Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo
Órgão Especial
Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 165.775-0/0-00
Requerente:
Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo
Requerida: Câmara
Municipal do Guarujá
“1. Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, que amplia a
gratuidade no transporte coletivo urbano aos idosos maiores de 60 (sessenta)
anos de idade.
2. É inadmissível o controle abstrato
de constitucionalidade de lei municipal por contraste a dispositivos da
Constituição Federal, da Lei Orgânica Municipal e de leis infraconstitucionais,
pois, como é sabido, o único parâmetro cabível é a Constituição Estadual.
3. Inconstitucionalidade reconhecida em
face da Constituição Estadual por violação ao princípio da separação de poderes
que reserva a iniciativa legislativa da matéria ao Chefe do Poder Executivo e
proíbe a edição de atos normativos desprovidos da indicação da fonte de
custeio”.
Egrégio Tribunal,
Colendo Órgão
Especial,
Douto Relator:
1. Trata-se de ação direta de
inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 3.594, de 16 de abril de 2008, do
Município do Guarujá, que institui gratuidade no transporte coletivo urbano
municipal aos usuários maiores de sessenta anos de idade, alegando
contrariedade aos arts. 2º, 230, § 2º, da Constituição Federal, aos arts. 5º,
25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual, aos arts.
3º, 10, 67, 78, 123, 132, 145, 148, 149, 259 da Lei Orgânica Municipal, ao art.
65, II, d, §§ 5º e 6º, da Lei n.
8.666/93, e ao art. 9º, § 4º, da Lei n. 8.987/95 (fls. 02/34).
2. Com liminar deferida (fl. 278) e
informações da Câmara Municipal com preliminar de inépcia da petição inicial
(fls. 297/307), a douta Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse no
processo (fls. 293/295).
3. A preliminar assacada pela Câmara
Municipal de inépcia da petição inicial não merece amparo no tocante à falta de
documentos indispensáveis à sua propositura porque a ação está instruída pelos
documentos legalmente exigidos.
4. Todavia, em parte a preliminar procede
sem, no entanto, implicar extinção do processo sem resolução do mérito.
5. Com efeito, é inadmissível o controle
abstrato de constitucionalidade de lei municipal por contraste a dispositivos
da Constituição Federal, da Lei Orgânica Municipal e de leis
infraconstitucionais, pois, como é sabido, o único parâmetro cabível é a
Constituição Estadual. Neste sentido:
“as ações diretas de
inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos
constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua
hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e
mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser
invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des.
Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).
6. Portanto, o pedido merece ser
examinado somente por contraste da lei local impugnada com os arts. 5º, 25, 47,
XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual.
7. A questão da inadequação da via
eleita, decorrente dessa preliminar, está superada pelo alegado divórcio da lei
local com os dispositivos da Constituição Estadual acima arrolados, pertencendo
ao meritum causae a análise de sua
efetiva violação ou não.
8. O ato normativo impugnado nesta ação
direta cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao assegurar
gratuidade no transporte coletivo urbano aos idosos maiores de sessenta anos.
9. Neste sentido, considerada a iniciativa
parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que
o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder
Executivo.
10. Ao Poder Legislativo cabe a função de
editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o
exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento,
direção, organização e execução.
11. Atos
que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem
ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que
representam quebra do equilíbrio assentado nos arts.5º, 37 e 47, II e XIV, da
Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu
art. 144.
12. Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely
Lopes Meirelles, anotando que:
“A Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo
o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e
concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as
normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos
Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara –
como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da
Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de
funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser
invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo:
Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e
Edgard Neves da Silva).
13. Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
14. Neste
sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:
“Ao executivo haverá de caber sempre o
exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá,
também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução
dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão
meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse
gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).
15. E nesta linha, verificando a
inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este
egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis
similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006;
ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00,
Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des.
Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro,
m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).
16. Por último, oportuno observar que a
implantação do transporte gratuito, nos termos previstos no dispositivo
impugnado, certamente traria despesas para o erário.
17. Em
casos similares esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às
despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI
38.977.0/0).
18. Opino pela procedência da ação.
São
Paulo, 01 de setembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça