AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

Processo nº 163.390-0/9-00

Autor: Prefeito Municipal de Amparo

Objeto: Lei Municipal n. 3.353, de 10 de março de 2008, publicada em 14 de março de 2008, do Município de Amparo.

 

Ementa: 1)Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que cria obrigações para o Poder Público Municipal (concessão de transporte público urbanos e semi-urbanos, com exceção nos serviços seletivos e especiais gratuito para idosos, maiores de 60 anos). Lei de iniciativa parlamentar. 2)Violação do princípio da separação de poderes (art.5º, 37, 47 II e XIV, e 144 da Constituição Estadual). 3)Inconstitucionalidade reconhecida

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Amparo, tendo como alvo a Lei Municipal n. 10 de março de 2008,  do mesmo município, que “Favorece os idosos maiores de 60 anos, com a gratuidade nos transportes coletivos”..

 

         Aduz o autor que: (a) a proposta decorreu de iniciativa parlamentar, e violou o princípio da separação de poderes; (b) o ato normativo não indicou os recursos necessários para fazer frente às novas despesas.

 

         Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls.64/65).

 

         A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.78).

 

         Citado o Senhor Procurador-Geral do Estado (fls.74/76),  declinou de realizar a defesa dos dispositivos impugnados .

         Este é o breve relato do que consta destes autos.

 

1)Do ato impugnado.

 

         A Lei Municipal n. 3.353, de 10 de março de 2008, de iniciativa parlamentar, possui a seguinte redação:

 

Art. 1º - Fica assegurado aos idosos maiores de 60 anos, a gratuidade dos transportes públicos urbanos e semi-urbanos, com exceção nos serviços seletivos e especiais, quando prestados.

 

§1º - A cada interessado, na faixa etária entre 60 e 64 anos, serão entregues 20 (vinte) passes livres, que se  não realizados, deverão ser devolvidos à empresa no mês seguinte ao de validade.

 

§2º - As pessoas contempladas pelo favorecimento desta lei, idosos entre 60 e 64 anos, retirarão na sede da permissionária, mensalmente, os passes livres, oportunidade em que devolverão eventuais excedentes do mês anterior.

 

Art. 3º - O executivo deverá regulamentar essa lei no prazo improrrogável de 60 9sessenta) dias, período em que deverá ser definida a forma de ressarcimento à concessionária dos serviços, através de recursos municipais para a cobertura da gratuidade com que a empresa ficará onerada, para o cumprimento do disposto no art. 35, da Lei Federal n. 9.074 de julho de 1995.

 

Parágrafo único- A empresa concessionária dos serviços deverá fornecer para a Prefeitura, dentro de 45 (quarenta e cinco) dias, apo o respectivo Decreto regulamentador  desta Lei, uma estimativa do número de pessoas entre 60 e 64 anos que poderão utilizar o benefício da gratuidade no sistema de transporte coletivo municipal.

 

Art. 4º - Esta lei entra em vigor após a publicação do respectivo Decreto regulamentador”.

 

 

         Como visto, considerada a iniciativa parlamentar, torna-se patente a vertical incompatibilidade entre o texto impugnado e a Constituição Paulista.

 

2)Violação do princípio da separação de poderes.

 

         O ato normativo impugnado nesta ação direta cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao prever que o Poder Público Municipal “deverá oferecer transporte público urbano e semi-urbanos, com exceção nos serviços seletivos e especiais,  gratuito aos idosos maiores de 60 anos”.

 

         Nesse sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

 

         Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

 

         Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos art.5º, art.37 e art.47 incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

 

         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

         Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

 

         Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:

 

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

 

 

         Por último, oportuno observar que a implantação do transporte gratuito, nos termos previstos no dispositivo impugnado, certamente traria despesas para o erário.

 

         Em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

 

 

3)Conclusão.

 

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 3.353,        de        10 de março de 2008, do Município de Amparo.

 

 

São Paulo, 22 de julho de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça