Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 163.824.0/2-01

Autor: ATA- Associação dos Proprietários e Condutores de Transporte Alternativo de Passageiros

Objeto de impugnação: art. 2º , parágrafo 3º , da Lei  n.º 9.936 de 10 de agosto de 2007, do Município de São José do Rio Preto.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

                    Trata-se de ação proposta pela ATA – Associação dos Proprietários e Condutores der Transporte Alternativo de Passageiros a fim de que seja declarada inconstitucional o art. 2º e seus parágrafos, da Lei Municipal n. 9.936 de 10 de agosto de 2007, do Município de São José do Rio Preto, por afronta ao art. 5º ,  LIV e LV e 150, IV, da Constituição Federal c.c artigos 4º, 144 e 163,IV, da Constituição do Estado. Foi concedida medida liminar, para suspender a eficácia do dispositivo legal impugnado, fls. 55 e 55v. Contra a r. decisão foi interposto agravo regimental, fls. 62.  Notificados, a Câmara Municipal e o Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, prestaram informações, fls. 72/73  e 92/101. Citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Carta Paulista, o Procurador-Geral do Estado se negou a defender norma que trata de matéria exclusivamente local, ante a ausência de interesse estadual na sua preservação, fls. 92/101.

 

 

 

                            Resumidamente, é o que consta nos autos.

 

                    A ação deverá ser julgada improcedente.

 

                   O art. 2º da Lei Municipal n. 9.936, de 10 de agosto de 2007 e seus parágrafos, tem a seguinte redação:

 

                   Art. 2º - A infração no art. 1º desta Lei implicará a imediata apreensão e remoção do veículo empregado no transporte ilegal para o local destinado ao recolhimento de veículos e a imposição de multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), sem prejuízo das penalidades previstas na legislação federal.

 

                   §1º - No caso de reincidência, a multa prevista no artigo será aplicada em dobro.

 

                   §2º - A multa pecuniária prevista nesta lei terá seu valor reajustado, anualmente, pelo IPC-A, medido entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de cada ano, de modo automático, ou ainda, por outro índice legal que o Município vier a adotar.

 

                   §3º - O veículo apreendido nos termos deste artigo só será liberado após o recolhimento aos cofres públicos municipais do valor da multa nele prevista.

 

 

                   Nada obstante os argumentos despendidos na petição inicial o art. 2º e seus parágrafos, §1º, §2º e 3º , da Lei Municipal n. 9.936, de 10 de agosto de 2007, de São José do Rio Preto, não são inconstitucionais, pois compete ao Município legislar sobre os assuntos de interesse local (CF., art. 30, inciso I) e organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (CF., art. 30, inciso V).

 

                   À medida que as providências até então adotadas não foram suficientes para sanar o problema do transporte irregular de passageiros, o Município de São José do Rio Preto editou regras mais drásticas, entre as quais a apreensão  e remoção do veículo, bem como a imposição de multa, mediante processo administrativo regular, assegurada a ampla defesa.

                  

                   Vale registrar que o assunto debatido nesta ação não constitui nenhuma novidade para esse Egrégio Tribunal de Justiça, existindo diversos precedentes específicos em que se discute a competência municipal para impor sanções dessa natureza, em face da existência de previsão semelhante no Código de Trânsito Brasileiro, e também a necessidade de garantir-se a ampla defesa aos infratores.

 

         “Trânsito. Transporte de passageiros sem autorização do Poder Público. Apreensão de veículo. Legalidade, considerando-se o poder de polícia da Administração local, que é competente para tanto (CF., art. 30, V). Liberação do veículo mediante pagamento das despesas com remoção e estadia, mas não da multa. Inadmissível, outrossim, a segurança preventiva para que ao Autoridade impetrada deixe de apreender o veículo do impetrante no futuro, pelo fundamento de transporte irregular de passageiros. Segurança concedida parcialmente. Sentença reformada. Recursos providos parcialmente.” (Apelação Cível n.º 88.867-5/8, da Comarca de Santos, Rel. Des. EDUARDO BRAGA)

 

         “Mandado de Segurança - Ato administrativo - Apreensão pela fiscalização municipal de veículo automotor utilizado no transporte coletivo clandestino e irregular - Exigência do pagamento da multa e despesas com remoção e estadia do veículo como condição para sua liberação - Redução do valor da multa sem que a parte tenha requerido - Possibilidade de condicionar a liberação ao pagamento das despesas havidas pela Municipalidade - Sentença reformada - Recurso parcialmente provido.” (Apelação Cível n. 106.577-5 - Cubatão - 3ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. RUI STOCO - 22.02.00 – v.u.)

 

         “Mandado de Segurança - Transporte irregular de passageiros mediante pagamento – Autolotação ou perua de aluguel - Apreensão do veículo e exigência do prévio pagamento de multa e despesas para a sua liberação - Competência municipal quanto a regulamentação do transporte coletivo urbano - Competência para a organização, fiscalização, com aplicação de penalidade - Inconstitucionalidade da lei local (Município de São Paulo), estabelecendo multa - ADIn. 45.468 - Inconsistência desta - Retenção diante de situação irregular por transporte de passageiro, mediante pagamento, sem a devida autorização - Competência municipal para regular e fiscalizar transporte coletivo urbano - Segurança parcialmente concedida para permitir a liberação apenas condicionada ao pagamento das despesas com apreensão, menos a multa - Reexame e recurso voluntário não providos.” (Apelação Cível n. 101.353-5 - São Paulo - 1ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. CAUDURO PADIN - 14.03.00 - v.u.)

 

         “Mandado de Segurança - Transporte irregular de passageiros mediante pagamento - Apreensão do veículo - Exigência do pagamento da multa, despesas e estadia para liberação do veículo - Segurança concedida em parte para liberação do veículo, dispensa do pagamento das despesas, estadia e redução da multa - Reexame necessário e recurso do Município, objetivando a cassação da segurança. A apreensão de veículo que é utilizado sem o devido licenciamento da Municipalidade é legítima, sendo cabível a exigência do pagamento das despesas, estadia para liberação do veículo e multa aplicada em consonância com a legislação municipal.” (Apelação Cível n. 105.219-5 - Cubatão - 1ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. NIGRO CONCEIÇÃO - 14.03.2000 - v.u.)

 

                   Em linhas gerais, e pelo que se depreende da maioria dos Julgados acima reproduzidos, esse Egrégio Tribunal de Justiça considera legítima a apreensão de veículo flagrado transportando irregularmente passageiros, mediante previsão em lei municipal, como também tem aceitado a exigência prévia de pagamento das taxas e despesas com a remoção e estada para a liberação do veículo apreendido nessas condições.

                  

                   O transporte remunerado de passageiros sem autorização legal constitui infração de trânsito, nos termos do art. 231, inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, poder-se-ia cogitar o afastamento da competência municipal para dispor sobre a matéria, em face da competência da União para legislar sobre trânsito e transporte (CF., art. 22, inciso XI). Ocorre que, por tal aspecto, a presente ação é inviável, já que a conclusão de inconstitucionalidade dependeria do exame prévio de espécie normativa inconstitucional, o que não se admite no controle abstrato de normas.

 

                   Por outro lado, a ausência de definição legal do prazo para a conclusão do processo administrativo não acarreta a inconstitucionalidade, podendo, quando muito, essa lacuna legal ensejar a aplicação de outras normas, mediante recurso à analogia, ou a edição de nova lei em caráter integrador.

 

                   Eventual demora ou atraso na definição da situação jurídica poderá, quando muito, ensejar a impetração de Mandado de Segurança, pelo prejudicado, para garantir o restabelecimento do alvará de licença até a final decisão, mas nunca levar à eliminação completa da regra que previu a instauração do processo administrativo.

 

                   Outrossim, não ferem a ampla defesa e a garantia do contraditório a apreensão do veículo e a imposição de multa, na medida em que existe a possibilidade de interposição de recurso.

 

                   Observe-se, também, que no tocante à imposição da multa, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teria competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade promovida com o objetivo de declarar inconstitucional a Lei Municipal 8.445/01, já decidiu caso análogo:

          TJSP – “Trânsito – Previsão e aplicação de multas pelo Município – Possibilidade – Edição de leis próprias tendo em vista interesses locais – Competência do Poder de Polícia relacionado à preservação do Patrimônio Público – Embargos rejeitados. Embora incumba à União legislar sobre trânsito e tráfego, não há vedação ao Município quanto a dispor, em lei própria e diante dos interesses locais que deve proteger e cuidar, acerca da circulação e estacionamento de veículos sobre bens, como por exemplo, calçadas, meios – fios, canteiros” ( TJSP – 8ª Câmara Civil – Embargos Infringentes nº 163.721-1/sp – Rel. Des. Régis de Oliveira, decisão: 4-11-1992).[1]

 

                    Ante o exposto, requeiro a improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

                                  São Paulo, 15 de julho de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça



[1] Jurisprudência colacionada na Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, de Alexandre de Moraes. Ed. Atlas. 2003, p.746