Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos
nº165.423-0/5-00
Autor:
Prefeito Municipal de Tietê
Objeto:
Lei Municipal nº2954, de 12 de maio de 2008, de Tietê
Ementa: 1)Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Vedação de uso de vias
públicas para “montagem, instalação e estruturação de parques, circos e
congêneres”. 2)Ausência de reserva de iniciativa do Chefe do Executivo. Matéria de
direito estrito. Interpretação restritiva. Precedente do E. STF. 3)Não ocorrência de violação ao interesse público, ou seja, ao
princípio da razoabilidade. Existência de local próprio, no município
(“Centro de Lazer”) para montagem, instalação e estruturação de parques,
circos e congêneres. 4)Lei que não cria, nem mesmo indiretamente, despesas para o poder
público. Inaplicabilidade da vedação contida no art.25 da Constituição
Paulista. 5)Parecer no sentido da improcedência
da ação direta. |
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Relator
1)Relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Senhor Prefeito Municipal de Tietê, tendo como alvo a Lei Municipal
nº2954, de 12 de maio de 2008, daquela cidade, sob a alegação de que: (a) há
vício de iniciativa; (b) a lei é contrária ao interesse público; (c) houve
criação de despesas sem indicação da fonte dos recursos necessários para
enfrentá-las.
Foi deferida a liminar, determinando-se
a suspensão do ato normativo (fls.87/v).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do
Estado declinou da defesa do ato normativo (fls.96/98).
A Presidência da Câmara Municipal
prestou informações (fls.100/102).
É a síntese do que consta dos autos.
2)Fundamentação.
A Lei Municipal nº2954, de 12 de maio de 2008, de
Tietê, fruto de iniciativa parlamentar, que, conforme respectiva rubrica, “Proíbe, no Município de Tietê, a montagem,
instalação e estruturação de parques, circos e congêneres, na via pública
urbana”, tem a seguinte redação:
“Artigo 1º. Fica proibida, no Município de Tietê, a montagem, instalação e estruturação de parques, circos e congêneres, na via pública urbana.
Artigo 2º. O descumprimento ao disposto nesta lei implicará em multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), dobrando na reincidência, com a posterior cassação da licença de funcionamento, sem prejuízos de outras penalidades previstas em lei.
Parágrafo único. Caberá a regulamentação dispor a respeito do reajuste da multa aplicada.
Artigo 3º. As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Artigo 4º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Diversamente do que sustenta o autor, o ato normativo
impugnado não apresenta vertical incompatibilidade com o ordenamento
constitucional, devendo ser julgada improcedente
a ação direta.
Por primeiro, cumpre salientar que não
se trata de hipótese de iniciativa reservada, devendo ser rejeitada a alegação
de vício de iniciativa.
Em sede de iniciativa no processo
legislativo, é necessário ter presente que, em nosso sistema, a regra é a
iniciativa comum, e a exceção a iniciativa reservada. Sendo esta – iniciativa -
matéria de direito estrito, deve, em função disso, ser interpretada restritivamente.
Tal entendimento já foi pacificado pelo
E. STF (MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de
7-12-06).
Na Constituição Paulista, as matérias
que são objeto de iniciativa reservada do Chefe do Executivo são aquelas
indicadas no art.24 §2º, que reproduz quase que integralmente o disposto no
art.61§1º da CR/88.
Entre as cláusulas de iniciativa
reservada não há nenhuma referência à regulamentação das posturas municipais,
matéria da qual tratou o diploma em exame, ao vedar “a montagem, instalação e
estruturação de parques, circos e congêneres, na via pública urbana.” (cf.
art.1º da Lei Municipal nº2954/2008 de Tietê).
Dar à regra de reserva de iniciativa
(art.24 §2º da Constituição Paulista; art.61 §1º da CR/88) extensão maior do
que ela tem, significaria contrariar seu sentido e vigência.
Referido argumento, assim, é
insubsistente para sustentar o pedido de declaração de inconstitucionalidade.
De outro lado, alega o autor que o ato
normativo teria contrariado o interesse público, sendo, por conseguinte,
inconstitucional.
Interpretando a fundamentação contida
na inicial da presente ação direta, nesse particular, pode-se concluir que a
alegação de violação do interesse público deve ser tida por afirmação de que
houve violação do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, cujo assento
encontra-se no art.111 da Constituição Paulista.
Com a devida vênia, não nos parece
assistir razão ao requerente.
O eventual reconhecimento da
razoabilidade como fundamento para a declaração da inconstitucionalidade do ato
normativo depende da afirmação, no caso concreto, de que: (a) a disposição legal
era desnecessária; (b) mostra-se inadequada às circunstâncias do caso concreto;
(c) ou então é desproporcional (no cotejo entre os fins pretendidos pelo
legislador e os meios para tanto utilizados, em excesso).
Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina
como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do
“teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou
administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14ªed.,
Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19ªed., São
Paulo, Atlas, 2006, p.95; Gilmar Ferreira Mendes, A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83.
Não
parece tenha ocorrido a violação do interesse público (rectius= razoabilidade) no caso concreto.
Ao contrário. Não foi pura e simplesmente
proibida de forma geral a montagem, instalação e estruturação de parques,
circos ou congêneres na cidade de Tietê. Essas condutas foram proibidas apenas
quando adotadas na via pública.
E é razoável que assim seja. Decorre do
que ordinariamente ocorre, e das máximas de experiência, a asserção de que as
vias públicas são destinadas ao tráfego de veículos e pessoas, e não à montagem
de parques, circos ou congêneres.
Aliás,
reforça a conclusão de que o ato normativo impugnado apresenta conformidade ao
princípio da razoabilidade a notícia contida nas informações prestadas pela
Presidência da Câmara Municipal de Tietê, em trecho que deve ser transcrito:
“(...) a cidade é dotada de um Centro de Lazer onde são realizados vários eventos com grande fluxo de pessoas e carros, como feira agropecuária, shows musicais, etc., portanto é o local apropriado para a montagem, instalação e estruturação de parques, circo e congêneres, com fácil acesso ao público, não havendo necessidade que sejam instalados nas ruas e calçadas da cidade, o que somente causa transtornos ao tráfego de veículos e pessoas, além de ocasionar danos que sempre devem ser reparados pelo erário (...)”, cf. fls.101, g.n..
É razoável mesmo que parques, circos e congêneres
sejam montados e funcionem em local apropriado, como um Centro de Lazer, e não
na via pública.
Isso demonstra que a lei impugnada não
ofende o interesse público, ou seja, o princípio da razoabilidade.
Também não se justificaria a declaração
de inconstitucionalidade da lei sob a alegação de que houve criação de despesas
sem indicação de fonte de receitas (art.25 da Constituição Paulista).
Não há no ato normativo em exame, nem
mesmo de forma indireta, qualquer preceito que sugira a criação de despesa para
o Poder Público.
Não se trata, finalmente, de legislação
de cunho urbanístico, como ocorre na hipótese da Lei do Plano Diretor, ou mesmo
de Leis de Zoneamento Urbano, em que, pela necessidade de planejamento, a
matéria se enquadra no conceito de gestão administrativa, ficando a cargo do
Chefe do Poder Executivo.
A lei disciplinou apenas aspecto
secundário, relativo à postura municipal quanto à preservação do uso de vias
públicas para sua destinação essencial.
Ademais, a Lei Municipal nº2954/2008
trata de questão que se cinge ao conceito de interesse local, situando-se na
esfera de competência do legislador municipal (art.30 I da CR/88).
3)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação direta
de inconstitucionalidade, revogando-se a liminar.
São Paulo, 29 de agosto de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de Justiça
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça