Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
Órgão Especial
Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 162.775-0/9-00
Requerente:
Prefeito do Município de Mauá
Requerida: Câmara
Municipal de Mauá
1. Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei municipal que obriga à instalação de redes
de proteção em edificações residenciais multifamiliares e comerciais, sob pena
de sanções e responsabilidade.
2. Alegações
de violação da separação dos poderes e de aumento de despesa sem prévia
cobertura orçamentária. Inocorrência. Disciplina da polícia de construções e
edificações que não é reservada à iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo. Necessidade de lei para alcance da esfera de direitos do indivíduo,
em especial da propriedade. Iniciativa parlamentar válida e inexistência de
reflexos financeiros.
3. Desconformidade
com a Lei Orgânica Municipal não rende ensejo ao controle de
constitucionalidade de lei local cujo único parâmetro é a Constituição
Estadual.
4. Inconstitucionalidade
da lei local por ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Egrégio Tribunal,
Colendo Órgão
Especial,
Douto Relator:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 4.242, de 29 de outubro de 2007, do
Município de Mauá, que dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de redes de
proteção em edificações residenciais multifamiliares, comerciais e similares,
alegando ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 25, 47, IV, XI e XVII, 144 e 176, I e
V, § 1º, da Constituição Estadual e aos arts 27, I, III, IV e V, e 55, II, III
e X, da Lei Orgânica do Município (fls. 02/10).
2. A liminar postulada foi concedida
(fls. 27/28), as informações não foram prestadas apesar de requisitadas (fls.
31, 36, 41) e a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse na
lide (fls. 38/40).
3. É o relatório.
4. Inadmissível o controle abstrato de
constitucionalidade de lei municipal por contraste a dispositivos da Lei
Orgânica Municipal, pois, como é sabido, o único parâmetro cabível é a
Constituição Estadual. Neste sentido:
“as ações diretas de
inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos
constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua
hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e
mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser
invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des.
Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
5. Feita essa ressalva, a lei local
impugnada é de origem parlamentar e o veto aposto pelo Chefe do Poder Executivo
foi superado pela deliberação do Plenário da Câmara Legislativa.
6. A lei local impôs a obrigatoriedade da
instalação de redes de proteção com o intuito de segurança, prevendo, ademais,
período de implementação ao cabo do qual a desobediência implicará sanções
administrativas de natureza pecuniária e restritivas de direitos.
7. Seu art. 7º dispõe que a fiscalização
de seu cumprimento “fica a cargo do Departamento de Fiscalização designado pela
Prefeitura Municipal, conforme regulamentação própria”.
8. Ao vetar o autógrafo respectivo, o
Chefe do Poder Executivo verberou que:
“Em que pese a intenção do autor do
projeto, opto por vetá-lo, eis que, no nosso entendimento, o mesmo fere o
direito à propriedade, portanto inconstitucional.
Não pode o Poder Público impor
restrições a tal uso de propriedade, não albergado pelo nosso Código Civil e
leis vigentes” (fl. 19).
9. Esse motivo nenhuma relação guarda com
a causa petendi desta ação, não
obstante o debate sobre a polícia administrativa (tradicionalmente denominada
de poder de polícia) empolgue o tema.
10. Com efeito, a polícia administrativa é
uma das atividades da Administração Pública que consiste na imposição de
restrições, condicionamentos e limitações ao exercício de direitos individuais
(como a liberdade e a propriedade) para satisfação de interesses públicos
específicos como ordem, paz, segurança, tranqüilidade, sossego, higiene,
costumes, meio ambiente, trânsito e tráfego etc. mediante instrumentos
preventivos e repressivos de maneira a conciliar, com razoabilidade e
proporcionalidade, os interesses em jogo e evitar abusos e disfunções, na linha
de abalizadas manifestações da literatura especializada (Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, 11ª ed., pp. 331-341; Diogo de Figueiredo
Moreira Neto. Curso de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., pp. 395-423; Maria
Sylvia Zanella Di Pietro. Direito
Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, 20ª ed., pp. 101-109; Edmir Netto
de Araújo. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, 1ª ed., pp. 979-992; Diógenes
Gasparini. Direito Administrativo,
São Paulo: Saraiva, 2006, 11ª ed., pp. 127-138; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2006, 2ª ed., pp. 393-411; Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São
Paulo: Malheiros, 2003, 28ª ed., pp. 125-138; Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 776-804).
11. Trata-se de atividade tipicamente
negativa na medida em que possibilita a interferência estatal na esfera de
direitos dos indivíduos. Seu fundamento é a própria soberania estatal. Embora
seja tônica a imposição de obrigações negativas e permissivas inseridas no
contexto mais amplo das limitações administrações, verifica-se, em especial, no
que tange à propriedade série de obrigações positivas, cujo substrato se alinha
à concepção da função social da propriedade e seu contemporâneo delineamento
normativo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso
de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp.
788-789). Não por outro motivo sugere a doutrina como exemplo característico de
obrigação positiva no domínio da polícia administrativa a segurança das
edificações (Marçal Justen Filho. Curso
de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2006, 2ª ed., p. 397).
12. Efetivamente um dos direitos individuais
atingidos é a propriedade. E a denominada polícia edilícia (ou das edificações
ou construções) é uma das muitas espécies de manifestações do police power ou das limitações
administrativas ao direito de propriedade, “para tornar mais segura, mais
salutar, mais digna e mais agradável a vida nas cidades, regulando as
construções públicas e particulares” (Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de Direito Administrativo, Rio de
Janeiro: Forense, 2006, 14ª ed., p. 409). Ou como põe em acento consagrada
opinião:
“A polícia das construções se efetiva
pelo controle técnico-funcional da edificação particular, tendo em vistas as
exigências de segurança, higiene e funcionalidade da obra segundo a sua
destinação e o ordenamento urbanístico da cidade, expresso nas normas de
zoneamento, uso e ocupação do solo urbano” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo:
Malheiros, 1993, 6ª ed., p. 351).
13. À luz da partilha de competências
federativas a polícia administrativa é um vasto campo para atuação do Município
sob o pálio do art. 30 da Constituição Federal, contida a atividade normativa
respectiva nos limites de seu predominante interesse local e, em especial,
respeitante ao adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Destarte, tanto
o inciso I quanto o inciso VIII desse preceito constitucional possibilitam ao
Município a disciplina da segurança das construções e das edificações e foi
baseado nestes alicerces que o Município de Mauá editou a lei local impugnada
nesta via.
14. Inegavelmente
a lei local impugnada insere-se no plexo de disposições normativas comunais que
são denominadas por código de obras (regulamento das construções urbanas). Ao
lado das normas urbanísticas de uso e ocupação do solo urbano que indicam as
construções e os usos próprios, tolerados ou vedados em cada zona, o código de
obras fixa as condições técnicas e funcionais da edificação. Assim expõe
tradicional lição:
“O regulamento das construções urbanas,
ou seja, o Código de Obras e normas complementares, deverá estabelecer
minuciosamente os requisitos de cada modalidade da construção (residencial,
comercial, industrial, etc.), objetivando a segurança, a higiene, a
funcionalidade e a estética da obra, em harmonia com a planificação e o
zoneamento da cidade” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1993, 6ª ed.,
p. 352).
15. Expostas estas premissas fundamentais,
penetra-se no âmago da questão. Normas que disciplinam a polícia das
construções e edificações, ou, em termos mais técnicos, a segurança das
edificações urbanas não se inserem na iniciativa legislativa reservada ao Chefe
do Poder Executivo.
16. Portanto, não se verifica violação ao
princípio da separação dos poderes e ao esquema de iniciativa legislativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo na disciplina da matéria constante da lei
local impugnada nesta via.
17. Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo, exercitável por seus membros na forma
prevista, sendo excepcional a atribuição de reserva a certa categoria de
agentes, entidades e órgãos. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, como observa tradicional e
autorizada lição doutrinária:
“A distribuição das funções entre os órgãos
do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa
do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as
exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada
poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a
outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos
termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao
intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras
do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções
correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
18. Neste sentido, colhe-se da Suprema
Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir
matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação
ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração
do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional
explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 27-04-2001).
19. Ancorado nessas premissas, não se
verifica violação ao princípio da separação dos poderes inscrito no art. 5º da
Constituição Paulista. A matéria legislada não se encontra no rol de iniciativa
exclusiva reservada ao Chefe do Poder Executivo, que, como exposto, merece
interpretação restritiva.
20. A negativa de iniciativa parlamentar
conduziria, aliás, a um excessivo (e indesejável) aumento da participação do
Poder Executivo no processo de produção das leis reduzindo a um papel
insignificante o Poder Legislativo e seus membros e cuja ultima ratio seria, de fato, a própria ruptura da separação dos
poderes.
21. De outra parte, se é verdade que ao
Município compete mediante lei, nos termos do art. 181 da Constituição
Estadual, disciplinar o plano diretor e o zoneamento urbano, e que essas
matérias são atribuíveis à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo,
não cabe potencializá-la a ponto de inserir nesse plexo disposições como a
examinada nesta sede. De fato, enquanto se reserva a iniciativa legislativa à gestão
da cidade – concebida nos vetores de planejamento e direção – por entender a
uma expressão da atividade administrativa própria na dimensão urbanística, a
matéria aqui tratada versa sobre posturas, mais especificamente requisitos de
construção, alcançando a propriedade privada.
22. Não
se encontra na Constituição Estadual (art. 24, § 2º) e, tampouco, na
Constituição Federal, preceito que insira a matéria legislada na reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. E cumpre anotar, por
oportuno, que o esquema de iniciativa legislativa reservada é norma
constitucional de reprodução obrigatória, como já se decidiu:
“II. - As regras do processo legislativo federal,
especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de
observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
23. Tampouco se anima com ofensa ao art. 47,
IV, XI e XVII, da Constituição Estadual, cujas prescrições não foram vulneradas
pela edição do ato legislativo em foco. É bem verdade que o inciso XIV desse
art. 47 estabelece uma reserva para a prática de atos de administração, ou
seja, exclui do Poder Legislativo a disciplina de certas matérias. Todavia, é
impossível afirmar que a limitação administrativa imposta, afetando o direito
de propriedade, é ato típico de administração.
24. Ao contrário, de ordinário a feição mais
restrita do princípio da legalidade administrativa (legalidade absoluta,
reserva de lei) exige lei sempre quando o ato estatal interferir ou limitar a
esfera de direitos dos indivíduos e, especialmente, quando lhes impõe sanções,
deveres, proibições.
25. Assim sendo, não merece amparo a
pretensão sob o prisma de violação ao princípio da separação dos poderes.
26. Improcedente, também, a ação sob o
prisma de infringência aos arts. 25 e 176, I, e V, da Constituição Estadual
porque a lei, que gera dever a ser cumprido pelos particulares a ser
fiscalizado pelo poder público municipal, não implica diretamente aumento ou
expansão de despesas. A fiscalização do cumprimento da lei não inova na
estrutura dos recursos humanos da Prefeitura para tanto, uma vez que não cria
serviço ou atividade nova. E, ademais, o art. 7º da Lei n. 4.242 remete ao
alvedrio do Poder Executivo a escolha do setor para o exercício dessa
competência.
27. Não obstante, a lei local merece análise
sob o pálio dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
expressamente adotados no art. 111 da Constituição Estadual e que servem como parâmetros
indispensáveis para o teste da constitucionalidade das medidas da polícia
administrativa.
28. No direito
brasileiro, parte da doutrina identifica o princípio da razoabilidade com o
devido processo legal e a isonomia e parte com a proporcionalidade, havendo
quem aponte a razoabilidade como parâmetro da constitucionalidade de atos
normativos e a proporcionalidade para os atos administrativos.
29. Em face dos atos
normativos o princípio da razoabilidade granjeou sucesso exigindo a isonomia, a
racionalidade e o substantive due process of law, mas também em face
dos atos administrativos. Além do art. 111 da Constituição Estadual, a Lei n.
9.784/99 (art. 2º, parágrafo único, VI) e 2º, d, da Lei n. 4.717/65
(art. 2º, d), amparam explicitamente
referido princípio.
30. A Constituição de
1988 consagra o devido processo legal nos aspectos substantivo e processual nos
incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. Em sua evolução histórica, o
princípio do due process of law percorreu três etapas ou fases.
31. A primeira é o seu surgimento na Magna
Carta Libertatum (1215, Inglaterra) como a garantia processual penal da law
of the land (posteriormente substituída pelo due process of law no
Estatuto de Eduardo III, 1534), consistente no julgamento formado entre seus
pares e segundo as leis da terra, desenhando os princípios do juiz natural e da
legalidade penal.
32. Na segunda, ele passa a ser garantia
processual geral, ou seja, constitui requisito de validade da atividade
jurisdicional o processo regularmente ordenado.
33. E na terceira, mediante interpretação
das Emendas V e XIV da Constituição dos Estados Unidos da América pela Suprema
Corte, ele assume postura substantiva a latere do caráter processual,
como limitação do mérito das ações estatais.
34. O substantive due process of law
constitui limite ao Poder Legislativo, exigente da elaboração normativa com
justiça, reasonableness (razoabilidade) e racionality
(racionalidade), devendo ostentar real e substancial nexo com o objetivo que se
quer atingir, enquanto o procedural due process of law garante às
pessoas um procedimento judicial justo, com direito de defesa.
