AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Processo nº 163.391-0/3-00

Autor: Prefeito Municipal de Amparo

Objeto: Lei Municipal 3.346, de 22 de fevereiro de 2008, que acresce parágrafos ao art. 3º, da Lei n. 2.895, de 16 de maio de 2003, ambas do Município de Amparo. 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

 

                             Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Amparo, tendo como alvo a Lei Municipal 3.346, de 19 de fevereiro de 2008, que acresce parágrafos ao art. 3º, da Lei n. 2.895, de 16 de maio de 2003, que trata do serviço voluntário, daquela cidade.

 

                   Alega o autor que: (a) houve violação ao princípio da separação de poderes; (b) houve desrespeito ao art. 39, inciso II, da Lei Orgânica do Município de Amparo; (c) não há previsão das fontes de receita para fazer frente às despesas que surgirão; (d) compete a União legislar sobre matéria eleitoral;

 

 

                              Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls.157).

 

                             A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.185/193).

 

                              Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou na defesa do ato impugnado (fls. 75 e seguintes).

 

 

 

                      Este é, em síntese, o breve relato do que consta destes autos.

 

                     A Lei Municipal n. 3.346, de 19 de fevereiro de 2008, do Município de Amparo que “acresce parágrafos ao art. 3º , da Lei n. 2.895, de 16 de maio de 2003, que trata do serviço voluntário”, tem a seguinte redação:

 

“Art.1º- O art. 3º da lei n. 2.895, de 16 de maio de 2003 fica acrescido dos §§ 1º e 2º , com as seguintes redações:

 

“Art. 3º - (....)

 

§1º - Nos anos de eleições municipais é vedado firmar qualquer termo de adesão para prestação de serviço voluntário. (AC)

 

§ 2º - O prestador de serviço voluntário que vier a candidatar-se a qualquer cargo eletivo no Município de Amparo, inclusive no caso de vice-prefeito, deve desincompatibilizar-seno prazo de 180 (cento e oitenta) dias antes do pleito. (AC)”.

 

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

 

                                Contudo, o diploma acima transcrito é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.

 

                   A lei em questão teve origem em projeto de iniciativa de vereador — o que é fato, cf. fls. 21: Vereador Odair Pereira de Oliveira — e, mesmo vetado pelo Prefeito, houve sua promulgação pelo Presidente da Câmara Municipal.

 

 

 

 

 

                              E, por isso, a lei é inconstitucional, ofendendo o artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, diante da invasão, pela conduta do Poder Legislativo, de competência exclusiva do Poder Executivo. Ofendeu a lei em tela o processo legislativo, pois ao dispor sobre  serviço voluntário, interferiu no modo de execução do serviço público, matéria essa que realmente se insere nas atribuições do governo, cujas funções são exercidas pelo Chefe do Poder Executivo.

 

                      São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive quanto ao município, é que sua parte integrante. Bem por isso a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

 

                    O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, pode o prefeito ter qualquer atuação voltada para a “conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2006, 14ª ed., p. 720).

 

 

                     Se deve o prefeito administrar os bens e serviços públicos — conservando-os, administrando-os e utilizando-os —, e se tais atos se inserem na condução ordinária da Administração, não é possível que a Câmara Municipal interfira em sua competência, editando lei determina a forma de execução dos serviços bens públicos, como é o caso presente.

 

 

 

 

                     Não se pretende aqui negar os bons propósitos que normalmente norteiam a atuação da Casa Legislativa. O que se deseja é atentar para a violação da prerrogativa do Prefeito Municipal, que teve subtraída sua atribuição exclusiva de gestão dos  serviços públicos.

 

                     Ademais, além de infringida sua competência, a execução da lei  municipal em questão, poderá provocar despesas não previstas, na medida em que haverá necessidade de substituição de prestadores de serviços voluntários por servidores municipais contratados para exercer as tarefas exercidas pelos primeiros.

 

 

                    Ocorre, porém, não se admite que o Poder Legislativo local, por lei de sua iniciativa, determine a criação de despesa não incluída na lei orçamentária anual, em confronto com o disposto nos artigos 174 e 176, inciso I da Carta Paulista.

 

 

Reconhece-se a interferência em atividade tipicamente administrativa pois “em assunto da alçada do Chefe do Executivo, extrapolando de suas atribuições de edição de normas, com evidente invasão de competência, afrontando, por via de conseqüência, o princípio da independência e harmonia dos Poderes” (RTJSP 111/466).

 

 

Considerando que o chefe do Poder Executivo deve planejar e planificar sua atividade segundo os objetivos e os recursos previstos nas leis do sistema orçamentário, daí se justificando a iniciativa privativa na elaboração e apresentação de projetos de leis como o caso presente. Não se admite, pois, que a Câmara Municipal possa       impor atribuição ao Prefeito Municipal, sem a previsão dos recursos para tanto, ofendendo, assim, o artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

 

A lei combatida despojou o Prefeito de suas funções governamentais, que lhe competem privativamente como condutor dos negócios municipais, a exemplo do que ocorre com o Presidente da República, no plano federal, e com o Governador, no estadual.

 

 

Conclui-se, portanto, que houve supressão de atribuição reservada do Chefe do Poder Executivo com a conseqüente imposição de normas que ofende diretamente sua iniciativa legislativa, com infringência aos artigos 5º, caput, 24, § 2º, nº 1, 25, 174 e 176 todos da Constituição do Estado de São Paulo, de observância obrigatória pelos Municípios, conforme artigo 144 do mesmo diploma constitucional.

 

 

                        Isto posto, pronuncio-me pela procedência do pedido, no sentido da declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 3. 346, de 19 de fevereiro de 2008, que “acresce parágrafos ao art. 3º da lei n. 2.895, de 16 de maio de 2003, que trata do serviço voluntário”,  ambas do Município de Amparo, adotando-se as medidas necessárias à suspensão de sua eficácia.

 

 

 

São Paulo, 02 de setembro de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça