Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 164.498-0/9

Requerente: Prefeito do Município de Santa Cruz das Palmeiras/SP

Objeto: Lei Municipal nº 1765, de 28.07.2007

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Santa Cruz das Palmeiras/SP, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 1765, de 28 de julho de 2007, que “dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para elaboração e execução da lei orçamentária do Município para o exercício financeiro de 2008 e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu é de sua iniciativa. No entanto, submetido à Câmara Municipal, recebeu emenda supressiva do artigo 28, que, originariamente, estava assim redigido:

Fica o Poder Executivo autorizado a assinar convênios com o governo Federal e Estadual, através de seus órgãos da Administração direta, indireta e autárquica, para a realização de obras ou serviços de competência ou não do Município.

A supressão desse dispositivo teria ocorrido, segundo o requerente, em razão de sua suposta incompatibilidade com o artigo 45, inciso XIV, da Lei Orgânica Municipal.

Argumenta o Prefeito que, na ordem constitucional vigente, o Chefe do Poder Executivo não precisa de autorização para celebrar convênios. A emenda teria, portanto, violado a independência dos Poderes e a discricionariedade da Administração.

O pedido liminar foi negado pela r. Decisão de fls. 84.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 93/95).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 97/110, em defesa da lei impugnada.

Afirmou que o projeto de lei foi de iniciativa do Prefeito e que, durante o processo legislativo, recebeu duas emendas, uma das quais supressora do artigo 28 do projeto.

Disse que o artigo 28, da forma como estava redigido, conflitaria com o artigo 45, inciso XIV, da Lei Orgânica Municipal.

Sustentou que a emenda não importou em aumento de despesa, não criou programa de governo e está em conformidade com o plano plurianual, de sorte que não padeceria da alegada inconstitucionalidade.

Afirma, com o apoio da doutrina, que emenda supressiva não poderia ser objeto de veto e que é legítima a prévia aquiescência do Poder Legislativo para a celebração de convênios pela Administração.

Realça a proeminência da Lei Orgânica Municipal e assevera que a Câmara de Vereadores vem autorizando a celebração de convênios.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

O Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que condicionam a celebração de convênios pelo Poder Executivo à aprovação da Câmara Municipal.

Compreende-se, majoritariamente, que cabe ao Chefe do Executivo aferir a conveniência e oportunidade desses negócios bilaterais, em atos ordinários de gestão, para os quais o administrador não depende de autorização legislativa.

Acredita-se, então, que leis da espécie consagram a subordinação de um Poder ao outro, o que contrariaria frontalmente a independência e harmonia dos Poderes, do que decorre nítida ofenda ao art. 5º da Constituição Bandeirante.

Essa orientação tem o respaldo do Supremo Tribunal Federal:

"Separação e independência dos poderes - Submissão de convênios firmados pelo Poder Executivo à prévia aprovação ou, em caso de urgência, ao referendo de Assembléia Legislativa - Inconstitucionalidade de norma constitucional que a prescreve - Inexistência de soluçãoassimilável no regime de poderes da Constituição Federal,que substantiva o modelo positivo brasileiro do princípio da separação e independência dos poderes, que se impõe aos Estados-membros - Reexame da matéria, que leva à reafirmação da jurisprudência do Tribunal' (ADIN n° 165-5, Rei. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, "in" Informativo n° 85, de 01.10.97).

No caso dos autos, entretanto, o autor pretende que se declare inconstitucional a emenda supressiva “por afrontar os artigos 2º e 37, caput, da Constituição Federal” (fls. 10), para que, desse modo, seja restabelecida a redação do projeto original.

Esse pedido, data venia, não pode ser atendido.

A Constituição em vigor não proíbe o Parlamento de rejeitar projeto de lei encaminhado pelo chefe do Poder Executivo, total ou parcialmente, mesmo aqueles que seja de sua iniciativa reservada, não tipificando nenhum atentado à ordem jurídico-constitucional vigente a iniciativa da Câmara Municipal de Santa Cruz das Palmeiras de aprovar emenda que suprimiu o artigo 28 da norma em análise.

De outro giro, no exercício do controle abstrato de normas, que constitui prerrogativa excepcional conferida ao Poder Judiciário pela Constituição, é vedado ao Tribunal atuar como legislador positivo, isto é, a Corte não pode restabelecer os efeitos de dispositivo que foi rejeitado pela Câmara, durante a normal tramitação do projeto de lei encaminhado pelo Prefeito, o que atenta contra o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

De fato, o objeto válido do controle abstrato de normas somente pode ser lei em regime de pleno vigor, nunca lei que não foi sequer aprovada, como no caso sob exame, em que o Prefeito busca revalidar artigo que foi rejeitado pela Câmara, o que se mostra um contra-senso, por não ser possível exercer o controle de validade de algo que não existe.

Na verdade, a fase que antecede a aprovação de uma lei não se submete ao controle abstrato de normas, mas sim está sujeita ao controle judicial de legalidade dos atos praticados durante o regular desenvolvimento do processo legislativo, pelo Parlamento, que mesmo assim nunca pode ser impedido de rejeitar as proposições apresentadas pelo Executivo.                 

3) Conclusão.

Diante do exposto, considerando-se que o pedido formulado na inicial demonstra-se juridicamente impossível, por implicar na atuação do Poder Judiciário como “legislador positivo”, a única solução cabível é a extinção deste processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 267, VI, do CPC.

São Paulo, 25 de agosto de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

/jesp