35. No direito germânico há o princípio da
proporcionalidade (proibição do excesso), norma constitucional não escrita para
avaliação da compatibilidade entre meios e fins, de modo a evitar restrições
desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais. O princípio adotado
no direito espanhol espargiu-se ao direito comunitário europeu.
36. Ninguém omite a importância do princípio
da razoabilidade no direito administrativo, ao pregar proporcionalidade entre
os meios utilizados e os fins a alcançar a coerência lógica e racional do ato
com seu escopo. Embora se confundam e se distingam amiúde, proporcionalidade e
razoabilidade, no fundo,
entrosam-se com a dimensão da igualdade na lei (proibição de normas
discriminatórias desarrazoadas) e perante a lei (vedação da execução da norma
com tratamento discriminatório desarrazoado).
37. J. J. Gomes Canotilho salienta que o
princípio da proporcionalidade passou de uma visão restrita (medida para as
restrições administrativas da liberdade individual) para um sentido mais amplo,
da proibição do excesso em qualquer atividade pública, guiando-se pelo “controlo exercido pelos tribunais quanto à
adequação dos meios administrativos (sobretudo coactivos) à prossecução do
escopo e ao balanceamento concreto dos direitos ou interesses em conflito”,
impondo subprincípios como conformidade (adequação entre meios e fins),
exigibilidade ou necessidade (direito a menor desvantagem possível) e
proporcionalidade (justa medida). Dele decorre também a proibição por defeito,
quando as entidades sobre quem recai um dever de proteção “adoptam medidas insuficientes para garantir
uma protecção constitucionalmente adequada dos direitos fundamentais” (Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Livraria Almedina, 1998,
pp. 259-265). Portanto, o que se exige do Poder Público é uma coerência lógica
nas decisões e medidas administrativas (Augustín Gordillo. Princípios gerais de direito público. São Paulo: RT, 1977, p. 183),
englobando a prudência, a proporção, a indiscriminação, a proteção, a
proporcionalidade, a causalidade, em suma, a não arbitrariedade.
38. O sacrifício ao direito individual deve
se restringir ao que for estritamente necessário para produzir o fim
pretendido; não é admissível o excesso.
39. É preciso que a atuação do Estado seja
apropriada (Geeignetheit), necessária
(Erforderlichkeit), e tolerável (Zumutbarkeit). A doutrina e a
jurisprudência alemãs reputam a proporcionalidade como componente essencial do
Estado de Direito, que tende a proteger o indivíduo contra todas as ingerências
supérfluas do poder público, ditadas, supostamente, pelo interesse coletivo.
Bem por isso, sua aplicação – que pressupõe o fim legítimo da atividade estatal
– sempre envolve um juízo de valor quanto à adequação e à necessidade do meio
escolhido para alcançar o bem comum.
40. A observância destes princípios conduz a
erradicação de atos estatais excessivos e arbitrários na medida em que se
traduz uma exigência positiva e material relacionada ao conteúdo dos atos
restritivos de direitos fundamentais, estabelecendo limite na restrição de tais
direitos.
41. E para além, atua como método geral de
solução de conflitos entre princípios. Com efeito, à vista dessa situação, o contraste
é resolvido pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese
aplicáveis e aptas a fundar decisões em sentidos opostos, através da aplicação
das máximas integrantes do princípio da proporcionalidade: adequação (aptidão a
produção do resultado desejado), necessidade (insubstituição por outro meio
menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcionalidade em sentido estrito
(relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização
do princípio contraposto).
42. No caso em foco, apesar das boas
intenções do Poder Legislativo, tendentes a evitar que pessoas (principalmente
crianças) se precipitem acidentalmente de edificações residenciais ou
comerciais, a medida soa desarrazoada na medida em que alcança, generalizada e
indistintamente, titulares de domínio de imóveis, residenciais ou comerciais,
que nem sempre necessitam da medida prescrita a título de segurança (porque não
têm obrigatoriamente em sua companhia, guarda, acesso ou dependência pessoas mais
suscetíveis à insegurança da altura de sacadas e janelas, como, verbi gratia, crianças, pessoas com
deficiência etc.). A falta de razoabilidade ou proporcionalidade se denota com
maior vigor, aliás, quando a lei local estabelece que a instalação das redes de
proteção é obrigação somente do proprietário (art. 6º), sob pena de
responsabilidade civil, e olvida locações.
43. Em suma, a inconstitucionalidade resulta
da ofensa à justa medida em virtude da proibição do excesso.
44. Opino pela procedência da ação para
declaração da inconstitucionalidade da Lei n. 4.242, de 29 de outubro de 2007,
do Município de Mauá.
São
Paulo, 20 de julho de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO
GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça