Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 168.560-0/1-00

Requerente: Prefeito do Município de Suzano

Objeto: Lei nº 4.179, de 9 de outubro de 2007, do Município de Suzano

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei n.º 4.179, de 9 de outubro de 2007, do Município de Suzano, que “obriga os estabelecimentos bancários a manterem guarda-volumes à disposição de seus usuários e dá outras providências”. 1) Possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos daqueles contidos na inicial. 2) É inconstitucional, por ofensa ao princípio da separação dos poderes, lei concebida por parlamentar que cria ônus para a Administração, como o de fiscalizar e aplicar multas. 3) Criação de despesa, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Suzano, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.179, de 9 de outubro de 2007, que “obriga os estabelecimentos bancários a manterem guarda-volumes à disposição de seus usuários e dá outras providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, uma vez aprovado, foi inteiramente vetado pelo Chefe do Poder Executivo. Assevera que a matéria reclama lei complementar, porque encerra sanção pecuniária, apontando a violação dos artigos 23, 111 e 144 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 29).

O Presidente da Câmara Municipal, citado por via postal (fls. 36), não se manifestou .

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 41/43).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

Sintetizando os princípios ligados ao controle da constitucionalidade, Alfredo Buzaid[1] afirma que “o tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei, salvo em litígio regularmente submetido ao seu conhecimento”.

Entretanto, instaurada a relação processual do controle concentrado, nada impede ao Órgão Especial que julgue procedente a ação por causa de pedir diversa da exposta na inicial.

No julgamento da ADI n. 2.396/MS[2], a Ministra Ellen Gracie afirmou ser possível “pelos fatos narrados na inicial, verificar[-se] a ocorrência de agressão a outros dispositivos constitucionais que não os indicados na inicial”.

Aliás, no julgamento da ADI-MC n. 2396/MS[3], o Pleno do Supremo, em acórdão relatado pela mesma magistrada, foi mais incisivo: “O Tribunal não está adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial”.

Firmada essa premissa, passa-se à análise da questão trazia à lume pelo Prefeito de Suzano.

Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador Israel Sampaio de Lacerda Filho (fls. 14) e tem por escopo obrigar os estabelecimentos bancários a manterem guarda-volumes à disposição de seus usuários.

É sabido que compete à União legislar sobre os serviços bancários e que esse E. Tribunal de Justiça já declarou inconstitucionalidade de lei municipal que tratava da matéria, afirmando a violação do Princípio Federativo:

Ao desacatar o princípio constitucional de que à União compete privativamente legislar sobre o funcionamento dos bancos, [a lei] contrariou o diploma legal ora impugnado o artigo 144 da Constituição do Estado - que ordena atendam os Municípios os princípios estabelecidos nas Constituições Federal e Estadual - e ainda o seu artigo 1º, que expressamente acolheu - repita-se - o Princípio Federativo, pelo qual a capacidade normativa dos Municípios é exercida em conformidade com a divisão de competência prevista nas Constituições.

E violou, igualmente, o Princípio da Separação dos Poderes do Estado, consagrado no artigo 5º. da Carta Estadual, na medida em que impôs ao Poder Executivo, através de sua Secretaria de Serviços Urbanos, a realização de tarefas que não são de sua competência, qual a de cumprir e zelar pela observância de atos autorizados por normas inconstitucionais, inclusive o recebimento das denúncias contra os bancos e o processamento administrativo das reclamações e imposição de multas (ADin nº 74.304-0/4, 3.4.2002, rel. Des. Dante Busana).

De toda sorte, deparamo-nos com violações mais evidentes da Constituição Bandeirante

É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que a lei em análise, concebida na Câmara dos Vereadores, impõe à Administração o ônus de fiscalizar o cumprimento da norma e de aplicar multas às instituições bancárias renitentes (art. 4º.).

Invadiu-se, à evidência, a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar. Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes. Como já proclamou esse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, entretanto, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Ao expendido se acrescenta, finalmente, que a matéria não é nova para o E. Tribunal de Justiça. Em recentíssimas Decisões, esse Sodalício reconheceu a inconstitucionalidade de iniciativas análogas dos municípios de Itapetininga e Ribeirão Preto.

Nos dois casos, projetos de leis concebidos pela Edilidade instituíram a obrigação aos estabelecimentos bancários de dispor de guarda-volumes para seus clientes e, em contrapartida, o ônus para a Administração de fiscalizar o cumprimento das novas regras. Os v. Acórdãos estão assim ementados:

Constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade - Lei 5.120/06 do Município de Itapetininga, obrigando os estabelecimentos bancários daquela localidade, que utilizam dispositivo de travamento eletrônico, a manterem guarda-volumes à disposição do público - Projeto e promulgação de ordem parlamentar - Ingerência na Administração local - Vício de iniciativa - Maltrato ao princípio da independência dos Poderes - Ausência de indicação dos recursos disponíveis - Ofensa aos arts. 5º., 25 "caput", 37, 47, II, XI e XIV, 111, 144 e 176, I, da Constituição do Estado - Inconstitucionalidade declarada (ADIn 148.309-0/0, 30.4.2008, rel. Des. Ivan Sartori).

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei do Município de Ribeirão Preto n° 10.686, de 3 de março de 2006, que dispôs sobre a obrigatoriedade dos órgãos públicos ou empresas que possuírem porta de segurança com detector de metais, de instalarem guarda-volumes em suas entradas para a população e usuários guardarem temporariamente seus pertences - Ofensa aos artigos 5º, 47, II, e 144, da Constituição do Estado. Procedência (ADIn 147.085.0/0, 29.8.2007, rel. Des. Marco César).

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[4].

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.179, de 9 de outubro de 2007, do Município de Suzano.

 

São Paulo, 5 de dezembro de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp



[1] Da ação direta, São Paulo: Saraiva, 1958, p. 22.

[2] Julgamento do Pleno do STF em 08/05/2003. Publicação: DJ de 1/8/2003, p. 100.

[3] Publicação: DJ de 14/12/2001, p. 23.

[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.