Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 166.200.0/5-00

Autor: Prefeito Municipal de Santa Mercedes

Objeto de impugnação: § 6º do art. 127 e § 3º do art. 128, ambos da Lei Orgânica Municipal, promulgada em 4 de abril de 1990

 

 

 

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

 

O Município de Santa Mercedes ajuizou a presente ação pleiteando a declaração de inconstitucionalidade do § 6º do art. 127 e do § 3º do art. 128, ambos da Lei Orgânica Municipal.

Os dispositivos legais impugnados estão reproduzidos a fls. 03/04, de onde se extrai que o primeiro determina a participação obrigatória da Câmara Municipal em “todos os processos de licitação abertos pelo Poder Executivo” e o segundo prevê que um vereador fará parte da comissão de recebimento das obras devidamente executadas.

A causa de pedir principal consiste na violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes. Embora a inicial faça referência à previsão na Constituição Federal, não é de se esquecer que o mesmo princípio está consagrado no art. 5º da Lei Maior paulista.

O pedido de liminar foi indeferido pelo Nobre Desembargador Relator, Dr. REIS KUNTZ, conforme se vê da R. Decisão de fls. 78/80.

Citado, o Procurador-Geral do Estado, a fls. 95/97, alegou falta de interesse na defesa do ato impugnado, sob o argumento de que se trata de matéria exclusivamente local.

A Câmara Municipal foi devidamente notificada (fls. 90).

É o breve relatório.

Preliminarmente.

O artigo 90 da Constituição Estadual, em seu inciso II, estabelece a legitimidade do Prefeito Municipal para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

No presente caso, observa-se que a ação foi proposta pelo Município.

Como se sabe, em processo objetivo de controle de constitucionalidade, o rol de legitimados é numerus clausus, não sendo admissível a interpretação extensiva.

Por isso, caso esse Colendo Órgão Especial entenda que se trata de falta de pressuposto processual, relacionado à regular representação, requer-se seja concedido prazo para a regularização da representação.

Superada a preliminar, no mérito, o pedido inicial é procedente.

Ocorre que é nítida a violação ao princípio da Separação dos Poderes, pois os dispositivos legais impugnados afetam a administração do patrimônio público municipal.

Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

Além disso, a previsão de que o Poder Legislativo vai participar, obrigatoriamente, de “todos os processos de licitação abertos pelo Poder Executivo” é nítida interferência na administração do município.

Não se nega que uma missão importante do Poder Legislativo seja o controle dos atos do Poder Executivo, no conhecimento sistema de freios e contrapesos. Todavia, o controle instituído pela Lei Orgânica Municipal extrapola os limites constitucionais.

Registre-se que a Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, o princípio da Separação dos Poderes, nos seguintes termos:

 

São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

O princípio da separação dos poderes é o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].

Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

E como ensina Hely Lopes Meirelles[2], “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do prefeito”:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.

Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração” – negritamos.

Os dispositivos impugnados, portanto, representam ingerência nas prerrogativas do Prefeito Municipal

Sendo assim, é flagrante a inconstitucionalidade.

Posto isso, manifesto-me pela procedência desta ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade do § 6º do art. 127 e do § 3º do art. 128, ambos da Lei Orgânica do Município de Santa Mercedes.

São Paulo, 4 de fevereiro de 2009.

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

ASSUNTOS JURÍDICOS

 



[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.

[2] Direito municipal brasileiro, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.