Requerente: Prefeito
Municipal de Guatapara
Ementa: 1)
Ação Direta visando à declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal n.
578, de 08 de julho de 2008, do Município de Guatapará, de iniciativa parlamentar
que concede casa e custeio de apoio a idosos na Cidade de Guatapará; 2)
Violação dos artigos 5º , 24,§ 2º , 1, 25, 37, 47 incisos II e XIV
e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo). 3)
Inconstitucionalidade constatada. |
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente,
Trata-se
de ação ajuizada pelo Prefeito Municipal de Guatapará, visando à declaração de
inconstitucionalidade da Lei n. 578, de 08 de julho de 2008, do Município de
Guatapará, que “concede casa e custeio de
apoio a idosos na Cidade de Guatapará, como específica”. Argumenta o autor que a lei em questão padece
de vício de iniciativa ao determinar que o administrador deverá disponibilizar
casa e custeio de apoio a idosos do Município, com o conseqüente aumento no quadro
de servidores municipais, na medida em que criou novas atribuições na organização administrativa, violando o
princípio de independência e separação dos poderes. Ademais, ocasionou aumento
de despesas, sem qualquer indicação da fonte de custeio.
O
pedido liminar foi deferido, consoante decisão de fl. 38. O Procurador Geral do
Estado não quis enfrentar o mérito da demanda, sob a alegação de que a matéria
é de interesse local (fls. 48/50). A Câmara Municipal prestou informações às
fls. 52/62, onde pleiteou a improcedência da demanda..
É
o relato do necessário.
O
pedido merece ser julgado inteiramente procedente.
Como
é sabido a legislação impugnada é fruto de iniciativa parlamentar, em que pese
o autográfo ter sido vetado pelo Chefe do Poder Executivo
Inicialmente,
cumpre lembrar que gerenciamento da prestação de serviços públicos, bem como a
criação de cargos de servidores públicos no município é competência do Poder
Executivo, único dos poderes que detém instrumentos e recursos próprios para
avaliar a conveniência e oportunidade da administração pública. Assim sendo,
ao possibilitar a locação, construção ou a aquisição de um imóvel na
Cidade de Guatapará, destinado a alojar e manter em tempo integral as pessoas
com idade igual ou superior a 60 anos que necessitem, bem como contratando
vários profissionais para as respectivas áreas, o legislativo acabou por
invadir a competência privativa de
administração do prefeito, e por conseguinte violou o princípio da separação
dos poderes.
Ao
Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e
abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.
Atos
que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem
ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que
representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47
incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos
Municípios por força do art.144 da referida Carta.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as
normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos
Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer
atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo
ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda
deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do
Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito municipal
brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de
administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os
Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.
Mutatis
mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:
“Ao
executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as
atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que
lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são
atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão
meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse
gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).
Um
último aspecto, relevante para o deslinde do caso merece destaque.
Em
casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual,
em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para o pagamento da
despesa criada (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2,
38.977.0/0), já que, de toda forma, foi determinada a obrigação de locação,
construção ou aquisição de imóvel na Cidade de Guatapará, destinado a alojar e
manter em tempo integral as pessoas com idade igual ou superior a 60 anos que
necessitem, bem como da contratação de vários profissionais para as respectivas
áreas.
Assim
sendo, a lei impugnada viola os artigos 5º,
24,§2º 1, 25, 37 , 47 incisos II e XIV , todos da Constituição do Estado de São
Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.
Diante do exposto,
nosso parecer é no sentido da procedência
da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 578, de 08 de julho de 2008, de Guatapará.
São Paulo, 06 de novembro de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada pelo
Procurador-Geral de Justiça