Parecer
Processo nº 165.807-0/8-00
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio
Preto
Objeto: Lei n. 11.169, de 6 de junho de 2008, do Município
de São José do Rio Preto
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 11.169, de 6 de
junho de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a
limpeza de reservatórios e a análise de água e revoga a Lei n. 8.920/2003”.
Projeto de autoria de Vereador. Matéria, entretanto, que é reservada ao Chefe
do Poder Executivo, porque cria obrigações e despesas para a Administração.
Violação do princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da
Constituição do Estado. Criação de despesa sem indicação da receita. Ofensa aos
artigos 25 e 176, I, da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
1) Relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei n. 11.169, de 6 de junho de 2008, daquele município, que “dispõe sobre a limpeza de reservatórios e a análise de água e revoga a Lei n. 8.920/2003”.
Sustenta o Alcaide que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
Afirma-se a inconstitucionalidade formal da norma, por versar matéria cuja iniciativa de lei está reservada ao chefe do Poder Executivo, concluindo-se pela ofensa ao princípio da harmonia e independência dos poderes realçado no artigo 5º da Constituição Paulista. Fala-se, também, na contrariedade do art. 25 da CE, eis que o texto aprovado não contém indicação da fonte de custeio do novo encargo.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 43).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 48 e ss. acerca do processo legislativo.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 78/80).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
2) Fundamentação.
O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes[1].
O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República[2], conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.
A iniciativa é o ato que deflagra o processo legislativo. Pode ser geral ou reservada (ou privativa). No primeiro caso, vereador, Mesa, comissão da Câmara, prefeito ou a população podem titularizar o projeto. No segundo, há um único titular.
A lei impugnada originou-se de projeto de autoria de vereador, o que se constitui clara ofensa ao princípio constitucional da separação dos Poderes, vez que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo projetar a normatização destinada a organizar, superintender e dirigir os serviços públicos ou mesmo instituir programas, como o da espécie, que tem por escopo manter limpas as caixas “reservatório” de água que abastecem os estabelecimentos de ensino, de saúde e dos imóveis administrados pela Prefeitura e informar à população sobre a utilização de produtos para a limpeza de suas caixas “reservatório”.
Apreciando iniciativa análoga da comarca de Bauru, esse E. Tribunal de Justiça considerou inconstitucional lei concebida por Vereador que institui programa no âmbito daquele Município:
Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal que cria o programa de combate a desnutrição da criança pré-escolar e dá outras providências - Promulgação após o veto do Prefeito - Matéria referente à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - As regras da Constituição Federal sobre iniciativa reservada são de observância compulsória pelo Estado e pelos Municípios - Na espécie, prerrogativas exclusivas do Prefeito Municipal foram atingidas pela lei atacada, que interferiu na competência legislativa reservada ao Chefe do Executivo local, ao invadir a seara de organização, direção e contratação dos serviços e fornecimentos - Violação dos arts 5°. "caput", 24, § 2º, 1 e 2, e 144, da CE/89. Ação julgada procedente. (ADIn nº 152.536-0/0-00, Rel. Des. Henrique Nelson Calandra, j. 20 ago. 2008).
No caso em análise, é nítida a ofensa ao princípio basilar da separação de poderes, pois, na esteira do entendimento consolidado nesse Sodalício:
“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIn n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).
Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[3].
Também é forte o argumento contido na inicial de que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte e, destarte, colide com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.
3) Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 11.169, de 6 de junho de 2008, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a limpeza de reservatórios e a análise de água e revoga a Lei n. 8.920/2003”.
São Paulo, 17 de novembro de 2008.
Maurício Augusto
Gomes
Procurador de
Justiça
no exercício de
função delegada
pelo Procurador-Geral
de Justiça
jesp