Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 168.740.0/3

Requerente: Prefeito Municipal de Viradouro

Objeto: Lei Complementar n. 25, de 30 de maio de 2008, do Município de Viradouro

 

Ementa: Lei Complementar n. 25, de 30 de maio de 2008, do Município de Viradouro, que “define horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais, prestações de serviço e diversões públicas”. Texto normativo que prevê tratamento diferenciado conforme a espécie de atividade comercial realizada. Violação do princípio da repartição constitucional de competências, eis que a lei que veda atividade comercial aos domingos dispõe sobre matéria afeta ao legislador federal (art. 144 da CE). Violação da livre iniciativa e da livre concorrência, que protegem não só aqueles que exercem atividade comercial lícita, mas também, em última análise, os consumidores (art. 170, IV, da CF, aplicável por força do art. 144 da Constituição do Estado). Ato normativo que limita a possibilidade de escolha por parte do consumidor e que, portanto, viola os princípios constitucionais que assentam a defesa do consumidor, como garantia fundamental e como princípio da ordem e da atividade econômica (art. 5º, XXXII, e art. 170 V, ambos da CF, aplicáveis por força do art. 144 da Constituição do Estado). Ausência de necessidade (legitimidade), de adequação, e falta de proporcionalidade da opção legislativa, considerando os fins nela almejados (art. 111 e 144 da Constituição do Estado).  Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Viradouro, tendo por objeto a Lei Complementar n. 25, de 30 de maio de 2008, do Município de Viradouro, que “define horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais, prestações de serviço e diversões públicas”.

Diz o Alcaide que a lei em análise foi concebida na Câmara Municipal para dispor sobre o horário de funcionamento do comércio e que, sendo muito restritiva, acabou inibindo a atividade mercantil do Município, não sendo, portanto, razoável. Afirma que a lei impugnada está em desacordo com a Lei Federal n. 10.101/00 e que, no caso dos autos, não há que se falar em interesse local. Aponta violação dos artigos 5º., I, 22, I e 170 da Constituição Federal e do artigo 180, I, da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 92).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 111 e ss., em defesa da lei impugnada. Afirmou que a lei decorre de regular processo legislativo e que está de acordo com a Súmula n. 645 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual compete ao Município fixar o horário do comércio local.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 107).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

 

2) Fundamentação.

A Lei Complementar n. 25, de 30 de maio de 2008, do Município de Viradouro, reproduzida a fls. 77/85, tratou do horário de funcionamento do comércio no referido município, disciplinando pormenorizadamente os limites para seu exercício, segundo o ramo de atividade, nos dias úteis, finais de semana e feriados.

Em síntese, a norma impugnada:

(a)          proibiu o funcionamento de estabelecimentos comerciais a partir das 13 horas do sábado e determinou que permanecessem fechados aos domingos (art. 1º., § 1º);

(b)          criou regras específicas para o comércio varejista de produtos alimentícios (art. 1º., § 1º, I, a), supermercados (art. 1º., § 1º, I, b), lojas de conveniência e delicatessen (art. 1º., § 1º, I, c); comércio varejista de carne  fresca (art. 1º., § 1º, I, d); peixarias (art. 1º., § 1º, I, e); farmácias (art. 1º., § 1º, I, f); padarias (art. 1º., § 1º, I, g); comércio varejista de frutas, verduras e ovos (art. 1º., § 1º, I, h); comércio varejista de jornais e revistas (art. 1º., § 1º, I, i); comércio varejista de livros e papelaria (art. 1º., § 1º, I, j); floriculturas (art. 1º., § 1º, I, k); restaurantes, churrascarias, pizzarias, lanchonetes, traillers e similares (art. 1º., § 1º, I, l); bares, botequins, confeitarias, bombonieres, cafés, leiterias e casas de vitaminas (art. 1º., § 1º, I, m);  hotéis, pensões, motéis e congêneres (art. 1º., § 1º, I, n); depósitos de bebidas (art. 1º., § 1º, I, o); comércio varejista de aves, rações, produtos agrícolas e pecuários (art. 1º., § 1º, I, p); e postos de combustíveis (art. 1º., § 1º, I, q);

(c)          determinou o fechamento dos estabelecimentos industriais a partir das 17 horas e aos domingos (art. 1º., § 2º.);

(d)          dispôs sobre os horários de funcionamento dos prestadores de serviços, determinando, no geral, o fechamento aos domingos (art. 1º., § 3º);

(e)          estipulou horários diferenciados para os postos de serviços para veículos e consertos (art. 1º., § 3º, I, a); postos de serviços automotivos, consertos de pneus e câmaras de ar (art. 1º., § 3º, I, b); salões de barbeiros, cabeleireiros, manicures, institutos de beleza e engraxatarias (art. 1º., § 3º, I, c); laboratórios de análises clínicas (art. 1º., § 3º, I, d); hospitais e os centros de atendimento de convênios médicos (art. 1º., § 3º, I, e); e clínicas e centros veterinários (art. 1º., § 3º, I, f);

(f)           definiu o horário de funcionamento das diversões públicas (art. 1º., § 4º.), ordenando seu fechamento às 23 horas nos dias úteis e 24 horas nos demais;

(g)          instituiu horários de funcionamento específicos para espetáculos de teatro, cinemas, circos, auditórios, parques de diversões, quermesses e similares (art. 1º., § 4º, I, a); boliches, bilhares, fliperamas, jogos de bocha e similares (art. 1º., § 4º, I, b); shows, festivais, recitais e congêneres (art. 1º., § 4º, I, c); bailes, discotecas, boites e congêneres (art. 1º., § 4º, I, d);

(h)         estabeleceu, por fim, que o comércio ambulante ocorre nos dias úteis, entre 9 e 18 horas e aos sábados, entre 9 e 13 horas, sendo proibido nos domingos e feriados (art. 1º., § 5º).

É assente na doutrina que a competência legislativa, em nosso sistema constitucional, é definida pelo critério da predominância do interesse.

É a clássica lição de José Afonso da Silva, para quem “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local (...)” (Curso de direito constitucional positivo, 28ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.478).

A propósito do tema versado no ato normativo impugnado na presente ação direta, há inclusive súmulas do E. STF definindo a dimensão da competência do legislador municipal.

De conformidade com a súmula 419 do STF, “Os municípios têm competência para regular o horário do comércio local, desde que não infrinjam leis estaduais ou federais válidas”.

Do mesmo modo, a súmula 645 do STF prevê que “é competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”.

Deste modo, o Pretório Excelso já assentou a possibilidade de edição de leis locais regulando o horário de funcionamento do comércio, desde que adstrita a iniciativa do legislador municipal a questões de interesse local, e observada a necessidade de não invadir disciplina legal já assentada pelo legislador federal ou estadual, o que, oportuno recordar, decorre do modo como a matéria está disciplinada no art. 30 I e II da CF/88.

Note-se, ademais, que o art. 6º da Lei Federal 10.101, de 19 de dezembro de 2000 (red. Lei 11.603/2007), determina que “Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”.

Não se pode a priori, portanto, afirmar que a simples edição de lei regulando o comércio municipal viole o princípio estabelecido da repartição constitucional de competências, que decorre do pacto federativo assentado na Constituição de 1988, extraível dos art. 1º e 18 da Lei Maior, bem como de outros dispositivos constitucionais que indicam as matérias atribuídas às competências administrativas e legislativas de cada ente da Federação.

Entretanto, no caso em exame, a proibição de funcionamento de atividades do comércio em geral aos domingos viola a competência legislativa da União, tendo em vista o modo como a questão foi regulada pelo art. 6º da Lei Federal 10.101, de 19 de dezembro de 2000 (red. Lei 11.603/2007), bem como por se tratar de legislação regulando, ainda que de forma indireta, o trabalho, nos termos do art. 22 I da CF/88.

Não se trata de invocar norma da Constituição Federal como parâmetro para o controle da constitucionalidade de lei municipal pelo E. Tribunal de Justiça. Isso, de fato, não seria possível, pois significaria usurpação da competência do STF.

Entretanto, a repartição constitucional de competências é princípio estabelecido pela CF/88 (art. 1º e 18), pois reflete um dos aspectos mais relevantes do pacto federativo, ao definir os limites da autonomia dos entes que integram a Federação brasileira. Isso decorre claramente da interpretação sistemática da Constituição Federal.

Daí que, violando-se um princípio constitucional (pacto federativo – repartição constitucional de competências), o que se tem é a ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista.

Relevante notar que em decisão recente, quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. Des. Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese acima aventada (possibilidade de declaração de inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição Federal), sendo relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

Assim, quando o referido art.144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da união, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art.144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).

Oportuno, assim, o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei, quanto às vedações de funcionamento de estabelecimentos comerciais aos domingos, por ofensa ao art.144 da Constituição Paulista.       

Necessário ponderar, do mesmo modo, que a Constituição Federal estabelece como princípios gerais da atividade econômica a livre iniciativa e a livre concorrência, no art.170 caput e respectivo inciso IV.

Pela sua dimensão e importância no contexto da atividade econômica e social, tais princípios devem ser respeitados pelos Estados e Municípios quando da organização das respectivas atividades, nos termos do art. 144 da Carta Paulista.

Eros Roberto Grau, em sede doutrinária, anotou, recorrendo a trabalho da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, que:

“(...)’a livre concorrência de que fala a atual Constituição como um dos princípios da ordem econômica (art.170, IV) não é a do mercado concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluida, i. é, exigência de pluralidade de agentes e influência isolada e dominadora de um ou uns sobre outros. Trata-se, modernamente, de um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto de pluralidade quanto de fluidez. É este elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base de formação de preços, o que supõe a livre iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada’” (A ordem econômica na Constituição de 1988, 11ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p.210).

Tratando também do tema, pondera André Ramos Tavares que:

“livre concorrência é a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social (...) Portanto, infere-se da livre concorrência, enquanto princípio constitucional expresso, a contemplação, dentre suas finalidades, concomitantemente com a tutela do mercado, a tutela do consumidor, considerado este como ente principal das relações de consumo travadas no cenário de desenvolvimento econômico de seu país. A livre concorrência, longe de exigir uma absoluta abstenção do Estado, está exatamente a impor uma intervenção (normativa e fiscalizadora) deste, no sentido de garantir que no mercado permaneça a liberdade geral, que poderia estar sendo tolhida pelo poder de algum agente econômico” (Direito constitucional econômico, 2ª ed., São Paulo, Método, 2006, p.259/260).

É sugestiva a afirmação, portanto, de que a livre iniciativa e a livre concorrência, que integram o rol de princípios constitucionais inerentes à nossa ordem econômica, têm por escopo tanto tutelar o próprio equilíbrio do mercado, como ainda a posição do consumidor na dinâmica das relações de consumo.

As intervenções do Estado-administrador e do Estado-legislador, que evidentemente podem ocorrer, não devem perder de vista as balizas decorrentes das finalidades acima indicadas, amalgamadas na própria sedimentação constitucional dos princípios da ordem econômica.

No diploma sob exame, as limitações impostas pelo legislador municipal ao funcionamento do comércio aos finais de semana (sábados e domingos) e feriados importam violação à livre iniciativa e à livre concorrência.

Note-se que:

(a)       as discriminações quanto aos horários de funcionamento foram feitas aleatoriamente, de acordo com atividades ou tipo de estabelecimento; até mesmo o tamanho da área de venda foi considerado para estabelecer o horário (art. 1º., § 1º, I, a), o que significa, na prática, que alguns estabelecimentos acabarão sendo favorecidos em detrimento de outros que comercializam os mesmos tipos de produtos;

(b)       é evidente que nos dias e horários em que a atividade comercial for vedada, os consumidores poderão procurar municípios vizinhos que não estabeleçam a mesma espécie de vedação, o que poderá, de forma substancial, afetar as regras do mercado regional, seguramente em detrimento dos estabelecimentos situados em Viradouro, e em benefício de outros localizados em outras cidades;

Deste modo, oportuno será o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, nos termos do art. 170 caput e inciso IV da CF/88, c.c. o art.144 da Constituição Paulista.

E não é só.

A Lei em epígrafe, ademais, fere também os preceitos constitucionais que estipulam a defesa do consumidor como princípio a ser seguido na ordem econômica e na atividade financeira (art. 170, V, da CF), e como garantia fundamental (art. 5º XXXII da CF), cuja aplicação aos Municípios decorre do art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

A livre iniciativa e a livre concorrência, como princípios da ordem econômica têm por escopo não apenas a proteção da autonomia e equilibro do mercado, mas também a defesa do consumidor.

Respeitando-se a liberdade de exercício de atividade comercial lícita, assegura-se a viabilidade de apresentação de ofertas de produtos e serviços que ostentem maior qualidade e melhores condições de preço ao consumidor final. A limitação ao exercício de atividade lícita, em contrapartida, com favorecimento a outro segmento ou grupo de comerciantes (aqueles situados em outro município; ou aqueles que por venderem diversas espécies de produtos, terão limites menos restritivos quanto ao horário de exercício de atividade), acaba por minimizar a possibilidade de escolha por parte do consumidor.

É por essa razão, entre outras, que a própria Constituição Federal, no art.173, § 4º, prevê que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”, preceito este concretizado na esfera infraconstitucional através da Lei 8884/94, que trata da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

Limitar o espectro de conhecimento e escolha do consumidor quanto a atividades, bens e serviços lícitos, significa tolhê-lo, ainda que indiretamente, de um aspecto fundamental da proteção que nossa sistemática constitucional lhe confere.

Assim, também por este prisma, é necessário reconhecer a incompatibilidade do ato normativo impugnado com nosso ordenamento constitucional.

Por fim, a incompatibilidade do ato normativo impugnado com nosso ordenamento constitucional decorre, ainda, do desrespeito à razoabilidade, princípio adotado no art.111 da Carta Paulista, e aplicável aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o princípio da razoabilidade:

“visa a afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo importância tanto quando da criação da norma como quando de sua aplicação. Ademais, prossegue o autor, “o princípio da proporcionalidade, uma vez admitido como um princípio substantivo autônomo, como é considerado na doutrina alemã do Direito Público, e não apenas com o sentido estrito contido no conceito de razoabilidade, prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre os sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do Estado” (Curso de direito administrativo, 14ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo, 19ªed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95).

Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo Pretório Excelso, anotou:

“de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do STF, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83).

As discriminações de horários e dias de funcionamento, em especial no que tange aos sábados, domingos e feriados, de conformidade com o ramo de atividade comercial, bem como o estabelecimento da possibilidade de adoção do parâmetro da “predominância” de determinados produtos para definição dos horários parece casuística e aleatória, não passando pelo teste de razoabilidade, pois: (a) não se vislumbra, prima facie, a necessidade de tal tratamento diferenciado; (b) não se identifica a utilidade de tal tratamento; (c) o tratamento dado pelo legislador local acabou criando um ônus desnecessário para os comerciantes cuja atividade foi indevidamente limitada nos aludidos dias e horários.

Daí porque, sob esse aspecto, há violação do art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.

É oportuno recordar que, diante de casos análogos, esse E. Sodalício declarou a inconstitucionalidade de leis que restringiram o horário de funcionamento do comércio:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que disciplina o horário de abertura e fechamento de estabelecimentos comerciais. Exceções do parágrafo 1º do art. 1º que estabelecem uma desigualdade insustentável, violando o princípio da razoabilidade previsto no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo. Ação procedente” (ADI 125.476-0/3, Des. Laerte Nordi, j. 23.8.06).

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Complementar n° 365 de 07 de fevereiro de 1997 que dispõe sobre os horários de abertura e fechamento de estabelecimentos industriais e comerciais instalados no Município - Alegada afronta aos artigos 22, inciso I e 30, inciso I da Constituição Federal c.c. artigo 144 da Constituição Estadual, além de princípios descritos nos artigos, 111, 180, inciso I, 188 e 217 da Constituição Estadual - Ofensa à repartição constitucional de competências e aos princípios da razoabilidade, finalidade e interesse público, aos princípios da livre iniciativa, do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e do bem estar de seus habitantes, de estimular as formas de consumo, serviços e produção, de assegurar o bem estar social, garantindo o pleno acesso aos bens e serviços essenciais ao desenvolvimento industrial e coletivo – Ação procedente (ADI n. 150.574-0/9, rel. Debatin Cardoso, j. 7.5.08).

Necessário notar, do mesmo modo, que a inconstitucionalidade, pelos fundamentos aqui apontados, atinge de forma substancial o ato normativo impugnado, inviabilizando a subsistência de qualquer dispositivo, sob pena de, adotando-se entendimento diverso, transformar-se essa E. Corte em legislador positivo. E isto, como é cediço, não se coaduna com a sistemática do controle concentrado de constitucionalidade das leis.

 

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 25, de 30 de maio de 2008, do Município de Viradouro, que “define horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais, prestações de serviço e diversões públicas”.

Cumpre observar que a inconstitucionalidade, pelos fundamentos aqui apontados, atinge de forma substancial o ato normativo impugnado, inviabilizando a subsistência de qualquer dispositivo, sob pena de, adotando-se entendimento diverso, transformar-se o Tribunal em legislador positivo, o que, como é sabido, não se coaduna com a sistemática do controle concentrado de constitucionalidade das leis.

 

São Paulo, 13 de novembro de 2008.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp