Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 166.690-0/0

Requerente: Prefeito do Município de Itatiba

Objeto: Lei nº 4.067, de 23 de julho de 2008, do Município de Itatiba

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itatiba, tendo por objeto a Lei nº 4.067, de 23 de julho de 2008, do Município de Itatiba, que “dispõe sobre o serviço de transporte de passageiros de táxi e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Edilidade, com usurpação da competência legislativa da União e vício de iniciativa. Vislumbra a usurpação da competência legislativa, e, destarte, ofensa aos artigos 1º e 144 da Constituição Estadual, por entender que a norma impugnada regula o direito sucessório, desatendendo, assim, à regra do artigo 22, inc. I, da Constituição Federal. No que toca à iniciativa, afirma que compete ao Prefeito projetar a lei que cuide de serviço público autorizado, como é o de táxi.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 27/28).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 33/53, em defesa da lei impugnada. Afirmou que o projeto foi concebido pelo Vereador Edvaldo Húngaro e aprovado por unanimidade nas sessões ordinárias de 21 e 28 de maio de 2008. Seguiu para a sanção do Chefe do Poder Executivo e, diante de sua inércia, acabou sendo promulgado pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 60/62).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

2) Fundamentação.

A lei questionada tem a seguinte redação:

LEI Nº 4.067, DE 23 DE JUNHO DE 2008.

"ALTERA A LEI MUNICIPAL Nº 1.188, DE 18 DE JUNHO DE 1973, QUE ‘DISPÕE SOBRE O SERVIÇO DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS DE TÁXI, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS'."

O Presidente da CÂMARA MUNICIPAL DE ITATIBA, Estado de São Paulo, Erik Carbonari, no uso das atribuições do seu cargo,

FAZ SABER que, conforme a aprovação em Plenário, na  154ª Sessão Ordinária, realizada no dia 28 de maio de 2008, e a sanção tácita do Sr. Prefeito Municipal, PROMULGA a presente Lei:  

 "Art. 1º - O artigo 6º da Lei Municipal nº 1.188, de 18 de junho de 1973, passa a contar com a seguinte redação:

 ‘Art. 6º - ..................................................................

§ 1º - Ocorrendo invalidez ou incapacidade que impossibilite a prestação do serviço, devidamente comprovadas pelo Instituto Nacional de Previdência Social, ou motivos outros de força maior, justificados pelo sindicato de classe, se houver, o motorista profissional (pessoa física) poderá indicar outro condutor para dirigir o seu veículo, enquanto perdurar a inatividade ou impedimento, mas a substituição efetivar-se-á depois que o órgão competente, exigindo, no que couber, os documentos a que se referem as alíneas do inciso I do artigo 5º, der sua aprovação.

§ 2º - Em caso de falecimento do titular do alvará de estacionamento, o alvará fará parte do espólio pertencente aos herdeiros, cabendo a estes o direito de transferi-lo a outro condutor, devendo-se, para isso, ser observado o inciso I do artigo 5º.'

Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário."

ITATIBA, em  23 de junho de 2008.

ERIK CARBONARI

Presidente da Câmara

De sua leitura se extrai que a norma altera Lei Municipal de 1973 (anterior, portanto, à Constituição Paulista vigente), que regulamentou o serviço de transporte de passageiros em táxi na cidade de Itatiba.

De plano se verifica que, em momento algum, o legislador municipal dispôs sobre direito sucessório. Limitou-se a considerar a autorização do taxista como bem integrante do espólio e transmissível aos herdeiros por ocasião do falecimento de seu titular. Essa alteração foi implantada, segundo se depreende da exposição de motivos (fls. 43), porque a legislação anterior era omissa acerca da possibilidade de transferência do alvará em razão do falecimento do prestador de serviço.

Não se divisa, assim, inconstitucionalidade pela alegada usurpação da competência legislativa da União. A norma definitivamente não cuida de Direito Civil.

Também não assiste razão ao autor quando sustenta o vício de iniciativa ou ofensa aos princípios da independência e harmonia dos Poderes.

O caso dos autos recomenda a mesma solução dada à ADIN nº 105.773-0/2-00, relatada pelo eminente Des. Sinésio de Souza, em 6 de outubro de 2004, cuja ementa está assim redigida:

ADIN - Lei municipal que dispõe sobre a destinação das verbas decorrentes da publicidade realizada em veículos providos de taxímetro. Vício de iniciativa - Inocorrência. Iniciativa concorrente. O serviço de táxi depende de autorização do Poder Público. Isso, entretanto, não significa que ao Poder legislativo seja vedada a estipulação de regras gerais a serem observadas no exercício da atividade. ADIN Improcedente.

Nesse julgado, estabelecida a premissa de que o serviço de táxi é regulado pelo Município, adotou-se a tese, a meu ver acertada, de que, fora dos temas reservados, a regra é de iniciativa concorrente: o Poder Legislativo não está impedido de projetar regras gerais sobre serviço público se estas não impõem ônus à Administração.

Essa é, aliás, a missão precípua da Câmara Municipal:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário”[1].

De ver-se que, no caso em análise, a promulgação da lei não gerou despesa ou ônus para a Administração. Não alterou as regras sobre os “pontos de estacionamento” ou concessão de alvarás, cujos requisitos estão definidos no artigo 5º da lei com a redação original. Tratou, exclusivamente, de suprir lacuna legislativa, sem que isso redunde em providências administrativas além daquelas já previstas na lei 1.186.

Não há, à evidência, usurpação de função da Câmara Municipal, reconhecível tão-somente quando se identifica na proposta legislativa a intenção de gerir as atividades municipais ou intervir na forma como se faz o gerenciamento dos serviços:

 “Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Esta não nos parece ser a hipótese dos autos.

 

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade .

 

São Paulo, 22 de setembro de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp



[1] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 708, 712.