Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 166.693.0/3

Requerente: Prefeito Municipal de Amparo

Objeto: Lei n. 3.375, de 3 de junho de 2008, do Município de Amparo

 

Ementa: 1) Lei n.º 3.375, de 3 de junho de 2008, do Município de Amparo, que institui o programa “Disque Idoso”. Projeto de iniciativa parlamentar. Ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito, sob a alegação de ofensa aos artigos 5º., “caput” e 144 da Constituição do Estado. 2) Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a instituição, ampliação e aperfeiçoamento dos serviços públicos. Não é dada ao Vereador a iniciativa de projeto de lei que cria programa, com ônus para a Administração e aumento de despesa. Iniciativa que se compreende como usurpação de competência e que se opõe ao princípio da separação dos Poderes. 3) Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

           

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Amparo, tendo por objeto a Lei n.º 3.375, de 3 de junho de 2008, que institui o programa “Disque Idoso”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal. Cuidando-se de lei que institui programa e cria obrigações para a Administração é daquelas cuja iniciativa está reservada ao Chefe do Poder Executivo. Divisa a inconstitucionalidade por ofensa aos artigos 5º., caput e 144, caput, da Constituição do Estado (fls. 2/10).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 25).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 40.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 35/37).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

A Lei n. 3.375, de 3 de junho de 2008, tem a seguinte redação:

LEI N° 3.375, de 03 de junho de 2008.

Institui o Programa “Disque Idoso”.

Autor: Lázaro José Domingues - Vereador

O Presidente da Câmara Municipal de Amparo faz saber que a Câmara Municipal manteve e ele promulga, nos termos do § 5º, do artigo 45, da Lei Orgânica Municipal, a seguinte Lei:-

Art. 1° – É instituído o Programa “Disque Idoso” com a finalidade de atendimento a denúncia de maus tratos e violência contra os idosos a partir de 60 (sessenta) anos.

Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

MÁRIO ACÁCIO ANCONA – Presidente

Publicada na Secretaria Administrativa da Câmara Municipal, em 03.06.2008

Em que pesem os nobres propósitos que a inspiraram, essa lei é, de fato, inconstitucional, por ofensa aos artigos 5.º e 25 da Carta Bandeirante.

De partida, a lei contraria o artigo 5º, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, diante da usurpação da competência do Poder Executivo pela Câmara Municipal.

São confiadas ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo funções diferenciadas e independentes, de acordo com a estrutura da organização política da República, inclusive no âmbito do município. Bem por isso, a Constituição Federal procurou estabelecer as atribuições do Poder Executivo e Poder Legislativo, fixando funções adequadas à organização dos poderes, no que foi seguida pela Constituição do Estado de São Paulo.

O Prefeito, enquanto chefe do Poder Executivo, exerce tarefas específicas à atividade de administrador, tendente à atuação concreta, devendo planejar, organizar e dirigir a gestão das coisas públicas. Entre os atos de administração ordinária, compete ao Prefeito a atuação voltada para a ampliação ou aperfeiçoamento de programas e serviços públicos.

Sobre o tema, discorre Hely Lopes Meirelles:

“Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)

Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito.  (em “Direito Municipal Brasileiro”, 9ª ed., pp. 519/520).

Acrescente-se que, além de invadir a esfera privativa do Poder Executivo no tocante à Administração ordinária do município, a lei em tela também interfere na direção superior da administração municipal. Sem margem para a divagação, a instituição de programa gera despesa e, no caso vertente, não se indica a receita respectiva.

Em realidade, a Câmara Municipal está impondo conduta a ser seguida pelo Poder Executivo, interferindo na sua estrutura, direção e organização. Subsistindo a lei, o serviço em questão deverá ser aparelhado e colocado em funcionamento pelo Poder Executivo, o que não se coaduna com o princípio da separação dos Poderes.

Por isso, esse E. Tribunal de Justiça já declarou a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que criaram programas semelhantes, como o “Disque-gestante” (ADI 47.176-0/6), o “Disque-dengue” (ADI 36.158-0/9), o “Disque-verde” (ADIN 45.261.0/0-), entre outros.

A orientação que predomina é aquela que foi sintetizada pelo em. Des. Vallim Bellochi, na ADIN n° 45.269-0:

"Lei Municipal - Dispositivo que atribui funções a órgãos de Administração - Invasão de competência - Matéria de iniciativa do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5º. e 24,§ 2º., da Constituição Estadual - Ação direta procedente."

Conclui-se, portanto, que a lei impugnada decorre de inequívoca usurpação da competência do Chefe do Poder Executivo, sendo incompatível com os artigos 5º, caput, e 25, da Constituição do Estado de São Paulo.

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n.º 3.375, de 3 de junho de 2008, que institui o programa “Disque Idoso”.

São Paulo, 13 de novembro de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

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