Autos n. 165.766.0/0-00
Autor: Prefeito Municipal de Americana
Objeto de
impugnação: Lei Municipal n. 4.575, de 26 de dezembro de 2007
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
A presente ação direta foi ajuizada para sindicar
a Lei Municipal n. 4.575, de 26 de dezembro de 2007, do município de Americana
que, em última análise, obriga os Supermercados, Hipermercados e
Estabelecimentos similares a terem empacotadores nos caixas.
Demonstrou-se,
na inicial, ser flagrante a inconstitucionalidade da mencionada lei, o que
culminou na decisão do Nobre Desembargador Relator Dr. CANGUÇU DE ALMEIDA, DE
FLS. 11/12, que deferiu a liminar e determinou a suspensão dos efeitos da lei
questionada na presente ação.
Registre-se
que o Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 28/32.
O
Procurador-Geral do Estado, por sua vez, defendeu a exegese segundo a qual a
sua intervenção nos feitos desta natureza não é obrigatória, mas sim
condicionada à verificação prévia da existência de interesse estadual na
preservação da norma impugnada (fls. 24/26).
É
o breve relatório.
O
pedido declaratório de inconstitucionalidade é procedente, pois a Câmara Municipal de Americana, ao legislar, acabou por invadir
o campo de competências da União.
Com efeito, ao exigir dos
hipermercados, supermercados e estabelecimentos similares, nas condições que
especifica, a presença de empacotadores, dita legislação acabou por invadir o
campo de competência legislativa da União, a quem cabe legislar sobre Direito
Comercial e do Trabalho (art. 22, I, da CF).
Sobre o tema, Alexandre de
Moraes afirma que “a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios consistente na autorização
de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua
execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde
que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente
federativo: interesse local”.[1]
É evidente que a exigência
para que tais empresas passem a contratar empacotadores não é um problema que
deva ser resolvido em um ou outro Município. É medida que pertine ao interesse
geral, cabendo somente à União legislar a respeito.
Além disso, a lei sindicada
na presente ação não trata de matéria relativa ao direito do consumidor, ainda
que reflexamente ele possa ser atingido.
Essa legislação, na verdade, está restringindo a livre iniciativa e a livre concorrência. Leciona José Afonso da Silva
que: “A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e
comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do art. 170,
como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único que assegura
a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei”.[2]
Com efeito, as atividades
econômicas atingidas pela legislação impugnada estarão em desvantagem em
relação a outros municípios que não adotaram idêntica exigência.
Sobre o tema, o C. Supremo
Tribunal Federal já teve oportunidade de examinar legislação semelhante do
Estado do Rio de Janeiro, e à época, em sede cautelar, decidiu:
“Argüição de
inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de
supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada
máquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali
efetuadas’ (Lei nº 1.914/91, do Rio de Janeiro).
Relevância da fundamentação
do pedido, deduzida perante os artigos 22, I e parágrafo único e 24, § 3º, da
Constituição Federal.
Perigo da demora
caracterizado pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de
descumprimento da obrigação.”[3]
Nem se diga se está adotando
como objeto paradigma, a Constituição Federal.
É que, nos termos do art.
144, da Carta Paulista, os municípios têm autonomia legislativa, mas ficam
compelidos a atender os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na
Constituição Estadual
Esse Colendo Órgão Especial
tem reiteradamente aplicado tal dispositivo como suporte exclusivo e necessário
para a eliminação de regras que hostilizam o texto fundamental federal.
Nesse sentido, caminhou
decisão relatada pelo eminente Desembargador Oliveira Ribeiro, em parte aqui
transcrita: “Além disso, é de se ver que em abono do propósito declaratório da
inconstitucionalidade do artigo discrepante, a Constituição do Estado de São
Paulo, sem repetir expressamente a fixação de ‘quorum’ de dois terços previsto
na Constituição da República, não deixou de especificar o seu entendimento no
sentido de impor observância desta exigência, fazendo-o com clareza posto que
de modo indireto.
Eis o texto do seu artigo
144: ‘Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e
financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.[4]
O mesmo posicionamento foi
adotado na decisão proferida por esse Colendo Colegiado, na Adin nº
108.578-0/4, em que foi relator o eminente Desembargador Denser de Sá, julgada
em 23/3/2005.
Em assim sendo, a lei
examinada é inconstitucional, por afronta aos arts. 1º e 144, da Constituição
Bandeirante como, aliás, já se decidiu, em situação idêntica, nos autos da Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 123.776-0/8.
Em tais circunstâncias, aguardo o
julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que
seja declarada a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.575, de 26 de
dezembro de 2007.
São Paulo, 3 de setembro de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA,
no exercício
de função delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 743
[2] Curso de Direito Constitucional Positivo, José Afonso da Silva, RT, 5ª ed., 1989, pp. 662/663
[3] Adin nº 669-0, Rio de Janeiro, Rel. Min. Octavio Gallotti, decisão de 20/3/1992.
[4] Adin nº 097.085-0/1-00, Rel. Des. Oliveira Ribeiro, j. 10/3/2004