AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Processo
nº 168.562-0/0-00
Requerente:
Prefeito Municipal de Guatapará
Objeto:
Lei Municipal 566, de 18 de março de 2008, de Guatapará.
Ementa: 1) Lei n.
566/2008, do Município de Guatapará, que cria programa de distribuição de
cestas básicas à população carente de Guatapará em troca de prestação de
serviços à comunidade, como medida sócio-educativa. Iniciativa parlamentar.
2)) Violação da regra da separação de poderes e aumento de despesa sem indicar fonte de
custeio (art.5º,25, 37,47,II e XIV e 144 todos da Constituição Estadual). 3)Parecer
no sentido da declaração da inconstitucionalidade da lei impugnada. |
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Guatapará, tendo como alvo Lei
Municipal de iniciativa parlamentar, alegando o autor que: (a) teria ocorrido
quebra do princípio da separação de poderes; (b) a lei provocou aumento de
despesa sem indicar a fonte de receita.
Foi concedida a liminar,
determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls.45/46).
O
Senhor Procurador-Geral do Estado foi citado (fls.53), declinando de realizar a
defesa do texto normativo impugnado (fls.55/57).
Foram apresentadas informações pela
Presidência da Câmara Municipal (fls.60/70).
Este o resumo do que consta dos autos.
1)
Da Preliminar.
A
preliminar argüida pela Câmara Municipal de Guatapará não merece ser acolhida.
Os
Tribunais de Justiça vêm afirmando a possibilidade de o relator conceder
liminar em casos de urgência, como na hipótese
“Lei.
Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar
de suspensão de eficácia de lei municipal. Possibilidade de deferimento
pelo relator. Aplicação pelo tribunal estadual, em caráter normativo, das
normas insertas no art. 170,§2º , do RISTF. Aplicam-se, em caráter normativo,
as normas regimentais do STF insertas no
art. 170,§2º, aos pedidos de liminares em açõ9es diretas de
inconstitucionalidade, cabendo à Corte Superior apreciá-las, podendo, todavia,
o relator deferi-las, em caso de urgência, ad
referendum daquela” (TJMG, rel. Dês. Rubem Miranda, j. 11.06.1990, RT 660,
p. 169).
2) No mérito. Do ato normativo
impugnado.
A Lei 566/2008, que “cria o programa de distribuição de cestas básicas á população carente
de Guatapará, em troca de prestação de serviços à comunidade, como medida
sócio-educativa”, tem a seguinte redação:
“Art.1º. Fica
criado, no Município de Guatapará, o PROGRAMA DE DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS BÁSICAS
à população carente, em troca de três dias de prestação de serviços à
comunidade, que se constituirá, exclusivamente, de gêneros alimentícios de consumo
básico, com distribuição, exclusivamente de gêneros alimentícios de consumo
básico, com distribuição anual, até o limite de 50 unidades por mês, que poderá
ser aumentado, por ato do Chefe do Poder executivo, desde que prévia e
devidamente justificado.
§1º - As
cestas básicas serão adquiridas trimestralmente, mediante prévio processo de
licitação, observados os menores preços praticados no mercado fornecedor e
assegurada a livre participação entre os comerciantes interessados;
§2º - O valor
unitário da cesta básica, assim como a discriminação dos produtos alimentícios
que a comporão, serão estabelecidos por Decreto do Poder Executivo, de acordo
com a capacidade de comprometimento dos respectivos créditos orçamentários.
Art. 2º -A
distribuição de cestas básicas será feita através de critérios sociais, pelo
Setor de assistência Social, ressaltando-se que as famílias beneficiárias:
I-
deverão obter o laudo de avaliação sócio-econômica,
que será emitido pelo órgão competente, após visita “in loco” na residência,
para comprovação da condição de carência.
II-
receberão, diretamente, uma cesta básica por mês e, no
caso de comprovada necessidade de maior assistência alimentícia.
a) alguém da
família, maior de 18 anos, inscrever-se-á na Prefeitura Municipal para participar
do trabalho voluntário de limpeza e conservação de vias e logradouros públicos
e de vigilância do patrimônio municipal.
b) A cada
três dias de comprovada prestação de serviços, em jornada integral de 8 horas,
garantirá recebimento de uma cesta básica.
§2- os
critérios de trabalho voluntário não se aplicam às pessoas carentes que,
mediante comprovação médica, não possuem condições de saúde física ou mental
para envolver atividades de serviços braçais.
§3º - A
qualquer tempo, poderá ser suspensa ou cancelada a inscrição da pessoa
interessada no Programa de Distribuição de Cesta Básica, desde que deixe de
satisfazer as exigências previstas nesta
lei, como a recolocação no mercado de
trabalho voluntário da Prefeitura Municipal.
Art. 4º -Fica
o Poder Executivo autorizado a abrir, no Orçamento Geral do Município, no
Departamento de Saúde e assistência
Sócia, crédito adicional especial no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
observada a classificação institucional, econômica e funcional-programática.
Art. 5º - As
despesas decorrentes serão cobertas com recursos provenientes do pagamento
anual, suplementadas se necessário”
Entretanto, referido lei é verticalmente incompatível
com a Constituição do Estado, como será explicitado a seguir.
2)Violação da regra da separação de
poderes.
O
primeiro aspecto que merece análise diz respeito ao vício de iniciativa, bem
como ao princípio da separação dos Poderes, que decorrem do disposto no
art.5º, da Constituição do Estado de São
Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.
É ponto pacífico na doutrina bem como
na jurisprudência que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
De outro lado, a Constituição do Estado
de São Paulo também determina caber ao Executivo exercer a direção superior da
Administração Estadual, bem como a prática de atos de administração (art.47,
incisos II e XIV).
Deste modo, no caso em exame, há violação
do princípio da separação de poderes.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, acolheu iniciativa parlamentar e criou programa assistencial, invadindo a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes
(art.5º da Constituição do Estado).
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio
constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da
Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza, ademais, que “todo ato do
Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da
Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo,
por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local
(CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos,
ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os Poderes.
Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Por outro lado, a lei em exame criou obrigação para o Poder Executivo
Municipal, no sentido de prover a entrega de cestas básicas à população carente
em troca de prestação de serviços à comunidade.
Mutatis
mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:
“Ao executivo
haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades
municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe
propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara
Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual
se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do
Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
Observe-se,
ainda, em casos como o presente, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da
despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2,
38.977.0/0).
3)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do
afastamento da preliminar suscitada e pelo
acolhimento da presente ação
direta, com a declaração da inconstitucionalidade da Lei 566 de 18 de março de
2008, do Município de Guatapará.
São Paulo, 26 de janeiro de 2009.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça