Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos n. 168.556.0/3-00

Autor: Prefeito Municipal de Suzano

Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 4.059, de 18 de julho de 2006

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade; 2) Lei Municipal n. 4.059, de 18 de julho de 2006, do município de Suzano; 3) Lei de iniciativa parlamentar que estabelece normas aos veículos automotores utilizados a bem do serviço público municipal; 4) Providência atrelada ao Poder Executivo; 4) Afronta ao princípio da separação de poderes; 5) Violação do art. 5º da Constituição Estadual; 6) Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

 

 

                Colendo Órgão Especial

 

 

O Prefeito Municipal de Suzano ajuizou a presente ação pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.059, de 18 de julho de 2006, que estabelece normas aos veículos automotores utilizados a bem do serviço público municipal.

A causa de pedir principal consiste na violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes, consagrado no art. 5º da Lei Maior paulista, bem como no vício de iniciativa legislativa.

Registre-se que a iniciativa legislativa foi parlamentar. Houve veto por parte do Chefe do Executivo, sob o fundamento da inconstitucionalidade. A Câmara Municipal, porém, rejeitou o veto.

A liminar foi deferida pelo Nobre Desembargador Relator MATHIAS COLTRO, conforme se vê da R. Decisão de fls. 25/27.

Citado, o Procurador-Geral do Estado, a fls. 40/42, alegou falta de interesse na defesa do ato impugnado, sob o argumento de que se trata de matéria exclusivamente local.

A Câmara Municipal deixou de prestar informações, apesar do regular encaminhamento do ofício requisitório (fls. 35).

É o breve relatório.

A presente ação direta deve ser julgada procedente, conforme será demonstrado.

Ocorre que a lei municipal ora questionada afeta a administração do patrimônio público municipal.

Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, que:

 

São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Por sua vez, o art. 47, II, da Carta Constitucional paulista veicula princípio de observância obrigatória aos municípios:

 

Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição (...) exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual (...).

 

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do principio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos[1].

Ao Poder Legislativo, como se sabe, é vedada a administração da cidade, tarefa que incumbe, no Município, ao Prefeito, ou ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', que tem na lei um dos seus mais relevantes instrumentos. O poder de iniciativa neste campo - administração da cidade - é do Executivo (melhor, do 'Governo'), participando o Poder Legislativo, quando assim determinar a Constituição, apenas a qualidade de aprovar-desaprovar os atos. A hipótese é de administração ordinária, cabendo ao Legislativo apenas o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Para Hely Lopes Meirelles[2], após dizer que “todo o patrimônio municipal fica sob a administração do prefeito”:

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito.

Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração” – negritamos.

A lei sindicada na presente ação, de iniciativa parlamentar, não contém proposição geral e abstrata e, bem analisada, representa ingerência nas prerrogativas do Prefeito Municipal ao vincular, de forma ilegal, a atuação do Chefe do Poder Executivo, afrontando, dentre outros, o art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.

Portanto, é flagrante a inconstitucionalidade da lei municipal de Suzano.

Assim sendo, manifesto-me pela procedência do pedido inicial, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.059, de 18 de julho de 2006, do município de Suzano.

São Paulo, 10 de dezembro de 2008.

 

 

 

MAURÍCIO AUGUSTO GOMES

PROCURADOR DE JUSTIÇA,

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

 

 



[1] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Do processo legislativo, São Paulo: Saraiva, p. 111/112.

[2] Direito municipal brasileiro, 12ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.