AÇÃO   DIRETA  DE  INCONSTITUCIONALIDADE  N.º  163.660-0/1-00

Requerente   :    Prefeito do Município de Lençóis Paulista

Requerida    :    Câmara Municipal de Lençóis Paulista

Objeto        :     Lei n.º 3.837, de 24 de abril de 2008

Tribunal  de  Justiça  do  Estado  de  São  Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

 

 

                                                RELATÓRIO

 

 

 

                                                O  Prefeito Municipal de Lençóis Paulista  propôs a  presente ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade  da  Lei n.º 3.837, de 24 de abril de 2008 (fls. 33),   que  ‘autoriza a Prefeitura Municipal de Lençóis Paulista a prorrogar por 60 (sessenta) dias a licença maternidade’. Entende  o autor ser o ato normativo contrário à Constituição do Estado  de  São Paulo, em especial aos artigos 5.º, 24,§2º, ‘4’, 25, 47, II e XIV e 144.  A  Câmara  Municipal forneceu suas informações,  defendendo a constitucionalidade da lei municipal impugnada, fls. 52/53.  A  Procuradoria-Geral  do Estado foi

 

 

 

 

 

citada;   que  se  acrescentar  que  o  projeto  de  lei  foi  vetado  pelo Executivo,  tendo sido rejeitado o veto aposto.  Houve o deferimento liminar da  medida, fls. 42/43.

 

                                                MANIFESTAÇÃO

 

 

 

1.                                             Entendo ser  a ação   procedente,   sendo  inconstitucional Lei n.º 5.105, de 4 de outubro de 2006 (fls. 29),   que  ‘autoriza a prorrogação da licença-maternidade por mais de 60 dias, e dá outras providências’ de Itapetininga.

 

 

2.                                               que  se  aduzir  que  a  Lei  em questão  é   de  iniciativa de  vereador,   tendo sido vetada  pelo Executivo,  mas tal veto  foi  rejeitado  pela  Edilidade, que a promulgou.  Referido dispositivo é  inconstitucional  por contrariar os artigos  5.º e   47, da  Constituição do Estado de São Paulo.  A dicção de tais dispositivos é a seguinte:

 

 

                                           "Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

 

                                          Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...)

 

 

 

 

 

                                          II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual’

 

 

3.                                             Em realidade, a  administração da cidade incumbe  ao que,  modernamente,   chama-se de  'Governo',  e  que tem na lei   seu mais  relevante  instrumento,[1]   participando   sempre  o   Poder Legislativo   na  função  de   aprovar-desaprovar os atos[2].  Na  hipótese  de  administração   ordinária,  cabe  ao  Legislativo   o  estabelecimento de normas gerais,  diretrizes globais,  jamais atos pontuais e específicos.

 

 

 

 

 

 

 

                                                Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

 

                                          "A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses  locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos c autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração  (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é,

 

 

 

 

 

 

normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente  nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em  atos ou medidas  de execução  governamental  (...)  Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime  jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de

 

 

 

 

 

 

sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais.  Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.'[3]

 

 

4.                                             Percebe-se que a lei em questão tem irregularidades constitucionais eis que autoriza o Executivo a criar determinado benefício ao funcionalismo (licença-maternidade), o que implica em invasão da órbita orçamentária,  interferindo na própria Administração Pública interna além de impedir  que a Administração exerça o seu poder de opção pela melhor solução no  momento.

 

 

5.                                             Segundo José Adércio Leite Sampaio (A Constituição  Reinventada pela Jurisdição Constitucional, Del Rey, p. 490) "Não se admite que venha o Legislativo a prever a criação de diversos órgãos, fundos e entidades públicos, como centrais de abastecimento para armazenagem, conservação e comercialização de produtos agrícolas, empresa de administração portuária, conselho de transporte, delegacias especializadas de atendimento à mulher ou estabelecimento ambulatório, mesmo considerando que a efetividade desse tipo de norma dependa sempre  de  lei    ou providêncide iniciativa do próprio Governador (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n.

 

 

 

 

 

827-AP. Rel. Min. Paulo Brossard RTJ v. 148, t. 3, p. 693; ADInMC n. l. 275-SP. Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ v.  162, t. 3, p. 868; ADInMC n. l.391-SP  Rel. Min. Celso de Mello. DJ  de 28/11/1997, p. 62.216) tampouco instituir um conselho destinado ao controle e à fiscalização do sangue  (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. l .275-SP. Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ v. 162, t. 3, p. 868-870). Assim também se mostra inconstitucional estipular a criação de conselho dotado de diversificada composição e representatividade, destina do a orientar os órgãos de comunicação social do Estado, suas fundações e entidades sujeitas ao seu controle (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 821 -RS. Rel. Min. Octavio Gallotti. DJ l de 7/5/1993, p. 8.327),  tanto quanto dispo sobre a organização, funcionamento de certas entidades ou estatuto de seus servidores (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 282-MT.  Rel.  Sydney Sanches. RTJ v. 161, t. 2, p. 384-402; atribuindo à Defensoria Pública  autonomia administrativa).  Não pode criar, tampouco extinguir: infeliz assim a tentativa de pôr fim ao Corpo de Bombeiros com transferência de suas atribuições para a Polícia Militar (Supremo Tribunal Federal. Pleno. AdinMC 1.554-MA, Rel. Min. Sydney Sanches DJ 3.2.97).

 

                                                A disciplina do regime jurídico dos servidores públicos é matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

 

 

7.                                             Na  presente ação direta,  entendo que a Lei n.º 3.837, de 24 de abril de 2008 (fls. 33),   que  ‘autoriza a Prefeitura Municipal    de       Lençóis Paulista a prorrogar por 60 (sessenta) dias a licença

 

 

 

 

 maternidade’  é   inconstitucional,  eis  que  não  tem o  Legislativo o a iniciativa sobre  normas  acerca do  regime jurídico do funcionalismo público.

 

                                                O  parecer, pois,  é pela procedência  da ação.

 

 

São Paulo, 01 de julho  de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

                                               



[1] Christian Starck.  'El Concepto de ley en la constitucion alemana',  p. 73, CEC, Madrid,  1979.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo,  sua função torna-se aquela  convalidar-confirmar solenemente o 'indiriz­zo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob  a forma de lei. O bloqueio  - com voto negativo – ao 'indirizzo'  do Po­der governante, ou a remoção  formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo,  eventos absolutamente excepcionais.  O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios  (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a  integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'."  Giovanni Bognetti,  'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376,  XI, UTET.

[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, p. 576, Malheiros, 12ª ed.