Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 165.259-0/6-00

Requerente: Prefeito Municipal de Cosmorama

Requerida: Câmara Municipal de Cosmorama

 

 

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.213/08, do Município de Cosmorama, de iniciativa parlamentar, que autoriza o Poder Executivo a conceder abono de assiduidade de 02 (dois) dias de afastamento remunerado ao servidor público que não registrar faltas a cada trimestre. Violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 25, Constituição do Estado de São Paulo. Cláusula de iniciativa legislativa reservada que projeta em regra o princípio da separação dos poderes. A disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos, nela encerrada matéria pertinente a benefícios ao funcionalismo público, traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo.

 

 

 

Egrégio Tribunal,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.           Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.213, de 15 de fevereiro de 2008, do Município de Cosmorama, de iniciativa parlamentar, que autoriza o Poder Executivo a conceder abono de assiduidade de 02 (dois) dias de afastamento remunerado ao servidor público que não registrar faltas a cada trimestre, alegando violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 25, da Constituição do Estado de São Paulo (fls. 02/17). Concedida liminar (fls. 27/28), após as informações ressaltando, em síntese, que a lei confere discricionariedade ao Poder Executivo (fls. 33/35), a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse (fls. 40/42).

 

2.           A ação merece ser julgada procedente para declaração de inconstitucionalidade integral da lei local impugnada.

 

3.           Conquanto argumentado que se cuida de mera autorização sujeita à discricionariedade do Poder Executivo, a lei local disciplina matéria cuja iniciativa legislativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, que, em essência, projeta em regra o princípio da separação dos poderes constante do art. 5º da Carta Bandeirante, disposições aplicáveis no âmbito municipal por obra de seu art. 144.

 

4.           Destarte, coberta de razão a assertiva lançada na petição inicial, frisando que “a disciplina normativa pertinente ao regime jurídico dos servidores públicos, nela encerrada matéria pertinente a benefícios ao funcionalismo público, traduz matéria que se insere, por efeito de sua natureza mesma, na esfera de exclusiva iniciativa do Chefe do Poder Executivo” (fls. 06/07), o que é respaldado por cediça jurisprudência da Suprema Corte:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.065, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1999, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, QUE DÁ NOVA REDAÇÃO À LEI 4.861, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1993. ART. 4º E TABELA X QUE ALTERAM OS VALORES DOS VENCIMENTOS DE CARGOS DO QUADRO PERMANENTE DO PESSOAL DA POLÍCIA CIVIL. INADMISSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL RECONHECIDA. OFENSA AO ART. 61, § 1º, II, A e C, da CF. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SIMETRIA. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - É da iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. II - Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio simetria. III - Ação julgada procedente” (STF, ADI 2.192-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 04-06-2008, v.u.).

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJ 06-09-2007, p. 36).

 

5.           O outro fundamento da inicial também justifica a procedência do pedido. A regra do art. 25 da Constituição do Estado, incidente por força do art. 144 da Carta Magna Bandeirante, é fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal. Exige que projeto de lei contenha previsão de recursos disponíveis para atendimento de novos encargos quando implique criação ou aumento de despesa pública. No caso, é intuitivo que do benefício criado serão geradas despesas no plano do funcionalismo público municipal e a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão.

 

6.           Opino pela procedência da ação.

 

             São Paulo, 23 de julho de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça