Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 168.321-0/1-00

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.190, de 8 de agosto de 2008, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida por Prefeito Municipal, da Lei nº 10.190/08, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre o parcelamento, através de carnê, das custas referentes a velórios e sepultamentos, intitulado ‘Carnê da Última Hora’, e dá outras providências”. Projeto de iniciativa de Vereador. Regras sobre a forma de prestação de serviço público explorado por concessão, que acarretam o desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, e, em conseqüência, aumento de despesa. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE) e da regra do art. 25 da CE, que proíbe o aumento de despesa pública sem a indicação dos recursos disponíveis. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 10.190, de 8 de agosto de 2008, que “dispõe sobre o parcelamento, através de carnê, das custas referentes a velórios e sepultamentos, intitulado ‘Carnê da Última Hora’, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Afirma-se que a norma cria despesa para o Município sem a indicação da fonte de custeio, com infração, portanto, à regra do art. 25 da Constituição do Estado. Diz-se, ainda, que há violação ao princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 5º da Carta Paulista, pois a iniciativa acabou tolhendo a atividade administrativa a cargo do Poder Executivo.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 61).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 66, prestando informações sobre o processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 108/110).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei impugnada tem a seguinte redação:

LEI Nº 10.190

De 08 de agosto de 2008

Dispõe sobre parcelamento, através de carnê, das custas referentes a velórios e sepultamento, intitulado “Carnê da Última Hora”, e dá providências.

Ver. ADNEY SECCHES, Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, usando das atribuições que me são conferidas por Lei.

FAÇO SABER que a Câmara Municipal manteve e eu promulgo, nos termos do § 6º do artigo 44 da Lei Orgânica do Município, a seguinte Lei:

Art. 1º - Os concessionários do serviço público funerário do Município de São José do Rio Preto deverão disponibilizar ao responsável pela quitação de débitos relativos a velório e sepultamento, a possibilidade de parcelamento em até 06 (seis) prestações iguais e sucessivas.

Parágrafo Único – Fará jus ao beneficio de que trata o caput deste artigo, o beneficiário com renda familiar, devidamente comprovada, de até 05 (cinco) salários mínimos.

Art. 2º - O Executivo regulamentará a presente Lei no prazo de 60 (sessenta) dias, contando da data de sua publicação.

Art. 3º - A empresa concessionária que descumprir a presente Lei estará sujeita à multa de 200 UFIRS, aplicada em dobro a cada reincidência. 

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Câmara Municipal de São José do Rio Preto,

08 de agosto de 2008.

Ver. ADNEY SECCHES

Presidente da Câmara

Sabe-se que a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (STARCK, Christian, El Concepto de ley en la constitucion alemana. Madrid: CEC, 1979, p. 73), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Dentre as funções de governo do Prefeito estão as funções executivas que, no sentido estrito da expressão, compreendem o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (SILVA, José Afonso. O Prefeito e o Município, 1977, p. 134/143).

Vê-se que a Lei em questão, de iniciativa de vereador, dirige aos concessionários do serviço funerário do Município o dever de parcelar as despesas de velório e sepultamento nas condições que especifica. Esse comando configura nítida invasão do Poder Legislativo na forma de prestação do serviço público oferecido sob a forma de concessão e incide, diretamente, sobre condições de contrato administrativo previamente estabelecido.

Essa anomalia representa ofensa ao princípio da separação de poderes a ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, na dicção desse Sodalício:

Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

De outro giro, a lei traz, inequivocamente, aumento de despesa.

Como se sabe, o “concessionário tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público, visando igualar os encargos da execução à justa remuneração” (GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 376).

A estipulação do parcelamento tende a desequilibrar a sensível relação encargo-remuneração, conferindo ao concessionário o direito de pleitear a revisão de tarifas, inclusive se valendo da via judicial. Nesse tema, é de todos conhecida a emblemática ação, julgada procedente, movida pela Transbrasil contra a União para se ver ressarcida dos prejuízos resultantes do congelamento de preços estabelecido pelo Governo Sarney para conter a inflação.

Eis aí outro motivo por si só idôneo para a declaração de inconstitucionalidade da lei. As regras instituídas acarretam despesa pública – ainda que de forma indireta – sem  a correspondente previsão dos recursos destinados aos novos encargos.

Nesse sentido:

LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Nesse panorama, tem-se por violados os artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Carta Bandeirante.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.190, de 8 de agosto de 2008, do Município de São José do Rio Preto.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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