Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 168.661-0/2

Requerente: Prefeito do Município de Ribeirão Preto

Objeto: art. 16 da Lei Complementar n.º 315/94, do Município de Ribeirão Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, do art. 16 da Lei Complementar nº 315/94, do Município de Ribeirão Preto. Dispositivo que regula a promoção de professores por merecimento mediante apuração de assiduidade. Alegação de ofensa ao art. 115, inc. XVI, da Carta Paulista, que proíbe a acumulação de vantagens pecuniárias (“efeito repicão”), eis que o art. 15 da mesma Lei Complementar estabelece o “reenquadramento” do funcionário pelo decurso do biênio. Vantagens que não têm o mesmo fundamento fático. Precedentes do Tribunal de Justiça. Parecer pela improcedência da ação.  

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito de Ribeirão Preto, tendo por objeto o art. 16 da Lei Complementar nº 315/94, que é o “Estatuto do Magistério Municipal”.

Segundo o alcaide, o dispositivo impugnado está em desacordo com o artigo 115, inc. XVI, da Constituição do Estado (ou art. 37, inc. XIV, da Constituição Federal), porque, dispondo sobre a promoção por merecimento dos professores, relaciona-a ao efetivo exercício da função, tal como o faz o artigo antecedente para a determinação de outra vantagem (“enquadramento na referência numérica imediatamente superior”).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou em defesa da lei impugnada a fls. 83 e ss. Informou que a lei em questão decorreu de projeto do Poder Executivo e que seu trâmite foi regular. No mérito, asseverou que o art. 16 da Lei Complementar 315/94 não conflita com o art. 15 do mesmo diploma, “não tendo o mesmo fundamento ou suporte fático”.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 79/81).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

2) Fundamentação.

A tese que o autor apresenta ao C. Órgão Especial é a de que o mesmo fundamento fático conduz ao “reenquadramento” e à promoção por merecimento de professores, diante do que dispõem os artigos 15 e 16 da Lei Complementar nº 315/94, ambos constantes da Seção III, do Título II, que trata da “DA PROMOÇÃO POR TEMPO DE SERVIÇO E CRITÉRIO DE MERECIMENTO”, verbis:

ARTIGO 15 - A cada 02 (dois) anos de efetivo exercício na rede Municipal de ensino de Ribeirão Preto, o profissional de ensino será enquadrado na referência numérica imediatamente superior, da referência na qual se encontra, automaticamente.

ARTIGO 16 - A promoção por merecimento, será feita mediante a apuração da assiduidade, na seguinte conformidade:

I - Até 1 (uma) ausência diária - 1,00 (um ponto);

II - de 2 (duas) a 06 (seis) ausências diárias de qualquer natureza (inclusive de saúde): 0,5 (meio) ponto por ano;

III - O Professor que deixar de ministrar 60% (sessenta por cento) dispensadas as frações decimais das aulas do dia, fará jus à remuneração pelas aulas dadas, ma, perderá a frequência do dia para a promoção por assiduidade.

§ 1º - Para fins de apuração da frequência nos termos do "caput" deste artigo, deverá ser considerado como ano o período de 1º de setembro a 31 de agosto.

§ 2º - Feita a apuração da frequência, os pontos atribuídos serão consignados sob a denominação de pontos de assiduidade.

§ 3º - A cada 05 (cinco) pontos-assiduidade atribuídos, deverá ocorrer o enquadramento do profissional de ensino na referência numérica imediatamente superior àquela em que os mesmos se encontrem.

Pretende que se declare a inconstitucionalidade do art. 16 (e, nesse aspecto, a escolha entre os dois dispositivos nos parece arbitrária), vislumbrando ofensa ao artigo 115, inc. XVI, da Constituição do Estado, assim redigido:

XVI - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores sob o mesmo título ou idêntico fundamento;

Os argumentos aduzidos na inicial, porém, não convencem.

De fato, tanto o art. 15 quanto o art. 16 tratam de promoção na carreira do Magistério, o primeiro determinando o enquadramento “na referência numérica imediatamente superior” pelo decurso de dois anos de efetivo exercício e o segundo estabelecendo expressamente a promoção como prêmio por assiduidade.

Como se constata da leitura dos dispositivos, são diversos os fundamentos fáticos neles referidos. Tanto isso é verdade, que é possível imaginar um professor “reenquadrado” pelo decurso de dois anos de efetivo exercício, mas que não se beneficia da promoção do art. 16 em função das ausências registradas no mesmo período.

De mais a mais, o dispositivo constitucional apontado como violado reproduz a redação anterior do art. 37, inc. XIV, da Constituição da República, que se constitui na vedação ao chamado “efeito repicão”. Esse preceito, como se sabe, impede “que uma mesma vantagem seja respectivamente computada sobre as demais vantagens” (MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 2ª. ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.871).

Sob o pálio desse comando, proíbe-se a percepção de vantagem contada ou acumulada em anterior já concedida pelo mesmo fundamento, situação essa que não coincide com a que decorre da coexistência dos artigos 15 e 16 da LC 315/94.

