Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 164.946-0/4-00

Requerente: Prefeito do Município de Taquaritinga

Objeto: artigos 2º, 3º e 4º da Lei Municipal nº 3.630, de 11.6.07.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Taquaritinga, tendo por objeto os artigos 2º., 3º. e 4º. da Lei Municipal n. 3.630, de 11 de junho de 2007, que “obriga as instituições bancárias do Município de Taquaritinga a oferecer manutenção de segurança através de pessoal especializado, até às 22:00 h, nos terminais eletrônicos”.

Sustenta o Alcaide que o projeto que antecedeu à norma teve sua origem no Poder Legislativo e que, derrubado o veto, transformou-se em lei que afronta o disposto nos artigos 5º., 24, § 2º, n. 2, 47, II e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Traz à colação a ementa da ADIN n. 104.491.0-8/00, julgada procedente, que foi ajuizada pelo Prefeito do Município de Ribeirão Preto em face de norma análoga a esta contra a qual se insurge.

Pela Decisão de fls. 24/v foi deferida a liminar pleiteada, suspendendo-se a vigência e eficácia dos art. 2º., 3º. e 4º. da Lei Municipal n. 3.630, de 11 de junho de 2007, de Taquaritinga, porque “presentes os requisitos necessários, notadamente o argumento de relevância consistente em ofensa ao princípio da reserva de iniciativa para legislar sobre a matéria que interfere na atividade do Poder Executivo”.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 33/35).

O Presidente da Câmara Municipal de Taquaritinga defendeu a constitucionalidade da norma, afirmando que ela consulta ao interesse público. Admite que o artigo 3º. careceria de alteração ou exclusão, por tratar da aplicação de multa, que é matéria afeta ao Poder Executivo. Insurge-se contra a liminar concedida, sem observância do contraditório. Pede a procedência parcial, com a “exclusão da multa diária” instituída pelo art. 3º. da lei em análise (fls. 38/41).

É o relatório.

2) Fundamentação.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes[1].

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República[2], conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo caso, há um único titular.

A lei impugnada originou-se de projeto de autoria do vereador Alexandre Marin Nunes da Silva (fls. 15), o que se constitui clara ofensa à Constituição, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta), como a imposição de multas e cassação dos alvarás (art. 3º da lei em análise).   

 Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes.

Como já proclamou esse Egrégio Plenário:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos.  Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Sobre a matéria, Hely Lopes Meireles nos alerta: “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[3].

Por fim, embora o pedido contido na inicial poupe os artigos 1º e 5º da declaração da inconstitucionalidade, entendo que estes não devem subsistir. A regra que emana do artigo 1º ficará desprovida de sanção, tornando-se absolutamente ineficaz. O art. 5º estabelece tão-somente o início da vigência da lei.

Observar-se-á que o artigo 1º não colide, diretamente, com a Constituição do Estado. Sua incompatibilidade é estabelecida com a Lei nº 7.102/83 (com a redação da Lei nº 9.017/95), que trata de segurança bancária.

A solução que se divisa para este caso é aquela encontrada no v. Acórdão da ADIN nº 104.491-0/8-00, relatado pelo Des. Passos de Freitas[4], que declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 7.534/96, do Município de Ribeirão Preto, que tornava “obrigatória a manutenção de guardas de segurança pelas instituições financeiras junto aos caixas eletrônicos dos estabelecimentos bancários”. Nesse julgado, o artigo equivalente foi extirpado, “não obstante a impossibilidade de confronto direto com a Constituição Federal (art. 125, § 2º)”, sob o fundamento de que era conexo com os demais dispositivos.

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.630, de 11.6.07, do Município de Taquaritinga.

São Paulo, 18 de agosto de 2008.

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

/jesp



[1] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 675.

[2] Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641.

[3] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.

[4] O julgado tem a seguinte Ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.534, de l°/ll/96, que torna obrigatória a manutenção de guardas de segurança pelas instituições financeiras junto aos caixas eletrônicos dos estabelecimentos bancários no município de Ribeirão Preto, o qual deverá exercer a fiscalização e impor no caso de infração multas.Legislação gestada na Câmara de Vereadores.

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei que atribui competência a órgãos da administração. Inadmissibilidade. Ao chefe do Executivo cabe a incitava das leis que interfiram na estruturação interna daquele Poder e que impliquem no aumento de despesa. Procedência da ação. Ação direta de inconstitucionalidade.

Confronto de lei municipal com a Constituição Federal. Por conexo com os demais dispositivos, deve ser o artigo que afronta a lei federal eliminado.