Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 165.260-0/0-00

Requerente: Prefeito Municipal de Cosmorama

Objeto: Lei Municipal nº 2.278, de 2.05.2008, do Município de Cosmorama

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Cosmorama, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 2.278, de 2 de maio de 2008, que “dispõe sobre a escolha dos membros do Conselho Tutelar, fixando remuneração, regulamentando perda do mandado e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado na Casa de Leis e a norma foi promulgada.

Segundo a inicial, o Município de Cosmorama já possui leis que regulam satisfatoriamente a matéria (Leis Municipais n. 1.465/92 e 1.501/92). A lei questionada traria embaraços à Administração e ofenderia aos artigos 5º e 24, § 2º, incisos 1, 2 e 4 e artigo 25, da Constituição Estadual, que atribuem ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre criação de secretarias, órgãos da administração direta, cargos, funções ou empregos públicos, a fixação da respectiva remuneração e sobre servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 59/64).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 69/72, em defesa da lei impugnada. Afirmou que a lei estabelece o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar por eleições diretas em substituição ao sistema de indicação pelas entidades para homologação do Poder Executivo, estando, assim, inspirada no princípio democrático. Insiste que a lei não cria despesas, porque a remuneração dos integrantes do Conselho Tutelar não foi alterada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 78/80).

2) Fundamentação.

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes[1].

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República[2], conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.

A lei impugnada originou-se de projeto de autoria do vereador Antonio Carlos Marques (fls. 21), o que se constitui clara ofensa à Constituição, pois somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que a lei em análise impõe à Administração os seguintes ônus: a indicação dos locais para a realização da propaganda dos candidatos ao Conselho (art. 12); a remuneração dos conselheiros (art. 20); a cessão de local destinado à instalação da sede do Conselho (art. 22); a realização do processo administrativo para o afastamento e cassação do mandato (art. 27, § 1º), entre outros.

Invadiu-se claramente a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos.  Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[3].

E não é só.

Por mais louvável que tenha sido a intenção do Vereador que concebeu o projeto de lei, não poderia editar normas sobre atribuições do Ministério Público, como aquelas que se encontram nos artigos 6º ao 8º.

Na ordem constitucional vigente, os Municípios integram a federação e são dotados de autonomia política, legislativa, administrativa e financeira, atendidos os princípios estabelecidos na Carta Magna e também na Constituição do respectivo Estado (CF., art. 29, “caput”). A autonomia legislativa é representada pela capacidade de elaborar leis sobre os assuntos de interesse local (CF., art. 30, inciso I) e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (CF., art. 30, inciso II).

Os dispositivos em comento, no entanto, não tratam de matéria de interesse local, pois, a toda evidência, não é dado à Municipalidade ditar atribuições de um órgão do Estado. Atentam, destarte, contra a autonomia do Ministério Público, sendo também por tal aspecto inconstitucionais.

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 2.278, de 2 de maio de 2008, do Município de Cosmorama.

São Paulo, 18 de agosto de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

/jesp



[1] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 675.

[2] Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 641.

[3] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.