ADIN n. 166.707-0/9-00
Requerente: Prefeito do Município de Bauru
Objeto: Lei Municipal
n. 5.390, de 30 de agosto de 2006.
Ementa: São de iniciativa reservada do Poder
Executivo os projetos de lei que criem novos eventos oficiais no calendário
municipal.
Inconstitucionalidade
de lei, de iniciativa parlamentar, criando o “Dia da Marcha para Jesus” no
município de Bauru.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator.
Egrégio Tribunal de Justiça.
1. Cuida-se de
ação direta objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei
nº 5.390, de 30 de agosto de 2006, do
município de Bauru, que “institui, no
calendário oficial de eventos do município, o ‘Dia da Marcha para Jesus’, a ser
comemorado anualmente no primeiro sábado do mês de agosto.
Argumenta
o requerente, Prefeito Municipal, que
houve usurpação de iniciativa a ele reservada, criando-se nova atribuição para
órgãos da administração e despesas sem previsão orçamentária, estabelecendo
critérios que vincularam o Município a evento religioso; apontando como violados os arts. 5º. 74, inciso VI e 90, inciso II, da Constituição Estadual.
Foi
concedida liminar pelo eminente Desembargador Penteado Navarro, suspendendo a vigência e a eficácia do art. 3º
da lei impugnada (fls. 17/19).
A
Câmara Municipal prestou informações (fls. 32/33), sustentando a validade da
lei.
Absteve-se
de manifestação sobre o mérito o Procurador-Geral do Estado (fls. 28/30).
2. A
lei n. 5.390, de 30 de agosto de 2006 originou-se de projeto de autoria do
vereador Primo Alexandre Mangialardo (v. fls. 15). Nisto já reside uma primeira
inconstitucionalidade, pois somente ao
Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso
– obrigações e deveres para órgãos da administração, conforme dispõe o art. 47,
inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensiva aos municípios,
consoante o art. 144 da mesma Carta.
Ao
criar a “Marcha para Jesus”, inserindo-a no calendário oficial do município e
determinando inclusive a data de realização, o Legislativo local impôs ao
Executivo uma atividade que se desdobra em inúmeras tarefas, desde a definição
do local, obras de infra-estrutura (som, iluminação, divulgação, acomodação
para o público, organização do trânsito, serviços ambulatoriais, segurança
etc.).
Invadiu-se
claramente o comando da administração pública, de alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a
conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia
objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder
Executivo.
3. Como já
proclamou esse Egrégio Plenário,
“Ao
executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as
atividades municipais. Terá, também,
evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos
trabalhos que lhe são atribuídos.
Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende
intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções
que são de incumbência do Prefeito”
(Adin n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).
Sobre
a matéria, ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em
princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária
independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração
ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou
aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para atividades próprias e privativas da função
executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e
movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à
chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem
estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de
incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito. (Direito Municipal Brasileiro, 9ª ed., pp. 519/520).
4. Há
precedentes específicos desse Egrégio Tribunal,
integralmente aplicáveis ao caso em exame.
Assim,
em ação direta movida por esta Procuradoria Geral de Justiça, esse Egrégio
Plenário proclamou, por votação unânime, a inconstitucionalidade de lei do
município de Itu, de iniciativa parlamentar, que criava evento no calendário
oficial, em acórdão assim ementado:
“Lei municipal que autoriza o Poder
Executivo municipal a incluir no calendário oficial de eventos o campeonato de
truco, que deverá ser anual e estendido aos bairros pela Secretaria Municipal
de Esportes. Vício de iniciativa –
Usurpação de competência privativa do Chefe do Executivo – Ação procedente
(inteligência dos artigos 5º., 24, § 2º., item 4, e 144, ambos da Constituição
do Estado.” (ADIN n. 114.162-0/5-00,
rel. Des. Sinésio de Souza, j. 8.6.2005, v.u. – Lei de Itu, ação movida pela
PGJ).
A
mesma tese veio a ser reafirmada no julgamento da ADIN n. 128.493.0/2-00,
relatada pelo Desembargador José Cardinale, em que se declarou a inconstitucionalidade, por vício de
iniciativa, de lei que criava “maratona” no município de Ribeirão Preto (sessão
de 9.8.2006). Do mesmo modo, foram
declaradas inconstitucionais leis, de iniciativa parlamentar, que criavam a
“Semana da Bíblia” (ADIN 117.140.0/7-00, j. 9.11.05, rel. Des. Celso Limongi),
a “Semana Educativa de Prevenção ao uso
de fogos de artifício” (ADIN n. 118.134.0/7-00, rel. Des. Celso Limongi, j.
9.11.05), ou ainda a “Semana de Combate ao Câncer de Mama” (ADIN n. 56.441-0/7-00, j. 12.4.00,
rel. Des. José Cardinale).
5. Ponto também
impugnado na inicial – e a meu ver, com razão – é o relativo à criação de novas
despesas para o Poder Público. A lei impugnada, indicou de modo impreciso a
fonte dos imprescindíveis recursos orçamentários, em desarmonia com art. 25 da
Constituição Estadual, uma vez que não basta a genérica menção a “verbas
próprias do orçamento, suplementadas se necessário”, como constou do art. 3º
(nesse sentido, ADIN n. 47.887-0).
6. Concluo,
pois, pela existência de afronta aos arts. 5º; 24, § 2º., n. 1, 25, 47, II e
144, todos da Constituição do Estado, manifestando-me no sentido de ser julgada
procedente esta Ação Direta, confirmando-se a medida liminar e declarando-se
inconstitucional, toda a Lei n. 5390, de 30 de agosto de 2006, do município de Bauru e, não apenas, seu
art. 3º , como requerido inicialmente.
São Paulo, 26 de agosto de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA
no exercício de função
delegada
pelo Procurador-Geral de
Justiça