De fato, esse E. Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se pronunciar diversas vezes sobre a questão posta nesta ação direta de inconstitucionalidade, inclusive porque as regras em exame já constavam do estatuto ribeirãopretense anterior (nos artigos 17 e 23 da LM 5.374/88).

A título de ilustração, confiram-se:

SERVIDORES DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO DO QUADRO DO MAGISTÉRIO. PROMOÇÕES POR MERECIMENTO. AR TIGO 17 DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 5.374/88. DIFERENÇAS A TRASADAS. PA GAMENTO SIMULTÂNEO COM A VANTAGEM PREVISTA NO ARTIGO 23 DA MESMA LEI COMPLEMENTAR. NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 37, XIV, DA CF. CADA UMA DAS VANTAGENS SE FUNDA EM PRESSUPOSTOS DIVERSOS. ADMISSIBILIDADE. AÇÃO PROCEDENTE, INCIDINDO A PRESCRIÇÃO PARCELAR. SENTENÇA MANTIDA. PRECEDENTES NESTE SENTIDO, DESTE E. TRIBUNAL. RECURSOS NÃO PROVIDOS (AC 257.934-5/0).

SERVIDOR MUNICIPAL – Cobrança - Pretensão ao recebimento de duas parcelas atrasadas, com fundamento nos arts. 17 e 23 da LM 5.374/88 - Admissibilidade - Verba devida - Inexistência de ofensa ao art. 37, XIV da CP – Precedente - Ação improcedente - Decisão reformada - Recurso provido (AC 126.742.5/3).

Servidores municipais integrantes do Quadro do Magistério. Pagamento da promoção por merecimento nos termos do art. 17 da LCM 5.374/88, sem efeito retroativo. Administração que se nega acertar os atrasados sob alegação de dúvida quanto à constitucionalidade da Lei. Inadmissibilidade. A verba é devida desde o seu deferimento administrativo. Ação de cobrança procedente. Recurso provido (AC 77.380-5/0).

Em recente julgado (AC 108.982.5/6-00), o tema foi examinado com rigor pelo Des. Torres de Carvalho, cujo voto vem precedido da seguinte ementa:

SERVIDOR MUNICIPAL - Ribeirão Preto - LM n° 5.374/88, art. 17 e 23- LM n° 315/04 – Professores - Promoção por assiduidade e por tempo de serviço - Pagamento retroativo negado por tratarem-se de vantagens de mesmo fundamento, com ofensa ao art. 37, XIV da CF - 1. PROMOÇÃO POR ASSIDUIDADE E POR TEMPO DE SERVIÇO - A lei municipal previa, e continua prevendo, promoção por assiduidade (isto é, atribuindo pontos a cada ano sem faltas) e por tempo de serviço (isto é, atribuindo nova referência após o decurso de dois anos de efetivo exercício). Embora ambas considerem o tempo de exercício, têm fundamentos diferentes e o pagamento concomitante não ofende o art 37, XIV da CF. - 2. PAGAMENTO RETROATIVO - A Prefeitura reconheceu o direito do autor e concedeu-lhe, em setembro de 1996, os dois reenquadramentos aqui pedidos. Não pode furtar-se ao pagamento dos atrasados, desde quando tal reenquadramento deveria ter sido feito, respeitada a prescrição qüinqüenal. - Sentença de procedência. Recursos oficial e voluntário improvidos.

O v. Acórdão rechaça a tese esposada pela Prefeitura.

Pela lucidez e didática com que são postas as premissas do caso, transcreve-se esclarecedor excerto:

Consta da LM n° 5.374/88 (Estatuto do Magistério, fls. 161/162, vol. 1, 250/253, vol. 2): "Art. 17- Promoção por merecimento é a ascensão do docente da referência em que está enquadrado para a imediatamente superior,dentro da amplitude de vencimentos de seu cargo ou emprego, e será feita mediante apuração da assiduidade, na seguinte conformidade: 1-de O a 4 ausências...2,5 pontos-assiduidade por ano; II - de 5 a 10 ausências... 1 pontoassiduidade por ano. - § 1° - Para fins de apuração da freqüência serão considerados como sendo de efetivo exercício os afastamentos previstos em lei. - § 2° - A cada cinco pontos-assiduidade atribuídos ocorrerá a promoção. - § 3° - A apuração dos pontos-assiduidade será realizada a partir do exercício de 1989."

"Art. 23 - Para o enquadramento inicial dos atuais servidores nas normas desta lei será observado o tempo de efetivo exercício prestado ao magistério municipal, atribuindo-se uma referência a cada dois anos, respeitada a amplitude de 15 referências de vencimentos, estabelecida para cada cargo ou emprego. - § único - A contagem de tempo de serviço para o disposto neste artigo terá como data-base a de entrada em vigor desta lei."

Não havia dúvida na redação original. O artigo 23 cuidava do enquadramento inicial dos servidores, levando em conta o tempo de serviço efetivo no magistério municipal, perdendo eficácia a partir de então (é dispositivo que devia constar de disposições transitórias, não do corpo da lei); o art. 17 cuidava de promoções decorrentes da assiduidade do professor, eficaz dali para a frente. A questão surgiu após a alteração promovida pela LM n° 5.606/89, de 27-8-1989 (fls. 167), que alterou a redação do § único do art. 23: "O docente será reenquadrado na referência seguinte sempre que completar o biênio e, após o enquadramento inicial, serão computados os dias restantes para o próximo bloco de dois anos." Tal alteração transformou em permanente o que era transitório e fez coexistir as duas vantagens, concedidas após dois anos de efetivo exercício: a promoção por assiduidade (art. 17) e a promoção por tempo de serviço (art. 23, § único).

As promoções do art. 17 acabaram suspensas por infração, segundo entendeu a Administração, ao art. 37, XIV da CF: dupla vantagem por mesmo fundamento, incidindo uma sobre a outra.

3. As coisas precisam ser colocadas com mais clareza.

Primeiro, as duas vantagens não tem o mesmo fundamento. A promoção do art. 17 decorre da assiduidade, que pressupõe o efetivo exercício mas com ele não se confunde, e será obtida em diverso número de anos, ou nunca se o servidor não for assíduo. A promoção do art. 23 decorre do efetivo exercício tão somente e será sempre atingida, ainda que em tempo mais alongada. Em paralelismo para melhor entendimento, podem as duas (embora venham com diferente regramento) ser aproximadas às vantagens mais conhecidas do adicional por tempo de serviço (a que se assemelha a promoção do art. 23) e à licença-prêmio (a que se assemelha a promoção do art. 17). Não vejo impedimento ao pagamento de ambas.

Segundo, a sistemática adotada pelo Município, que não é a melhor, provoca incorporação de algo que incorporado não devia ser. A promoção por assiduidade' tem nítido caráter de gratificação (e não de adicional), que só deve ser paga enquanto assíduo continuar o funcionário. A sistemática adotada, que ao invés de gratificação concede uma promoção e elevação de referência, transforma em permanente o que devia ser transitório e faz com que as vantagens posteriores indiretamente incidam sobre ela, já que serão também concedidas como elevação de referência. Não vejo, no entanto, apesar da estranheza causada pela legislação ribeirão-pretense, infração ao inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal: ver reenquadramentos e elevações de referência como evidência da proibida 'incidência em cascata' implica em paralisar a lícita evolução funcional prevista em inúmeras legislações administrativas, contra a qual nunca se pôs reparo. Criticável, bastante criticavel, a sistemática adotada; mas não incide, a meu ver, na proibição constitucional.

4. Terceiro, está havendo alguma confusão por parte da administração em Ribeirão Preto. A LM n° 5.374/88 foi revogada pela LM n° 315/94, de 13-1-1994 (novo Estatuto do Magistério, fls. 259/286, vol. 2), que nos artigos 15 e 16 (fls. 265/266) manteve ambas vantagens com diferente regramento.

A promoção por tempo de serviço (antes art. 23) vem no art. 15: "A cada dois anos de efetivo exercício na rede municipal de ensino de Ribeirão Preto o profissional de ensino será enquadrado na referência numérica imediatamente superior, da referência na qual se encontra, automaticamente". A promoção por assiduidade (antes art. 17) vem no art. 16: "A promoção por merecimento será feita mediante a apuração da assiduidade, na seguinte conformidade; I - até uma ausência diária - um ponto; II - de duas a seis ausências diárias de qualquer natureza (inclusive de saúde): 0,5 ponto por ano; III - o professor que deixar de ministrar... §3°-a cada cinco pontos-assiduidade atribuídos deverá ocorrer o enquadramento do profissional de ensino na referência numérica imediatamente superior àquela em que os mesmos se encontrem."

Observa-se que ambas as vantagens (promoção por assiduidade e promoção por tempo de serviço) foram mantidas na lei atual, embora com regramento mais razoável e com distanciamento mais evidente entre o prazo necessário à aquisição de cada uma. Verifica-se que, como afirmado acima, as duas vantagens estatuídas na LM n° 5.374/88 (art. 17 e 23) tinham diversa natureza e seu pagamento cumulativo não ofendia, como não ofende, o art. 37, XIV da Constituição Federal.

Correta a procedência da ação, tendo o MM. Juiz identificado, com acuidade, a diferença aqui corroborada.

 

Em suma, a regra impugnada não institui acumulação de vantagens pecuniárias incidentes umas sobre as outras e não contempla o mesmo fundamento do dispositivo legal que a precede.

Não viola, portanto, o artigo 115, XVI, da Constituição do Estado, apontado como parâmetro violado.

Se a solução legislativa não é a melhor, compete ao Prefeito projetar o Direito novo e romper com a tradição ribeirãopretense de contemplar seu magistério com as vantagens contra as quais ora se insurge.

3) Conclusão.

Diante do exposto, opinamos pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade .

 

São Paulo, 23 de janeiro de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp