Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Autos n. 166.935.0/9-00
Autor: Prefeito Municipal de Itatiba
Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 4.073, de 4 de julho
de 2008
Ementa: 1) Lei Municipal n. 4.073/2008, do Município de Itatiba, projeto
de Lei de iniciativa parlamentar, instituindo Perímetro Urbano de Segurança.
2) Vício de iniciativa por afronta ao art. 47 da CE. 3) Inconstitucionalidade
formal constatada por ofensa ao princípio da separação dos poderes. 4)
Parecer pela procedência da ação direta. |
Excelentíssimo Desembargador
Relator
Colendo
Órgão Especial
O Prefeito Municipal de Itatiba ajuizou a presente ação pleiteando a
declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.073, de 4 de julho de
2008, que “Institui o perímetro escolar de segurança”.
A causa de pedir principal consiste no vício de iniciativa legislativa
(art. 47 da CE) e na usurpação de competência do Estado de São Paulo par
apromover a segurança pública.
Registre-se que a iniciativa legislativa foi parlamentar.
A liminar foi deferida pelo Nobre Desembargador Relator PAULO TRAVAIN,
conforme se vê da R. Decisão de fls. 17.
Citado, o Procurador-Geral do Estado, a fls. 26/28, alegou falta de
interesse na defesa do ato impugnado, sob o argumento de que se trata de
matéria exclusivamente local.
A Câmara Municipal prestou informações a fls. 31/32, sustentando a
constitucionalidade da lei municipal sindicada.
É o breve relatório.
A presente ação direta deve ser julgada procedente, conforme será demonstrado.
O art. 1º da Lei Municipal n. 4.073/2008, decorrente de iniciativa
parlamentar, revela a inconstitucionalidade ao dispor que:
Art. 1º - Fica
criado o Perímetro Escolar de Segurança (PES), destinado às ações especiais de
prevenção e repressão ao crime e às contravenções, objetivando a tranqüilidade
de professores, pais e alunos.
Parágrafo
único – As ações desenvolver-se-ão em caráter de absoluta prioridade e terão
como princípio norteador a ‘tolerância zero’.
A lei municipal ora questionada ainda define o raio de cem metros para
o perímetro de segurança (art. 2º); estabelece proibições de condutas (art.
3º); limita exploração comercial (art. 4º); dispõe sobre atribuições do órgão
municipal de trânsito (art. 5º); estabelece que o município deva firmar
convênios (art. 6º).
Não resta dúvida, portanto, que a lei impugnada afeta a administração
do patrimônio público municipal.
Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar
processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende
ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um
Poder sobre o outro.
A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, que:
São Poderes
do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário.
Por sua vez, o art. 47, II, da Carta Constitucional paulista veicula
princípio de observância obrigatória aos municípios:
Compete
privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta
Constituição (...) exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção
superior da administração estadual (...).
As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de
direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução
do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para
a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da
separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à
organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando
as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].
Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade,
tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente,
chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos.
O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo
(melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim
determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A
hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o
estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e
específicos.
Para Hely Lopes Meirelles[2],
após dizer que “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do
prefeito”:
“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a
de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta
aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas,
normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe,
unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da
Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais;
apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não
governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do
Executivo, personalizado no prefeito.
Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a
função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter
regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da
norma legislativa em atos específicos e concretos de administração” – negritamos.
A lei sindicada na presente ação, de iniciativa parlamentar, não contém
proposição geral e abstrata e, bem analisada, representa ingerência nas
prerrogativas do Prefeito Municipal ao vincular a atuação de órgãos municipais,
afrontando, dentre outros, os arts. 5º e 47, II da Constituição do Estado de
São Paulo.
Portanto, é flagrante a inconstitucionalidade da lei municipal de Itatiba.
Como já decidiu esse honrado Órgão Especial, em acórdão da lavra do
eminente Desembargador MAURÍCIO FERREIRA LEITE[3],
ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei n. 146.174.0/9-00, há
violação ao princípio da separação de poderes quando a lei de iniciativa
parlamentar não possui caráter genérico e abstrato:
“AÇÃO DIRETA DE INCOSNTITÜCIONALIDADE - Lei Municipal
n. 10.972/2006, de Itatiba - Legislação, de iniciativa parlamentar, que torna
obrigatória a criação de um banco de dados informatizado a respeito dos casos
de doenças respiratórias em todas as unidades de saúde do Município -
Impossibilidade - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Exercício da
função executiva ordinária não pressupõe qualquer autorização. Função legislativa da Câmara dos Vereadores
possui caráter genérico e abstrato - Ofensa ao princípio da separação dos
poderes - Inexistência, ademais, de indicação dos recursos orçamentários
para implantação da medida - Ação direta julgada procedente, para declarara
inconstitucionalidade da norma” - negritamos.
Assim sendo, manifesto-me pela procedência
desta ação objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal
n. 4.073, de 4 de julho de 2008.
São Paulo, 10 de outubro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça