Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 165.634-0/8-00

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.160, de 16 de maio de 2008, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 10.160, de 16 de maio de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a criação de espaço junto ao Serviço Municipal de Água e Esgoto ‘SEMAE’ para instalação de caixas para recebimento de débitos”. Matéria que demanda a iniciativa do Chefe do Poder Executivo, porque trata de prestação do serviço público e impõe ônus à Administração, além de criar despesa sem indicação da fonte. Afronta aos artigos 5º., 37 e 47, II, da CE, aplicáveis aos Municípios por força do artigo 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 10.160, de 16 de maio de 2008, do referido município, que “dispõe sobre a criação de espaço junto ao Serviço Municipal de Água e Esgoto ‘SEMAE’ para instalação de caixas para recebimento de débitos”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

O Alcaide afirma que a lei cria despesa para a Administração e, por isso, trata de matéria cuja iniciativa é reservada ao chefe do Poder Executivo. Vislumbra ofensa ao princípio da separação dos poderes. Aponta violação dos artigos 5º. e 25 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 31).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 35 e ss., prestando informações sobre o processo legislativo .

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 65).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

2) Fundamentação.

A Lei impugnada tem a seguinte redação:

LEI Nº 10.160

De 16 de maio de 2008

Dispõe sobre a criação de espaço junto ao Serviço Municipal de Água e Esgoto “SEMAE” para instalação de caixas para recebimento de débitos.

Ver. ADNEY SECCHES, Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, usando das atribuições que me são conferidas por Lei.

FAÇO SABER que a Câmara Municipal manteve e eu promulgo, nos termos do § 6º do artigo 44 da Lei Orgânica do Município, a seguinte Lei:

Art. 1º - Incumbe ao SEMAE a criação de espaço, junto ao Serviço Municipal de Água e Esgoto “SEMAE”, para instalação de caixas para recebimento de débitos.

Art. 2º - Os recebimentos que trata o artigo 1º referem-se especificamente a débitos do SEMAE.

Art. 3º - As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de verba orçamentária própria.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de São José do Rio Preto, 16 de maio de 2008.

Ver. ADNEY SECCHES

Presidente da Câmara

Deflui dos autos que a lei vergastada originou-se de projeto de autoria parlamentar. Após ser aprovado pela Câmara Municipal, o mesmo foi encaminhado ao Prefeito que o vetou. Porém, esse veto foi derrubado na Câmara Municipal e a promulgação foi levada a termo pelo Vereador-Presidente.

Ocorre que o gerenciamento da prestação de serviços públicos (aí incluídas as autarquias como o SEMAE) no município é da competência do Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para avaliar a conveniência e oportunidade da Administração Pública.  Assim sendo, por inserir vício de iniciativa, a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo.

Sob o aspecto prático, deve ser ressaltado que se o Legislativo produzir leis determinando a destinação de espaço na autarquia para a instalação de caixas de recebimento de débitos, está impondo ônus à Administração Pública e se imiscuindo na organização de serviço que não lhe diz respeito.

Nesse sentido é que a iniciativa legislativa, conquanto possa ter bons propósitos, não encontra sustentação na Constituição Estadual e nem na Carta Maior, pois invade seara própria do Executivo. Nesse particular, o ato normativo passou a impor obrigação à Administração Pública local, interferindo diretamente na gestão administrativa.

Considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47 incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual:

 

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário.” (MEIRELLES, Hely Lopes.. Direito municipal brasileiro. 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes.

Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos, na medida em que os dispositivos destacados acima imputaram providências concretas à Administração Municipal. Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:

 

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

 

Por último, oportuno observar que a adoção das providências descritas na lei, certamente traria despesas para o Erário, pois exige a destinação de espaço à instalação de caixas e medidas de manutenção e segurança desses locais.

Em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

Conclui-se, pois, pela afronta aos arts. 5º, art. 37 e art. 47 incisos II e XIV; e 144, da Constituição Bandeirante.

 

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.160, de 16 de maio de 2008, do Município de São José do Rio Preto.

São Paulo, 21 de novembro de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp