Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 165.481-0/9

Requerente: Prefeito do Município de Tietê/SP

Objeto: art. 3º da Lei nº 2.941/07, do Município de Tietê

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Tietê, tendo por objeto o artigo 3º da Lei n.º 2.941/07, que “estabelece normas para a declaração de utilidade pública”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal. Insurge-se contra o artigo 3º, que atribui ônus à Administração e dispõe sobre situação concreta de atribuição exclusiva do Prefeito. Afirma que, embora tenha vetado esse dispositivo, o veto foi derrubado e a lei acabou sendo promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 86).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 101/102, em defesa do dispositivo impugnado. Afirmou que o artigo 3º não está eivado de inconstitucionalidade, “uma vez que apenas esclarece que as entidades beneficiadas pela declaração de utilidade pública deverão ter seus nomes e características inscritos no Departamento Jurídico da Prefeitura, em livro especial a esse fim destinado, pois mencionado departamento é quem analisa e emite pareceres sobre assuntos e questões relacionadas às entidades acima referidas no âmbito do Poder Executivo”.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 97/99).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

A lei impugnada trata dos requisitos para a declaração de utilidade pública de sociedades civis, associações e fundações constituídas no Município com finalidade filantrópica.

É de iniciativa do Poder Legislativo.

Nesse aspecto, a meu ver, está de acordo com a Constituição do Estado, atendendo, por simetria, ao que dispõe o artigo 24, § 1º, inciso IV:

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - Compete, exclusivamente, à Assembléia Legislativa a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação, incorporação, fusão e desmembramento de Municípios;

2 - regras de criação, organização e supressão de distritos nos Municípios.

3 – subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado, observado o que dispõem os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, da Constituição Federal.

4 - declaração de utilidade pública de entidades de direito privado."

No entanto, assiste razão ao Alcaide no tocante ao artigo 3º, que impõe ônus à Administração, qual seja, a inscrição em livro próprio do Departamento Jurídico das entidades declaradas de utilidade pública.

É que somente ao Chefe do Poder Executivo é dada a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

O dispositivo em análise, projetado por Vereador, invade claramente a seara da administração pública, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências normatizadas.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos.  Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Em suma, nada impede que, por projeto do Legislativo, se estabeleçam os requisitos para a declaração de utilidade pública. O que é defeso a esse Poder é definir qual o órgão da Administração deverá exercer o controle sobre o registro das declarações e a forma como deverá fazê-lo. E, sob tal prisma, o artigo 3º não resiste ao controle de constitucionalidade.

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 2.941/07, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[1].

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei nº 2.941/07, do Município de Tietê.

São Paulo, 5 de setembro de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

/jesp



[1] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.