Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 164.502-0/9-00

Requerente: Prefeito Municipal de Ribeirão Preto

Objeto: Lei Municipal nº 11.064, de 20 de dezembro de 2006, do Município de Ribeirão Preto

 

Ementa: Lei nº 11.064, de 20 de dezembro de 2006, do Município de Ribeirão Preto, de autoria de Vereador, que proíbe a instalação de valetas e determina a instalação de tubos subterrâneos para o escoamento de água nas vias públicas. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Ribeirão Preto, tendo por objeto a Lei nº 11.064, de 20 de dezembro de 2006, do Município de Ribeirão Preto, que dispõe “sobre a proibição de instalação de valetas em cruzamentos de vias públicas no âmbito do município e dá outras providências ”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Aduz que isso se deu com violação ao princípio da separação dos Poderes, insculpido no artigo 5º da Constituição Paulista, eis que caberia ao Prefeito a proposição relativa às matérias versadas (instalação de valetas em bens municipais e solução técnica para o escoamento de águas pluviais e ou servidas).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 26).

O Presidente da Câmara Municipal, regularmente notificado (fls. 28 e 38), não se manifestou sobre a lei impugnada. .

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 35/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

Verifica-se na hipótese em exame a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art.5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art.2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Exatamente esta é a hipótese dos autos.

Na Lei Municipal nº 11.064, de 20 de dezembro de 2006, a pretexto de legislar, a Câmara Municipal editou verdadeiro ato de gestão administrativa: (a) ao proibir a instalação de valetas de quaisquer espécies em cruzamentos de ruas e avenidas do Município (art. 1º); (b) ao tornar obrigatória a utilização de tubos subterrâneos para o escoamento de águas pluviais e ou servidas.

Não só dispensável, como inviável se mostra a deliberação legislativa nessa matéria, mormente quando verificado que a iniciativa para a edição da lei partiu de parlamentar. Aquilo que a regra determina para a Administração Pública é algo que se encontra, precisamente, no âmbito da atividade executiva.

Cabe à Administração estabelecer, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade se valetas devem ou não ser instaladas em logradouros públicos ou se tubos subterrâneos são a melhor solução para o escoamento das águas nas vias municipais.

Em situações análogas esse E. Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade do ato normativo por quebra do princípio de separação de poderes.

É o que se infere dos julgados a seguir transcritos, mutatis mutandis aplicáveis ao caso em exame:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).

 

 “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 9857/2007, de São José do Rio Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a pintura, na cor amarela, dos postes em que afixados radares controladores de velocidade. Impossibilidade. Planejamento urbano. Uso e ocupação do solo. Afronta ao princípio da separação de poderes. Matéria de cunho eminentemente administrativo. Lei dispôs sobre situação concreta, concernente à organização administrativa. Inexistência, ademais, de indicação dos recursos orçamentários para implantação da medida. Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da norma.” (ADI 153.649-0/3-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 12.03.2008, v.u.).

Acrescente-se que em casos análogos, esse Colendo Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade da norma com fundamento no art. 25 da Constituição do Estado. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 11.064, de 20 de dezembro de 2006, do Município de Ribeirão Preto.

São Paulo, 13 de outubro de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp