Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº165.817.0/3-00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº10.170, de 06 de junho de 2008, de São José do Rio Preto.

 

Ementa:

1)Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Determinação de fixação de tabelas de preços e isenções pelos cemitérios do Município. Iniciativa parlamentar.

2)Violação da separação de poderes. Atividade tipicamente administrativa. Interferência legislativa na gestão administrativa, que envolve planejamento, fixação de diretrizes, execução e fiscalização (art.5º, art.47 II e XIV, art.144 da Constituição do Estado).

3)Criação de despesas sem indicação da fonte de receita (art.25 da Constituição do Estado).

4)Inconstitucionalidade reconhecida

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

1)Relatório.

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº10.170, de 06 de junho de 2008, daquela cidade, sob o fundamento de que: (a) o diploma cria despesas sem indicação da fonte de receita; (b) houve violação ao princípio da separação de poderes.

 

         A liminar foi deferida, determinando a suspensão do ato normativo (fls.30/33).

 

         A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.39/40).

 

         Citado (fls.59), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls.62/64).

 

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

 

2)Fundamentação.

 

         A Lei Municipal nº10.170, de 06 de junho de 2008, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a fixação de tabelas de preços e isenções, em local bem visível, pelos cemitérios do Municípios, para conhecimento dos interessados”, tem a seguinte redação:

 

 “Art.1º. Os cemitérios de São José do Rio Preto deverão afixarem (sic) tabelas de preços e isenções, em lugar visível para conhecimento de todos os interessados.

 

Art.2º. As despesas com a execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias.

 

Art.3º. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir de sua publicação.”

 

         Como se verifica, por iniciativa parlamentar foi editada lei que regula diretamente questão que diz respeito à gestão administrativa, na medida em que a atividade da qual trata o diploma enquadra-se no conceito de serviço público.

 

         Nesse sentido, pondera Hely Lopes Meirelles que “o serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios. As três primeiras podem ser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares que se proponham executá-las mediante concessão ou permissão, como pode o Município realizá-las por suas repartições, autarquias ou entidades paraestatais.” (Direito Municipal Brasileiro, 6ªed., São Paulo, Malheiros, 1993, 328). No mesmo sentido: José Nilo de Castro, Direito Municipal Positivo, 6ªed., Belo Horizonte, Del Rey, 2006, 314.

 

         Assim, referido ato normativo apresenta vertical incompatibilidade com nossa sistemática constitucional.

 

         Não nos pareceria correto afirmar que na hipótese examinada nestes autos a iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo.

 

         As matérias cuja iniciativa legislativa cabe apenas ao Executivo são expressamente previstas no art.24 da Constituição Paulista, entre as quais não se encontra aquela tratada no ato normativo aqui examinado.

 

         Ademais, já pacificou o E. STF o entendimento de que as hipóteses de iniciativa reservada, referindo-se a direito estrito, devem ser interpretadas restritivamente (Nesse sentido, v.g.: MS 22.690, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-4-97, DJ de 7-12-06).

 

         Entretanto, no caso ora analisado houve violação do princípio da separação de poderes (art.5º, art.47 II e XIV, c.c. o art.144 da Constituição Paulista).

 

         É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

 

         O legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, limitando o exercício, por parte do Chefe do Executivo, da regular administração do Município.

 

            Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

 

          Determinar que tipo de tabela deverá ser afixada em sede de serviço público, em que local, com quais informações, etc., é algo que cabe ao administrador dizer, não ao legislador.

 

            Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

            Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

 

         Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; entre outros.

 

         Não bastasse o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

 

 3)Conclusão.

 

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº10.170, de 06 de junho de 2008, de São José do Rio Preto.

 

São Paulo, 22 de agosto de 2008.

 

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça