Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 165.088.0/5-00

Autor: Prefeito Municipal de Sertãozinho

Objeto de impugnação: §§ 6º, 7º e 8º do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 209, de 22 de abril de 2008

 

 

 

Ementa: 1) §§ 6º, 7º e 8º do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 209, de 22 de abril de 2008, de Sertãozinho; 2) Projeto de lei de iniciativa do Executivo; 3) Dispositivos legais acrescidos em virtude de emendas parlamentares; 4) Disciplina de matéria de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal; 5) Violação ao princípio da harmonia e separação de poderes (CE, art. 5º); 6) Violação ao art. 24 § 2º n.2, da Constituição do Estado, aplicável ao caso pelo princípio da simetria; 7) Parecer pela inconstitucionalidade dos dispositivos legais acrescidos.

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

 

                   Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Sertãozinho, na qual se questiona a validade jurídico-constitucional dos §§ 6º, 7º e 8º do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 209, de 22 de abril de 2008, inseridos por força de emenda parlamentar ao projeto de lei de iniciativa do prefeito municipal.

                  

                   Citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação do texto normativo impugnado, ausente neste caso (fls. 100/102).

 

                   Nas suas informações, o Presidente da Câmara de Vereadores se posicionou contra o pedido formulado na inicial (fls. 105/109), aduzindo que não houve qualquer ofensa ao texto da Lei Maior paulista.

 

                   É o breve relato.

                  

                   A presente ação direta é procedente.

 

                   A Lei Complementar Municipal n. 209, de 22 de abril de 2008, decorreu de projeto legislativo iniciado pelo Chefe do Poder Executivo, tendo por objetivo criar o abono de assiduidade aos servidores públicos municipais.

 

                   Por força de emenda parlamentar, foram acrescentados os parágrafos 6º, 7º e 8º ao art. 1º da mencionada lei, dispondo, respectivamente, o seguinte:

 

§ 6º - O abono assiduidade ao servidor em estágio probatório, poderá, a critério da Administração Municipal, ser pago em sua totalidade no momento da aquisição da estabilidade;

§ 7º - O servidor efetivo que estiver no exercício de cargo em comissão ou de confiança, receberá o abono com valor equivalente a 50% do padrão de vencimento do seu cargo de origem da sua nomeação;

§ 8º - Terá direito ao abono assiduidade o servidor efetivo licenciado em virtude de acidente de trabalho.

 

                   Os dispositivos legais questionados, de fato, são verticalmente incompatíveis com a regra da iniciativa reservada e com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

 

                   Dispõe o art. 24, § 2º, I, da Constituição do Estado de São Paulo que:

             Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

             § 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

             1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;”

 

                   Na organização político-administrativa brasileira, o governo municipal apresenta funções divididas. O Prefeito é o responsável pela função administrativa, que compreende, dentre outras coisas, o planejamento, a organização e a direção de serviços públicos, enquanto que a função básica da Câmara é a legislativa, ou seja, a edição de normas gerais e abstratas de conduta, que devem pautar toda atuação administrativa. 

 

                   Como essas atribuições foram preestabelecidas pela Constituição, de modo a prevenir conflitos, qualquer tentativa de um Poder de exercer as atribuições de outro Poder tipifica nítida violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

 

                   Ao emendar o projeto legislativo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, para incluir dispositivos legais que disciplinam o regime de pagamento de gratificação aos servidores públicos municipais, a Câmara de Vereadores invadiu a esfera de atribuições próprias do Poder Executivo, donde caracterizada a violação do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

 

                   Ora, à vista do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5º), a Câmara não está autorizada a legislar sobre o regime de remuneração dos servidores municipais.

 

                   Assim, por força da emenda parlamentar, desfigurou-se o projeto do Executivo, violando-se a regra da iniciativa reservada do Prefeito, nos termos do disposto no art. 24, § 2º, “1”, da Constituição Paulista.           

 

                   Em tais circunstâncias, aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade formal dos §§ 6º, 7º e 8º do art. 1º da Lei Complementar Municipal n. 209, de 22 de abril de 2008.

 

São Paulo, 25 de novembro de 2008.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça