Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 164.947.0/9-00

Requerente: Prefeito Municipal de Florínea/SP

 

Objeto: Lei nº 7, de 21 de março de 1996, do Município de Florínea

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Florínea, tendo por objeto a Lei nº 7, de 21 de março de 1996, que “dispõe sobre complemento pecuniário aos aposentados e pensionistas do INSS”.

Sustenta o autor que a lei em questão foi promulgada em 1996 e determina a complementação mensal de 1 (um) salário mínimo aos proventos dos funcionários públicos municipais, aposentados e pensionistas do INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social, inclusive do 13º. salário. Vislumbra afronta aos artigos 167, II, e 169 da Constituição Federal e às leis complementar nº 101/00 e ordinária 9.717/98. Formulou pedido liminar para a suspensão da eficácia da norma impugnada.

A inicial está instruída com o texto legal (fls. 32).

O pedido liminar foi indeferido pela r. Decisão de fls. 109/111.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 121/123).

O Presidente da Câmara Municipal suscitou preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, observando que a lei municipal está sendo contestada em face da Constituição Federal e de normas infraconstitucionais. No mérito, ressaltou que a iniciativa da lei coube ao Prefeito e que, desde a sua promulgação, o Município faz previsão orçamentária para fazer frente à despesa decorrente da aplicação da norma (fls. 125/175).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

2) Preliminar.

De início, cabe dizer que em ação direta de inconstitucionalidade não é possível a análise da lei municipal em face das leis complementar nº 101/00 e ordinária 9.717/98, mencionadas na inicial, ou mesmo da Constituição Federal. Nesta sede, o único parâmetro admitido para confronto é a Constituição Estadual, conforme dispõe o art. 125, § 2º. da Constituição Federal, bem como o art. 90 da Carta Bandeirante.

No entanto, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, é possível reconhecer a inconstitucionalidade da norma questionada ao se constatar sua contrariedade com princípios da Carta Política de observância obrigatória pelos Estados-membros.

É o que recomenda o caso presente.

Ao sintetizar os princípios ligados ao controle da constitucionalidade, Alfredo Buzaid[1] afirma que “o tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei, salvo em litígio regularmente submetido ao seu conhecimento”.

Instaurada a relação processual do controle concentrado, nada impede que esse Órgão Especial julgue procedente a presente ação por causa de pedir diversa da exposta na inicial.

No julgamento da ADI n. 2.396/MS[2], a Ministra Ellen Gracie afirmou ser possível “pelos fatos narrados na inicial, verificar[-se] a ocorrência de agressão a outros dispositivos constitucionais que não os indicados na inicial”.

Aliás, no julgamento da ADI-MC n. 2396/MS[3], o Pleno do Supremo, em acórdão relatado pela mesma magistrada, foi mais incisivo: “O Tribunal não está adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial”.

Fica, destarte, aberta a possibilidade de se aferir a constitucionalidade da lei em análise em face de qualquer dispositivo da Carta Bandeirante, ainda que o autor da ação não os tenha indicado expressamente.

E, in casu, a lei impugnada é flagrantemente incompatível com princípios constitucionais de observância obrigatória (art. 144, CE) a que se subordina o Município, como se verá adiante.

Por esse só motivo, a preliminar suscitada não deve ser acolhida.

 

3) Mérito.

A ação direta deve ser julgada procedente.

A lei impugnada criou o benefício da complementação de aposentadorias e pensões para aposentados e pensionistas do serviço público municipal e, desse modo, violou frontalmente os artigos 111, 144 e 218 da Constituição do Estado de São Paulo; e, em função da remissão do art.144 da Constituição Paulista, também se mostram verticalmente incompatíveis com o art.194, VI, e com o art. 195, § 5º, da CR/88.

Isso porque: (a) o benefício previdenciário foi criado sem a correspondente fonte de custeio total; (b) não há diversidade na sua base de financiamento; e (c) trata-se de criação de benefício sem que se atenda efetivamente ao princípio do interesse público e às exigências do serviço.

Esse Sodalício tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que criaram benefícios similares sem a correspondente fonte de custeio total, conforme julgados cujas ementas são transcritas a seguir:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 1703, de 10 de dezembro de 1990, que ‘dispõe sobre complementação de aposentadoria e pensão de servidores aposentados por tempo de serviço ou idade, das pensionistas viúvas de ex-servidores aposentados ou falecidos enquanto na ativa e dá outras providências’. Criação de previdência complementar sem a definição de sua fonte de custeio integral. Vulneração aos art. 144 e 218 da Constituição Estadual, pela ausência de estrita observância ao disposto no art. 195 § 5º, da Constituição Federal. Pedido julgado procedente” (TJSP, ADI 153.965-0/5, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 26.03.2008, v.u.).

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº2969/93, do Município de Birigui, que dispõe sobre a denúncia de convênio firmado entre a Câmara Municipal de Birigui e o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e dá outras providências correlatas. Ofensa aos art.s 111, 144 e 218 da Carta Paulista. Necessidade de prévia e correspondente fonte de custeio para a criação, majoração ou extensão de benefício previdenciário. Inobservância do princípio da impessoalidade, diante da obtenção de vantagens de um grupo minoritário. Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI, rel. des. Pentado Navarro, j. 20.02.2008, v.u.).

 

4) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 7, de 21 de março de 1996, que “dispõe sobre complemento pecuniário aos aposentados e pensionistas do INSS”.

Considerando que a lei vergastada revogou expressamente a Lei nº 03/91 (reproduzida nos autos), que padecia do mesmo vício, convém, diante do efeito repristinatório, que se declare no v. Acórdão a inconstitucionalidade dessa outra norma.

 

São Paulo, 18 de setembro de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp



[1] Da ação direta, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 22.

[2] Julgamento do Pleno do STF em 08/05/2003. Publicação: DJ de 1/8/2003, p. 100.

[3] Publicação: DJ de 14/12/2001, p. 23.