deixou assentado em mais de uma passagem (HC
n.º 69.850-6/RS, DJ 27.5.94, HC .º 70.671-PI, j. em 13.4.1994, DJU de
19.5.1994, p. 13.993, “apud” Tito Costa, in ‘Responsabilidade de Prefeitos e
Vereadores’, RT, São Paulo, 1998, 3.ª edição, p. 30).
Nessa
mesma linha, José Nilo de Castro preleciona que “os crimes de responsabilidade
dos Prefeitos, que não são ilícitos penais, mas infrações
político-administrativas - e não apenas administrativas - não podem ser
tratados na revelação primária - nem secundária - pelas Câmaras Municipais, nem
pelas Assembléias Legislativas, como o não são, tratando-se da
responsabilização de Governadores, e, sim, pela União, porque se cogita de
sanção, de punição, de pena que é política, que se adstringe e tem a ver com a
cidadania, e não sanção administrativa atípica, que tem a ver com os servidores
públicos, sua atividade própria, de que trata o Direito Administrativo. De
direito político (aquisição, suspensão, perda, seu exercício), como da
cidadania, é que a questão aqui cogita e sobre esta matéria só a União pode
legislar (arts. 15, caput, e 22, I, XIII, CR). Falece, conseqüentemente, ao
Município poder constitucional decorrente, diversamente do que se verifica com
os Estados federados. A autonomia do Município, como se proclamou, é limitada,
ante a supremacia tanto do Estado quanto e sobretudo da União”[1].
Na
verdade, crime comum e crime de responsabilidade são figuras jurídicas que
exprimem conceitos inconfundíveis. O crime comum é um aspecto da ilicitude
penal. O crime de responsabilidade refere-se à ilicitude
político-administrativa. O legislador constituinte utilizou a expressão crime
comum, significando ilícito penal, em oposição a crime de responsabilidade,
significando infração político-administrativa (Cf. José Celso de Mello Filho,
“Constituição Federal Anotada”, Editora Saraiva, São Paulo, 1986, 2.ª ed., p.
270).
Os
delitos tipificados no art. 1.º do Decreto-lei Federal n.º 201/67, a despeito
da terminologia empregada pelo legislador, são crimes ou infrações penais
comuns, cuja competência para processo e julgamento é do Tribunal de Justiça.
E, por outro lado, as infrações político-administrativas definidas no art. 4.º
do referido decreto-lei é que
correspondem aos crimes de
responsabilidade, cujo julgamento é de competência da Câmara Municipal.
A
Constituição Federal, nos seus arts. 85 e 86, define crimes de responsabilidade
do Presidente da República e estabelece algumas regras procedimentais, como por
exemplo a que prevê o 'quorum' qualificado de 2/3 (dois terços) para o
recebimento da acusação e a suspensão da referida autoridade do exercício de
suas funções.
Na
Constituição do Estado de São Paulo, essa matéria vem disciplinada nos arts.
Nessa
decisão, como se disse, a Suprema Corte considerou que os ilícitos
político-administrativos (ou crimes de responsabilidade) apresentam a mesma
natureza das infrações penais comuns e, bem por isso, afastou a competência
estadual para dispor sobre essa matéria. Em conseqüência, se nem mesmo os
Estados dispõem de competência para definir crimes de responsabilidade (ou
infrações político-administrativas) dos seus governantes, e estabelecer regras
para o seu processo e julgamento, muito menos ainda os Municípios em relação
aos prefeitos.
Em
decorrência, não pode lei municipal disciplinar, como no caso dos autos,
hipótese de crimes de responsabilidade, seu respectivo processo, hipótese de
afastamento do Prefeito Municipal etc; a matéria é inteiramente regulada em lei
federal, que já existe, como se disse.
Como
se vê, o dispositivo legal – obviamente de iniciativa de vereadores – disciplinou
assunto que se insere na competência legislativa privativa da União, desrespeitando
os artigos 1.º, 24, 111 e 144 da
Constituição do Estado, este último a repetir
- de modo sintético – o conteúdo
dos artigos 21, e 22 da Constituição da República, expressão do princípio federativo. De fato, assim dispõem as referidas normas
constitucionais:
“Art.
1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil,
exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.
Art.
144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição.”
II – Análise do inciso XIV do art. 34 e do inciso XI do art. 35.
Os
questionados dispositivos legais estabelecem competir à Câmara autorizar e
aprovar convênios, revelando, portanto, claro propósito de restringir a
possibilidade de celebração.
De
fato, isso implica intromissão do Poder Legislativo na esfera administrativa,
própria do Poder Executivo. A celebração de convênios ou consórcios
administrativos não está subordinada à prévia manifestação do Poder
Legislativo, e por isso os parágrafos aqui impugnados configuram ofensa clara
ao princípio da separação dos poderes, inscrito no artigo 5º da Constituição do
Estado de São Paulo.
A
Constituição Federal de 1967, no seu art. 16, § 4º, estabelecia que os Municípios poderão celebrar convênios
para a realização de obra ou exploração de serviços públicos de interesse
comum, cuja execução ficará dependendo de aprovação das respectivas Câmaras
Municipais. A partir daí, o instituto dos convênios e dos consórcios
municipais integrou-se definitivamente ao sistema constitucional e
administrativo brasileiro.[2]
Na
Carta de 1969 nada constou a respeito, o que motivou inúmeras discussões sobre a
constitucionalidade ou não de preceitos que impunham a aprovação do Legislativo
para a celebração de acordos ou convênios com outras entidades federativas, ou
de sua ratificação ou referendo, quando negociados sem a aprovação preliminar,
por motivo de urgência.
Como
se sabe, os convênios são atos bilaterais
por meio dos quais as pessoas jurídicas de direito público ajustam a conjugação
de esforços para a consecução de objetivos comuns, facultada a denúncia
unilateral a qualquer tempo (cf. Carlos Ari Sundfeld, Licitação e Contrato Administrativo, 2ª ed., p. 198). Nesse
contexto, os convênios, assim como os contratos administrativos,
caracterizam-se como atos ordinários de
gestão, para a prática dos quais o administrador independe de autorização
legislativa. De fato, por eles a Administração exerce sua função constitucional
típica — o poder-dever de praticar atos administrativos para a realização do
bem comum —, que é de sua competência exclusiva. A ingerência do Legislativo no
exercício dessa competência configuraria subordinação de um Poder ao outro, o
que contraria a idéia da independência e harmonia entre os Poderes. Já os
consórcios administrativos “são acordos firmados entre entidades estatais,
autárquicas ou paraestatais, sempre da mesma espécie, para realização de
objetivos de interesse comum dos partícipes. O que caracteriza o consórcio e o
distingue do convênio é que este é celebrado entre pessoas jurídicas de
espécies diferentes e aquele só o é entre entidades da mesma espécie” (Hely
Lopes Meirelles, Direito Municipal
Brasileiro, 9ª ed., Malheiros
Editores, pp. 295/296).
Descabe
ao Legislativo tomar a iniciativa de, por via de lei, interferir na
administração ordinária do Município, em face do modelo adotado pela
Constituição Federal para a relação entre os Poderes. Não há, nesse modelo, previsão de autorização
legislativa para que o Executivo pratique seus atos bilaterais de administração ordinária, que estão
submetidos apenas ao controle externo da prestação anual de contas. E essa
regra se aplica tanto aos Estados-membros como aos Municípios, uma vez que ela
se insere nos fundamentos do princípio da separação entre os Poderes, que são
de observância obrigatória por todos os entes federados.
Há
diversas decisões do Supremo Tribunal Federal nesse sentido:
“Separação e independência dos poderes:
submissão de convênios firmados pelo Poder Executivo à prévia aprovação ou, em
caso de urgência, ao referendo de Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade
de norma constitucional que a prescreve; inexistência de solução assimilável no
regime de poderes da Constituição Federal, que substantiva o modelo positivo
brasileiro do princípio da separação e independência dos poderes, que se impõe
aos Estados-membros: reexame da matéria, que leva à reafirmação da
jurisprudência do Tribunal.” (STF,
ADIN nº 165-5, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo nº 85, de 01.10.97).
Se
a regra é obrigatória para aos Estados-membros, com maior razão também o é para
os Municípios. De fato, se de um lado a Constituição reconheceu a autonomia
desses entes federados para se auto-organizarem por leis orgânicas, de outro é
inegável que os vinculou aos princípios constitucionais, dentre os quais se
destaca o da separação entre os Poderes.
Cabe
observar que a Constituição Estadual prevê a necessidade de autorização ou
aprovação da Assembléia no caso de convênios “de que resultem para o Estado
encargos não previstos na lei orçamentária” (art. 20, inc. XIX). O Supremo Tribunal Federal já declarou a
inconstitucionalidade de artigo de teor semelhante, na Lei Orgânica do Distrito
Federal[3];
no entanto, no caso presente nem é preciso enfrentar tal questão, uma vez que o
dispositivo aqui impugnado não fez a mesma ressalva, pretendendo estabelecer a
obrigatoriedade de aprovação da Câmara de Vereadores em todo e qualquer convênio.
Esse
Egrégio Plenário já apreciou a matéria aqui analisada, como bem lembrado na r.
decisão concessiva da liminar:
“A
celebração de convênio ou consórcio é ato típico de administração, que não se
sujeita ao controle prévio de oportunidade e conveniência pelo Poder
Legislativo, somente sendo exigível a aprovação deste quando resultarem
encargos não previstos na lei orçamentária” (ADIN 53.219.0, j. 19.4.2000, rel.
Des. Fonseca Tavares);
“A
celebração de convênios administrativos, onerosos ou não, independe sempre de
prévia autorização legislativa” (ADIN n. 51.787.0, j. 16.6.99, rel. Des.
Pinheiro Franco).
Portanto,
o inciso XIV do art. 34 e o inciso XI do art. 35 são claramente inconstitucionais.
III – Análise do inciso XII do art. 35.
O
inciso XII do art. 35 da Lei Orgânica estabelece que compete à Câmara Municipal convocar Secretário Municipal ou Diretor
equivalente para prestar esclarecimentos, aprazando dia e hora para o
comparecimento.
Referido
dispositivo legal não é inconstitucional, mesmo porque reproduz o art. 13, §
1º, “
Portanto,
neste aspecto a ADIn é improcedente.
IV – Análise dos arts. 99, § 2º (expressão “e na Câmara”) e 100,
incisos V, VI e parágrafo único
As
obrigações impostas pelo legislador municipal ao Chefe do Executivo, no sentido
de afixar todos os atos do executivo na Câmara Municipal, bem como publicar
relatórios acerca dos pagamentos efetuados a fornecedores e prestadores de
serviços à municipalidade, além de enviar cópia à Câmara Municipal e às
entidades representativas da população que o exigirem, extrapolam os limites da
razoabilidade e constituem indevida violação ao princípio da separação de
poderes e intromissão na administração municipal.
As
normas questionadas impõem ao Prefeito Municipal a prestação de informações
sobre assuntos relativos à Administração municipal. Ainda que seja dever do Prefeito prestar
contas de sua gestão, tanto financeira e orçamentária, quanto administrativa,
tal imposição não pode se afastar do parâmetro constitucional.
A
Constituição Federal dispõe sobre a obrigatoriedade da prestação de contas pelo
Chefe do Executivo, no art. 49, inciso IX, prescrevendo competir,
exclusivamente, ao Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas
pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos
de governo. Esse controle a cargo do Congresso é exercido com o auxílio do
Tribunal de Contas da União (art.71, I e II, CF), ao qual compete apreciar as
contas prestadas anualmente pelo
Presidente da República. Já a fiscalização do Município será exercida pelo
Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo (art. 31, caput, CF),
com o auxílio dos Tribunais de contas do Estado ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art.31, §
1º). Também menciona o parágrafo 2º, do
citado artigo
No plano
estadual, o art. 150, da Carta Paulista, ao tratar da fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de todas as
entidades da administração direta e indireta, determina que a mesma seja
exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de
controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em
conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal. A
fiscalização das contas do Governador do Estado, a cargo da Assembléia
Legislativa (art.32, Constituição do Estado de São Paulo), se dará anualmente,
sempre mediante parecer prévio do Tribunal de Contas (art.33, I, CE). Ainda, prevê a Constituição Estadual a
obrigação do Poder Executivo publicar e enviar a Assembléia Legislativa, até
trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório resumido da
execução orçamentária (art.170, CE).
Os
dispositivos das leis impugnadas provocam verdadeiro estado de submissão
institucional do Chefe do Poder Executivo ao Poder Legislativo municipal, sem
qualquer correspondência com o modelo positivado nas Constituições Federal e
Estadual, rompendo com o postulado da separação de poderes.
Verifica-se, assim, que os preceitos
impugnados afastam-se dos limites constitucionais, impondo, por isso, a
declaração de sua inconstitucionalidade.
Por sinal, em
recente pronunciamento deste Egrégio Órgão Especial, em ADIN semelhante a esta,
a de nº 144.543-0/9-00, da Comarca de São Paulo, em que foi requerente o
Prefeito de Reginópolis, ficou decidido o que segue:
“Não
há a menor dúvida da inconstitucionalidade do dispositivo enfocado, ao impor ao
chefe do Executivo e órgãos que lhe são subordinados contas de suas gestões que
vão além do controle constitucional previsto no art.31 e parágrafos da
Constituição Federal, de periodicidade anual.
Obrigar
o Prefeito e dirigentes dos órgãos aludidos a publicar e informar à edilidade,
mensalmente, toda e qualquer admissão ou demissão de servidor, bem como o valor
gasto com publicidade, extrapola, em muito, a fiscalização legislativa natural,
para instituir-se verdadeira tutela do Legislativo sobre o Executivo,
cerceando-lhe o raio de ação insculpido na Carta Bandeirante.
Flagrante,
portanto, a ofensa aos arts.37 e 47, II e XIV, desse diploma, sem falar no
princípio constitucional que diz com a independência dos Poderes (art.5º,
“caput”)”.
Nessa linha,
já decidiu este Órgão Especial na Adin 135.843.0/7-
“A
Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da
Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode
extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador,
para impor obrigações aos particulares que contratam com a Administração, menos
ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo.(...). Importa,
na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos
órgãos do Poder, permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo
Legislativo (art.5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder
Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das
atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo,
a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico
constitucional do Estado (art.144, da Constituição Estadual)”.”
Portanto, a
ADIn, em relação aos arts. 99, § 2º (expressão “e na Câmara”) e 100, V, VI e
parágrafo único, é procedente.
V – Análise do parágrafo único do art. 94
O mencionado
dispositivo legal, recorde-se, estabelece a possibilidade de o Prefeito e de o Presidente da Câmara decretar
a prisão administrativa dos servidores que lhes sejam subordinados, omissos ou
remissos na prestação de contas de dinheiros públicos sujeitos à sua guarda,
pelo prazo de até 90 (noventa) dias.
A inconstitucionalidade é flagrante e decorre
da ofensa ao artigo 144 da Constituição Estadual: Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
Portanto,
por força do art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal, dispositivo que deve
ser observado pelo legislador municipal, não
será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e
garantias individuais.
VI – Análise do § 4º do art. 70 e do art. 71, I, “a” (in fine)
No
âmbito municipal, os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários
Municipais são fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o
que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4.º, 150, II, 153, III, e 153, § 2.º, I
(CF., art. 29, inciso V), enquanto que o subsídio dos Vereadores é fixado pela
Câmara Municipal, em cada legislatura para a subseqüente, observados os limites
máximos previstos na Constituição e os critérios estabelecidos na respectiva lei
orgânica (CF., art. 29, incisos VI, “a” a “f”, e VII).
Portanto,
não parece ser inconstitucional o § 4º do art. 70 da Lei Orgânica, ao limitar
os subsídios do vice-prefeito a quantia
que não exceda a 20% (vinte por cento) daquele atribuído ao Prefeito.
Todavia,
o art. 71, I, “a”, ao dispor sobre casos de perda do mandato do Prefeito
Municipal, é inconstitucional.
Ao
estabelecer a sanção de perda do mandato para as hipóteses mencionadas, os
vereadores pretenderam legislar sobre crimes de responsabilidade, matéria que
lhes é constitucionalmente vedada, por inserir-se na órbita de competência da
União (CF, arts. 22, I e 85, par. ún.). Nesse sentido já proclamou o Supremo
Tribunal Federal que a definição de crimes de responsabilidade, imputáveis a
quaisquer autoridades federais, estaduais, distritais ou municipais, é matéria
de direito penal, e, conseqüentemente, de competência privativa da União (STF –
Pleno – ADin n.º 834-0/MT – Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,
Seção I, 9 abr. 1999, p. 2; STF – Pleno – ADin n.º 834-0/MT – medida liminar –
Rel. Min. Celso de Mello – Ementário STF n.º 169; STF – Pleno – ADin n.º
102-7/RO – medida liminar – Rel. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção
I, 17 nov. 1989, Ementário STF n.º 156; RTJ 166/147).
Com
efeito, os princípios básicos que regem a responsabilização do Chefe do
Executivo – a que estão sujeitos os municípios, por força do art. 144 da
Constituição Estadual – consagram que somente a União poderá definir as figuras
típicas correspondentes a crimes de responsabilidade, bem como suas normas para
o processo e julgamento, ficando afastada qualquer previsão da Lei Orgânica
Municipal diversa do preceituado na legislação federal pertinente.
Por isso, é inconstitucional a lei orgânica municipal,
neste aspecto.
Posto isso,
aguarda-se seja a presente ADIn julgada parcialmente procedente, declarando-se
a inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos legais: parágrafo único do art. 29, 34, XIV, 35, XI,
71, I, “a” (in fine), 81, III, 94, parágrafo único, 99, § 2º (expressão “e na
Câmara”) e 100, V, VI e parágrafo único, todos da Lei Orgânica do município de
Santa Cruz do Rio Pardo. Em relação aos arts. 70, § 4º e 35, XI, aguarda-se a
improcedência.
São Paulo, 6 de junho de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA,
no exercício
de função delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] 'Direito Municipal Positivo’, Del Rey, Belo Horizonte, 1996, 3.ª edição, p. 359.
[2] José Cretella Júnior, Direito Administrativo
Municipal, Forense, Rio de Janeiro, 1981, pp. 87/88
[3] Adi
1.166-9-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, j. em 05/9/02, cuja decisão ficou assim
ementada: “Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Art. 60, XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal.
Alegada Incompatibilidade com os arts. 18, e