Autos n. 164.820.0/0-00
Autor: Prefeito
Municipal de Tietê
Objeto de impugnação: Lei n. 2.940, de 10
de março de 2008, do Município de Tietê
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
Cuida-se
de ação proposta pelo Prefeito Municipal de Tietê na qual se questiona a
validade jurídico-constitucional da Lei n. 2.940, de 10 de março de 2008, que
é derivada de projeto de lei de iniciativa parlamentar, em face de diversos
dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo (5º, 25, 37, 47, 144 e 176).
A liminar foi deferida pelo
Nobre Desembargador Relator, Dr. Luiz Carlos Ribeiro dos Santos, conforme se vê
da R. Decisão de fls. 96/98.
Citado para os fins do § 2.º
do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral do Estado defendeu a
exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata
à existência de interesse estadual na preservação do texto normativo impugnado,
ausente neste caso (fls. 108/110).
Nas suas informações, o
Presidente da Câmara de Vereadores de Tietê se posicionou contra o pedido
formulado na inicial (fls. 112/114), aduzindo que não houve qualquer ofensa ao
texto da Lei Maior paulista.
É o breve relato.
A presente ação direta é procedente.
Vejamos.
A
lei editada pela Câmara de Vereadores de Tietê, cujo teor encontra-se
reproduzido a fls. 27, dispõe sobre a proibição do comércio de produtos de
limpeza, desinfecção e conservação de ambientes em embalagens não condizentes,
sem registro e rótulo aprovados no Ministério da Saúde, especificação do
produto e técnico responsável.
Além disso, a lei municipal
impugnada determina, em seu art. 2º, que o Poder Executivo Municipal
regulamente a lei e que sejam previstas sanções e multas.
Argumenta o autor da ação que há
interferência na administração municipal, de tal forma que há vício de
iniciativa, pois leis que tratam da organização administrativa no âmbito
municipal são de iniciativa exclusiva do Prefeito Municipal.
De fato, a Lei Municipal n.
2.940, de 10 de março de 2008, é verticalmente incompatível com a regra da
iniciativa reservada e com o princípio da independência e harmonia entre os
Poderes.
Apenas o Prefeito Municipal tem
iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o
conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de
indevida interferência de um Poder sobre o outro.
A Constituição Estadual estabelece, em
seu art. 5º, que:
São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si,
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Por sua vez, o art. 47, II, da Carta
Constitucional paulista veicula princípio de observância obrigatória aos
municípios:
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições
previstas nesta Constituição (...) exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da administração estadual (...).
As normas que tratam da
reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção,
refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de
poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo
legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada
mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo
órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre
esses mesmos órgãos[1].
Ao Poder Legislativo,
como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no
Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem
na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste
campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'),
participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição,
apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração
ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais,
diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Para Hely Lopes Meirelles[2],
após dizer que “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do
prefeito”:
“A atribuição típica e
predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do
Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A
Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração.
Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução.
Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente,
preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas
locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e
aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação
governamental do Executivo, personalizado no prefeito.
Eis aí a distinção
marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o
Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o
Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos
e concretos de administração”.
A lei sindicada na
presente ação, de iniciativa parlamentar, não contém proposição geral e
abstrata e, bem analisada, representa ingerência nas prerrogativas do Prefeito
Municipal ao vincular, de forma ilegal, a iniciativa do Prefeito e de Órgãos da
Administração Pública Municipal.
Ocorre que a Câmara Municipal
editou norma que invade a competência da União e dos Estados, por se referir à
Vigilância Sanitária, bem como obrigou o Prefeito Municipal a regulamentar a lei
pra prever sanções e multas.
Assim,
à vista do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5º),
a Câmara não está autorizada a apresentar projeto de lei que é de iniciativa
reservada ao Prefeito, nos termos do disposto nos arts. 24 e 47 da
Constituição Paulista, pois compete privativamente ao Prefeito Municipal exercer
a direção superior da administração municipal.
Em tais circunstâncias,
aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim
de que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 2.940, de 10 de
março de 2008, do município de Tietê,
caracterizada por vício formal de iniciativa legislativa, decorrente da
infringência do princípio da independência e separação dos poderes.
São
Paulo, 4 de agosto de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça