AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 168.249-0/2-00
Requerente :
Prefeito do Município de Tietê
Requerida :
Câmara Municipal de Tietê
Objeto :
Lei n.º 2.968, de 23 de junho de 2008
Ementa: 1- Lei n. 2.968/2008, do Município de Tietê. 2- Lei de iniciativa parlamentar que dispõe
sobre obrigatoriedade de colocação de placas e/ou cartazes impressos em
repartições públicas 3-. Imposição de condutas à Prefeitura Municipal. Matéria
afeta à administração pública. Exclusividade de iniciativa do Prefeito Municipal.
4- Violação dos arts. 5, 25, 47, I e II e 144, todos da Constituição do Estado
de São Paulo. 5- Parecer no sentido da declaração da inconstitucionalidade da
lei impugnada.
Colendo
Órgão Especial
Senhor
Desembargador Relator
O
Prefeito Municipal de Tietê propôs esta
ação direta objetivando a declaração
de inconstitucionalidade da Lei n.º 2.968, de 23 de junho de 2008, do Município
de Tietê, que ''dispõe sobre a colocação
de placas e/ou cartazes impressos em repartições públicas”. A Câmara Municipal
forneceu suas informações (fls. 56/58) e a D. Procuradoria-Geral do Estado se manifestou pela procedência da ação (fls. 43/51). Houve o deferimento liminar do pedido
(fl. 32/33).
Entendemos
que a ação deva ser julgada procedente.
Há
que se aduzir desde logo que a Lei em questão é de iniciativa de Vereador, tendo sido vetada pelo Executivo, veto este derrubado pela Câmara. Vislumbramos
afronta aos artigos 5.º, 47, incs. I e II, e 144, da Constituição do Estado de
São Paulo a saber:
"Art. 5º - São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador,
além de outras atribuições previstas nesta Constituição:
I - representar o Estado nas suas relações
jurídicas, políticas e administrativas;
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de
Estado, a direção superior da
administração estadual;
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos
os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."(g.n.)
A
administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e
que tem na lei seu mais relevante instrumento,[1]
participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2].
Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento
de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos. As
informações determinadas na lei, embora possam trazer eventuais benefícios a
determinadas classes de pessoas e ainda que se entenda louvável o intuito, não
podem provir de lei de iniciativa do Legislativo, pois essa função é cometida
ao Executivo, por dispor dos meios necessários ao planejamento global da urbe.
A
referida lei originou-se de projeto de autoria parlamentar, e que acabou sendo
promulgado na íntegra pelo Presidente da Câmara Municipal , mesmo diante do
veto total apresentado pelo Prefeito Municipal. Enfatizamos que também o
gerenciamento das atividades administrativas no município é competência do
Poder Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios
para avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública. Assim sendo, por inserir vício de iniciativa,
a lei é inconstitucional por ofender dispositivos da Constituição do Estado de
São Paulo.
Com
efeito, a lei impugnada compele a Prefeitura a afixar placas e/ou cartazes
impressos em repartições públicas com os seguintes dizeres:
“Eu tenho Direito a Respeito.
Eu tenho Dever de Respeitar.
“Abuso
de Autoridade é crime (artigo 4º, letra h, da Lei n. 4.898/1965)”.
“Desacato
a Autoridade é crime (artigo 331 do decreto Lei n. 2.848/1940)”..
Observe-se se fosse necessário afixar placas ou cartazes com os
referidos dizeres, seria do Executivo a iniciativa da providência, por se
tratar de matéria referente à administração pública, cuja gestão é de
competência exclusiva do Prefeito, que atuará nesse campo com absoluta
independência.
Sobre
o tema ensina Hely Lopes Meirelles:
“Em princípio, o prefeito pode
praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização
especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos
aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas
ou serviços públicos. (...)
Advirta-se, ainda, que, para
atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e
serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da
Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a
Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras
dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade,
por ofensa a prerrogativas do prefeito.”[3]
Demais
disso, a Constituição Estadual comete ao Executivo a tarefa de organizar a
Administração, vedando a geração de despesas não previstas por leis de
iniciativa parlamentar. Esse modelo constitucional é de observância obrigatória
pelos municípios, por força do disposto no art. 144, da Constituição Estadual.
Assim
sendo, e por entender que ao Legislativo não é dada a iniciativa de lei na
matéria de organização de serviços públicos, cometida ao Executivo, o parecer é
pela procedência da ação, para que
seja declarada inconstitucional a Lei
n.º 2.968, de 23 de junho de 2008, do Município de Tietê.
São Paulo, 29 de janeiro de 2009.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça
[1] Christian Starck.
'El Concepto de ley en la constitucion alemana', Madrid: CEC, 1979,
pág.73.
[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de
uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um
'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função
legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar
solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo
as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo'
do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o
admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente
excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios
(investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração
normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] MEIRELLES. Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pág. 519.