AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Autos n. 166.824-0/2-00

Autor: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Lei Municipal n. 426, de 22 de agosto de 2005

 

 

 

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

 

                Colendo Órgão Especial

 

 

 

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito de Jundiaí, na qual sustenta a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 426, de 22 de agosto de 2005, que veda exploração comercial de vaga de estacionamento em estabelecimentos comerciais e de serviços.

 

         Em seu art. 1º, a lei estabeleceu que: Fica vedada, nos edifícios comerciais e de serviços, a exploração comercial ou de serviço remunerada das vagas de estacionamento fixadas nos termos do art. 31, §§ 5º e 6º, da Lei Complementar n. 416, de 29 de dezembro de 2004.

 

         Segundo a inicial, a iniciativa legislativa da Câmara Municipal violou a competência privativa da União para legislar sobre direito civil (art. 22, I, da CF de 88), além de apresentar vício de iniciativa e afrontar o princípio da separação de poderes. A pretensão de irritar a lei municipal é amparada em precedentes do Supremo Tribunal Federal, no sentido de inconstitucionalidade de leis locais sobre o tema, sobretudo em função da competência privativa da União.

 

         O pedido de suspensão liminar dos efeitos do referido dispositivo legal foi deferido pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Dr. REIS KUNTZ (fls. 78/80).

 

         A Câmara Municipal prestou informações, defendendo a constitucionalidade da norma impugnada, bem assim a competência do Município para tratar do assunto em pauta (fls. 94/96).

 

         O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 89/91).

 

         É a síntese do necessário.

 

         A Lei Municipal n. 426, de 22 de agosto de 2005, do município de Jundiaí, ao dispor sobre exploração comercial de vaga de estacionamento em estabelecimentos comerciais e de serviços, é verticalmente incompatível com o texto da Constituição Estadual, razão pela qual é procedente o pedido inicial.

 

         Com efeito, a legislação local questionada na presente ação direta – de iniciativa de vereadores – disciplinou assunto que se insere na competência legislativa privativa da União – Direito Civil e Comercial – e criou empecilhos ao gozo do direito de propriedade (art. 5, XXII, da Constituição), cerceando também a  liberdade econômica  garantida pela Constituição da República (art. 170).

 

         De se lembrar que os artigos 1º e 144 da Constituição do Estado dispõe:

 

Art. 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

 

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

         Quando o legislador municipal edita ato normativo que tangencia a competência do legislador federal, não se tem pura e simplesmente por violada uma norma contida na Constituição Federal, mas sim, de modo patente e direto, um princípio constitucional latente na Lei Maior, qual seja, o princípio da repartição constitucional de competências. Este decorre do pacto federativo assentado na Constituição de 1988, extraível dos art. 1º e 18 da Lei Maior, bem como de outros dispositivos constitucionais que indicam as matérias atribuídas às competências administrativas e legislativas de cada ente da Federação.

 

         É assente na doutrina que a competência legislativa, em nosso sistema constitucional, é definida pelo critério da predominância do interesse.

 

         É a clássica lição de José Afonso da Silva, para quem “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local (...)” (Curso de direito constitucional positivo, 28ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.478).

 

         Note-se, a propósito, que não se trata de invocar norma da Constituição Federal como parâmetro para o controle da constitucionalidade de lei municipal pelo E. Tribunal de Justiça. Isso, de fato, não seria possível, pois significaria usurpação da competência do E. STF.

 

         Entretanto, a repartição constitucional de competências é princípio estabelecido pela CF/88 (art. 1º e 18), pois reflete um dos aspectos mais relevantes do pacto federativo, ao definir os limites da autonomia dos entes que integram a Federação brasileira. Isso decorre claramente da interpretação sistemática da Constituição Federal.

 

         Daí que, violando-se um princípio constitucional (pacto federativo – repartição constitucional de competências), o que se tem é a ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista.

 

         Relevante notar que em decisão recente, quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal), sendo relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:

 

(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

 

 

         No caso ora em exame, o legislador municipal, de fato, legislou sobre direito de propriedade, matéria cuja competência legislativa é privativa da União, nos termos do art. 22, I, da CF/88.

 

         Afinal, a lei local invadiu, inconstitucionalmente, tanto matéria que se insere na  competência legislativa privativa da União (legislar sobre Direito Civil e Comercial), e conspurcou um dos princípios básicos da ordem econômica, qual seja, a propriedade privada. De lembrar que a propriedade privada aparece na Constituição ora como garantia individual (art. 5.º) ora  como fundamento  da atividade econômica (art. 170).

 

         A proibição dirigida aos estabelecimentos comerciais e de serviços é extremamente ampla e acaba por cercear o direito dos proprietários de obter renda de sua propriedade, afrontando a ordem jurídica de uma sociedade capitalista.

 

         E assim, mais que violar dispositivos da Constituição Federal, a lei em exame transgrediu o próprio princípio da repartição constitucional de competências, aplicável ao caso por força do art. 144 da Constituição do Estado.

 

         Posto isso, o parecer é no sentido da procedência da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 426, de 22 de agosto de 2005.

 

São Paulo, 16 de setembro de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça