Parecer
Processo nº 167.399.0/9
Requerente: Prefeito do Município de Tietê
Objeto: Lei Complementar nº 2, de 3 de maio de 2008, do Município de Tietê
Ementa:
Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face da Lei
Complementar nº 2, de 3 de maio de 2008, do Município de Tietê, que, alterando
a redação dos incisos I e II do art. 26 da Lei Complementar n. 12/2006, reduz
as alíquotas de IPTU. Lei tributária
benéfica, de iniciativa de Vereador, que implica em diminuição de receita, com
impacto no orçamento. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do
Poder Executivo, por ofensa aos artigos 47, XVII e 174, II e III e seus §§ 2º e
6º, da Constituição do Estado. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no
sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive
benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
1) Relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Tietê , tendo por objeto a Lei Complementar nº 2, de 12 de maio de 2008, que “altera a redação dos incisos I e II do artigo 26 da Lei Complementar nº 12/2006, com posterior alteração da Lei Complementar nº 15/2006”, que reduz as alíquotas do IPTU de 0,65% para 0,50% (predial) e de 1,65% para 1,30% (bem imóvel territorial).
Sustenta o autor que o benefício instituído pela lei compromete o orçamento a cargo do Poder Executivo, estimando perda de receita da ordem de 1 milhão de reais. Diz que, no caso de norma tributária benéfica, a iniciativa é reservada ao Prefeito, em consonância com o que dispõem os artigos 47, inc. XVII, e 174, inc. II e III, e § 2º e 6º, da Constituição Paulista (fls. 2/10).
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 32).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 39 e ss., em defesa da lei impugnada.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 50/52).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
2) Fundamentação.
A lei questionada reduz as alíquotas do IPTU de 0,65% para 0,50% (predial) e de 1,65% para 1,30% (bem imóvel territorial).
Cuida-se, como se vê, de norma tributária benéfica.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.
Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita (no caso dos autos, a perda é estimada em 1 milhão de reais), somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.
Colhe-se,
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores dede deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade”[1].
Essa orientação tem apoio em Carraza.
O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc.[2]
Analisando esse tema, Cristiane Mendonça chegou à idêntica conclusão: é privativa do Chefe do Executivo a iniciativa de leis tributárias que resultam na diminuição das receitas.
Eis o seu raciocínio:
“... o tema da iniciativa privativa em matéria de criação de enunciados legais tributários não se esgota na interpretação do art. 61, § 1º, inc. II, “b”, da CRFB/88. Além do referido preceptivo, torna-se imprescindível descortinar as prescrições plantadas nos artigos 165 e 166 da Constituição Nacional na tentativa de averiguar se existem outras hipóteses em que foi atribuída ao Chefe do Executivo a missão de propulsionar o processo legislativo da lei tributária ‘stricto sensu’.
A atribuição de orçar e de equilibrar o binômio receitas/despesas foi entregue, pelo legislador constituinte originário, ao órgão executivo das pessoas políticas, sendo certo que as receitas tributárias revelam-se, nas palavras de Ricardo Lobo Torres, como ‘o mais importante dos itens da receita pública’.
(...)
Os incisos I, II e III do art. 165 não deixam dúvidas ao prescreverem que o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais serão estabelecidos por leis de iniciativa do Poder Executivo. O § 6º do artigo 165, por sua vez, exige que o projeto de lei orçamentária seja acompanhado de demonstrativo regionalizado de efeito, sobre receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
Na mesma linha de abordagem o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000) estabelece que a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I – demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo da própria L.D.O.; II – estar acompanhada de medidas de compensação por meio de aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
O § 1º do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal consigna que a renúncia compreende a anistia, a remissão, o subsídio, o crédito presumido, a concessão de isenção em caráter não geral, a alteração de alíquota ou a modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou de contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
(...)
Analisando os parâmetros postos em nosso sistema constitucional e infraconstitucional relativamente à tributação e ao orçamento, na tentativa de construir uma interpretação sistemática, acompanhamos o entendimento esposado por Roque Antonio Carrazza no sentido de que a iniciativa de leis tributárias benéficas, que minorem os valores a serem recolhidos pelos sujeitos passivos da Njt, há que ser compreendida como privativa do Chefe do Executivo.
Tal postura implica na seguinte idéia: a competência legislativo-tributária afeta à alteração dos enunciados legais tributários que resultem na diminuição de receitas fiscais engloba, necessariamente, a iniciativa por parte do Chefe do Executivo. Nesta hipótese, o órgão executivo deverá figurar como sujeito ativo na NCLT ao lado do órgão legislativo, sob pena de vício de constitucionalidade dos dispositivos tributários criados.
Por esse fio de raciocínio é inevitável concluir que a norma de produção legislativo-tributária, ao encampar em seu conseqüente a autorização-permissão para as pessoas políticas alterarem as respectivas regras-padrão de incidência tributária, cristaliza também a iniciativa privativa do Chefe do Executivo, sempre que referida alteração resultar na diminuição dos montantes arrecadados”[3].
A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que reduz a alíquota do IPTU, pois a norma não versa diretamente sobre matéria orçamentária, nem está aumentando a despesa do Município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária[4].
Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA
AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR
DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao alterar, para menos, as alíquotas de IPTU, a lei impugnada redimensionou para baixo a receita do Município de Tietê. Daí o inconformismo do Prefeito.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
3) Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 2, de 3 de maio de 2008, do Município de Tietê.
São Paulo, 26 de janeiro de 2009.
Maurício Augusto
Gomes
Procurador de
Justiça
no exercício de função
delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça
jesp
[1]
ADin nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann.
[2]
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007,
[3] Cristiane Mendonça. Competência Tributária. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 213-316.
[4] ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008.