AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº 162.578-0/0-00
Autor : Prefeito Municipal de Severínia
Objeto : Lei Municipal nº 04, de 12 de janeiro de
2007, de Severínia.
Ementa: Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei Municipal de iniciativa de parlamentar e que
reajusta a remuneração de servidores do Poder Legislativo. Matéria, ainda
assim, submetida à observação dos parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias. Aumento de despesa sem previsão da fonte de custeio e sem
constar do orçamento. Necessidade de paridade entre os vencimentos dos servidores
do Legislativo e do Executivo. Inconstitucionalidade reconhecida (art. 20,
inc. III; 115, inc. XIV; art. 25, bem como art.144, da Constituição do Estado
de São Paulo). |
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Relator:
Trata-se de
ação direta de inconstitucionalidade que tem como alvo a Lei Municipal nº
04/2007, de Severínia.
Deferida a
liminar (fls.252/254), foi citado o Senhor Procurador-Geral do Estado, que
declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 263/265).
Foram
requisitadas informações à Presidência da Câmara Municipal, que as ofereceu às
fls. 267/285, com documentos. Disse ter perdido o objeto a ação, pois a edição
da Lei nº 1.697, de 2 de abril de 2008 teria revogado tacitamente a lei
inquinada; que há necessidade de citar todos os servidores públicos
beneficiários do reajuste, para formação de litisconsórcio passivo necessário;
que há carência de ação por falta de interesse, pois o ato inquinado é lei de
efeitos concretos, não sujeita, portanto, ao controle direto da
constitucionalidade das leis. No mérito diz não existir vício de iniciativa e
nem de tramitação do projeto de lei, tendo sido obedecidos os requisitos de
fundo e de forma.
Breve
relato.
A ação deve
ser julgada procedente.
As
preliminares devem ser afastadas, a começar pela suposta perda do objeto da
ação. É que a aprovação da Lei nº 1.697, de 2 de abril de 2008, não interfere
com a anterior lei que concedeu reajuste de 20% aos servidores do Legislativo,
pois tinham e continuaram a ter direito ao aumento, com ou sem a aprovação da
segunda lei. E se por mais não fosse, os efeitos da inconstitucional Lei nº
04/2007 ficaram retroagidos a 1º de novembro de 2006, certamente havendo pagamento
de vencimentos majorados aos servidores desde essa data.
Também não
se pode falar em carência de ação por inadequação e ausência do interesse de
agir, pelo só fato da lei possuir efeitos concretos, como de fato possui. Em
primeiro lugar, o controle da constitucionalidade é das leis, não havendo
nenhuma restrição a mais, exceto ser formalmente lei. Demais disso, o próprio
Supremo Tribunal Federal que, se diga, efetivamente coloca óbice ao
conhecimento de ações diretas de inconstitucionalidade de leis de efeitos
concretos, já pacificou o entendimento no sentido de não se confundir a
determinabilidade dos destinatários da lei, com uma individualização capaz de
conferir efeitos concretos ao diploma legal. Confira-se a ADI nº 1.655-AP,
relatada pelo Min. Maurício Correa, julgada em 3 de março de 2004, publicada no
Diário da Justiça de 2 de abril de 2004, pág. 8 e no Ementário Vol. 02146-01,
pág. 156, assim ementado naquilo que pertinente:
“1. Norma
de efeitos concretos. Impossibilidade de conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade.
Alegação improcedente. O fato de serem determináveis os destinatários da lei
não significa, necessariamente, que se opera individualização suficiente para
tê-la por norma de efeitos concretos. Preliminar rejeitada. 2. (...) Ação
direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (g.n.)
Por fim,
despropositado o requerimento para que os servidores do Legislativo e
beneficiários do reajuste venham integrar o pólo passivo da ação, dada a
sobejamente conhecida natureza da ação direta de inconstitucionalidade, cujo
processamento não permite a providência alvitrada pela Câmara Municipal de
Severínia.
No mérito, procede
o pedido.
Inicialmente,
a lei municipal inquinada não atende à norma do inc. III do art. 20 da
Constituição estadual:
“Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa:
(...)
III – dispor sobre a organização de sua Secretaria,
funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos
e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva
remuneração, observados os parâmetros
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;” (g.n.)
Como se nota
dos autos, a lei municipal que reajustou os vencimentos dos servidores da
Câmara Municipal não se refere às diretrizes orçamentárias, circunstância que a
torna inconstitucional porque a referência é obrigatória. É claro que se a
Constituição estadual exige observação aos parâmetros estabelecidos na lei
orçamentária, o comando só estará atendido se forem expostos tais parâmetros.
Se não for assim, o comando normativo se tornará inócuo.
Além disso, ao
reajustar os vencimentos dos servidores, inclusive dispondo de forma a
retroagir em seus efeitos a exercício anterior, a Lei Municipal nº 04/2007, acabou
por criar despesas sem que dele constasse a indicação dos recursos disponíveis
e próprios para entender aos novos encargos. Há, assim, vistosa afronta ao art.
25 da Constituição Estadual:
“Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o
aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos
recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.”
Por fim,
como argumento obter dicta, merece
relevo que com o reajuste concedido, os servidores do Legislativo acabaram por
se diferenciar em relação àqueles do Executivo, independentemente dos valores
anteriores, em franca contrariedade ao disposto no inciso XVII do artigo 115,
da Constituição estadual:
“Para a organização da administração pública direta e
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas pó qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XIV – os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do
Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;”
Como se
nota, essas disposições constitucionais, de observância obrigatória aos
Municípios por força do art. 144, da Constituição Estadual, são integradas e
visam – justamente – impedir que o Legislativo aprove reajustes de vencimentos,
sem a necessária previsão orçamentária, transferindo ao Executivo a
responsabilidade pelo pagamento, na exata medida em que mais recursos
necessariamente deverão ser alocados para tanto.
Em função do
exposto, aguarda-se a procedência da presente ação, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 04/2007, de Severínia, com eficácia ex tunc e tornando definitiva a liminar
concedida.
São Paulo, 17 de junho de
2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça