Autos n. 168.858.0/1-00
Autor: ATA - Associação
dos Proprietários e Condutores de Transporte Alternativo de Passageiros
Objeto de impugnação: arts. 113 e 117 do Decreto
Estadual n. 29.913/89
Ementa: 1. Ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Proprietários e Condutores
de Transporte Alternativo de Passageiros (ATA) em face dos arts. 113 e 117 do
Decreto Estadual n. 29.913/89; 2) Dispositivos legais que prevêem penalidades
de multa e de apreensão de veículo e, portanto, que apenas regulamentam o
Código de Trânsito Brasileiro; 4) Competência do Estado-membro para
regulamentar a matéria; 5) Inconstitucionalidade parcial verificada em face
da expressão que impõe prazo mínimo de apreensão do veículo por ofensa ao
princípio da razoabilidade; 6) Parecer pela procedência parcial da ação
direta, com fundamento no art. 111 da Constituição Paulista. |
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pela Associação dos Proprietários e Condutores de Transporte Alternativo de
Passageiros (ATA), na qual se questiona a validade jurídico-constitucional arts.
113 e 117 do Decreto Estadual n. 29.913/89, que dispõe sobre a aprovação do Regulamento do Serviço Intermunicipal de
Transporte Coletivo de passageiros sob fretamento. Os dispositivos legais impugnados se referem
às multas por infração das disposições do regulamento e à penalidade de
apreensão do veículo.
Segundo
o autor da inicial, há violação ao art. 4º e aos incisos I e IV do art. 163 da
Constituição do Estado de São Paulo:
Artigo 4º - Nos
procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão,
entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o
devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do
contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados.
Artigo 163 - Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:
I - exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça;
IV - utilizar tributo
com efeito de confisco;
Em
essência, argumenta o autor que os dispositivos impugnados representam indevida
exigência de multa e despesas não previstas em lei, bem como condiciona, de
forma inconstitucional, a liberação do veículo ao pagamento da multa.
O
Nobre Desembargador Relator, Dr. REIS KUNTZ, deferiu parcialmente o pedido de
liminar do autor da ação direta, apenas para suspender a eficácia, ex nunc da expressão “...a apreensão do
veículo perdurará no mínimo por 48 (quarenta e oito) horas” (fls. 107/110).
Citado
para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista, o Procurador Geral
do Estado aduz, em preliminar, que a via escolhida é inadequada, pois inviável
o controle de constitucionalidade; no mérito, argumenta que os dispositivos
impugnados são constitucionais pois os Estados-membros detêm competência
remanescente para regulamentar a prestação de serviços de transporte coletivo
intermunicipal/rodoviário. Acrescenta que as penalidades têm por fundamento a
Lei Federal n. 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de
Trânsito Brasileiro. No caso específico, houve regulamentação da infração
estabelecida no art. 231, inciso VIII do Código de Trânsito. Também afirma que
o art. 256, II e IV, além do art. 269, prevêem as penalidades questionadas na
presente ação direta (fls. 121/140).
É o breve
relato.
A
presente ação direta é procedente apenas em parte, conforme restará demonstrado.
Nada
obstante os argumentos despendidos na petição inicial, não são
inconstitucionais os dispositivos legais impugnados, pois, de fato, os
Estados-membros detêm competência remanescente para regulamentar a prestação de
serviços de transporte coletivo intermunicipal/rodoviário.
As
penalidades previstas no Decreto Estadual impugnado também não representam
qualquer novidade no ordenamento jurídico pátrio, conforme bem demonstrou o
Procurador-Geral do Estado.
Vale registrar que o assunto debatido nesta ação
não constitui nenhuma novidade para esse Egrégio Tribunal de Justiça, existindo
diversos precedentes específicos em que se discute a competência municipal para
impor sanções dessa natureza, em face da existência de previsão semelhante no
Código de Trânsito Brasileiro, e também a necessidade de garantir-se a ampla
defesa aos infratores:
“Trânsito. Transporte de passageiros sem
autorização do Poder Público. Apreensão de veículo. Legalidade, considerando-se
o poder de polícia da Administração local, que é competente para tanto (CF.,
art. 30, V). Liberação do veículo mediante pagamento das despesas com remoção e
estadia, mas não da multa. Inadmissível, outrossim, a segurança preventiva para
que ao Autoridade impetrada deixe de apreender o veículo do impetrante no
futuro, pelo fundamento de transporte irregular de passageiros. Segurança
concedida parcialmente. Sentença reformada. Recursos providos parcialmente.”
(Apelação Cível n.º 88.867-5/8, da Comarca de Santos, Rel. Des. EDUARDO BRAGA)
“Mandado
de Segurança - Ato administrativo - Apreensão pela fiscalização municipal de
veículo automotor utilizado no transporte coletivo clandestino e irregular -
Exigência do pagamento da multa e despesas com remoção e estadia do veículo
como condição para sua liberação - Redução do valor da multa sem que a parte
tenha requerido - Possibilidade de condicionar a liberação ao pagamento das
despesas havidas pela Municipalidade - Sentença reformada - Recurso
parcialmente provido.” (Apelação Cível n. 106.577-5 - Cubatão - 3ª Câmara de
Direito Público – Rel. Des. RUI STOCO - 22.02.00 – v.u.)
“Mandado
de Segurança - Transporte irregular de passageiros mediante pagamento –
Autolotação ou perua de aluguel - Apreensão do veículo e exigência do prévio
pagamento de multa e despesas para a sua liberação - Competência municipal
quanto a regulamentação do transporte coletivo urbano - Competência para a
organização, fiscalização, com aplicação de penalidade - Inconstitucionalidade
da lei local (Município de São Paulo), estabelecendo multa - ADIn. 45.468 -
Inconsistência desta - Retenção diante de situação irregular por transporte de
passageiro, mediante pagamento, sem a devida autorização - Competência
municipal para regular e fiscalizar transporte coletivo urbano - Segurança parcialmente
concedida para permitir a liberação apenas condicionada ao pagamento das
despesas com apreensão, menos a multa - Reexame e recurso voluntário não
providos.” (Apelação Cível n. 101.353-5 - São Paulo - 1ª Câmara de Direito
Público – Rel. Des. CAUDURO PADIN - 14.03.00 - v.u.)
“Mandado de Segurança - Transporte
irregular de passageiros mediante pagamento - Apreensão do veículo - Exigência
do pagamento da multa, despesas e estadia para liberação do veículo - Segurança
concedida em parte para liberação do veículo, dispensa do pagamento das
despesas, estadia e redução da multa - Reexame necessário e recurso do
Município, objetivando a cassação da segurança. A apreensão de veículo que é
utilizado sem o devido licenciamento da Municipalidade é legítima, sendo
cabível a exigência do pagamento das despesas, estadia para liberação do
veículo e multa aplicada em consonância com a legislação municipal.” (Apelação
Cível n. 105.219-5 - Cubatão - 1ª Câmara de Direito Público – Rel. Des. NIGRO
CONCEIÇÃO - 14.03.2000 - v.u.)
Em linhas gerais, e pelo que se depreende da
maioria dos Julgados acima reproduzidos, esse Egrégio Tribunal de Justiça
considera legítima a pena de apreensão de veículo, bem como de multa.
Também é aceita a exigência prévia de
pagamento das taxas e despesas com a remoção e estada para a liberação do
veículo apreendido nessas condições.
Outrossim,
não ferem a ampla defesa e a garantia do contraditório a apreensão do veículo e
a imposição de multa, na medida em que existe a possibilidade de interposição
de recurso.
Observe-se, também, que no tocante à imposição da
multa, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teria
competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade promovida com o
objetivo de declarar inconstitucional a Lei Municipal 8.445/01, já decidiu caso
análogo:
TJSP – “Trânsito – Previsão e
aplicação de multas pelo Município – Possibilidade – Edição de leis próprias
tendo em vista interesses locais – Competência do Poder de Polícia relacionado
à preservação do Patrimônio Público – Embargos rejeitados. Embora incumba à
União legislar sobre trânsito e tráfego, não há vedação ao Município quanto a
dispor, em lei própria e diante dos interesses locais que deve proteger e
cuidar, acerca da circulação e estacionamento de veículos sobre bens, como por
exemplo, calçadas, meios – fios, canteiros” ( TJSP – 8ª Câmara Civil – Embargos
Infringentes nº 163.721-1/sp – Rel. Des. Régis de Oliveira, decisão:
4-11-1992).
Assim, resta a análise da expressão “A apreensão
do veículo perdurará, no mínimo, por 48 (quarenta e oito) horas”.
O
referido texto é, realmente, inconstitucional, pois não é razoável que seja
estabelecido prazo mínimo para a apreensão.
Há
no caso, portanto, ofensa ao princípio da razoabilidade assegurado pelo artigo
111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Em
tais circunstâncias, aguardo o julgamento de parcial procedência
da presente ação direta a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade da
segunda parte do art. 117 do Decreto Estadual n. 29.913/89, destacada acima.
São
Paulo, 17 de dezembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA,
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça