Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 168.963-0/0-00

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Objeto: Lei nº 4.572, de 9 de junho de 2008, do Município de Catanduva

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei n.º 4.572, de 9 de junho de 2008, do Município de Catanduva, que impõe às instituições bancárias e financeiras o dever de afixar cartazes alertando os usuários sobre o tempo de espera para que sejam atendidos e atribui os ônus decorrentes do dever de fiscalizar à Administração. Projeto de lei de iniciativa parlamentar. Ofensa aos princípios federativo por versar matéria da competência legislativa da União, e da separação dos poderes. Criação de despesa, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 1º, 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.572, de 9 de junho de 2008, que impõe às instituições bancárias e financeiras o dever de afixar cartazes alertando os usuários sobre o tempo de espera para que sejam atendidos e atribui providências à Administração.

Sustenta o Alcaide que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal, com vício de iniciativa e violação do princípio da separação dos Poderes. A lei afinal promulgada dispõe sobre a administração do Município e, por isso, seria inconstitucional à luz dos artigos 5º e 144 da Carta Bandeirante.

O pedido liminar foi negado, pelo r. Despacho de fls. 21.

O Presidente da Câmara Municipal, citado por via postal (fls. 36), prestou as informações sobre o processo legislativo (fls. 26 e ss.).

 

2) Preliminarmente.

Requeiro a citação do Procurador-Geral do Estado, para que se cumpra o disposto no § 2º do artigo 90 da Constituição do Estado, verbis:

§ 2º - Quando o Tribunal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Procurador-Geral do Estado, a quem caberá defender, no que couber, o ato ou o texto impugnado.

 

3) Mérito.

A lei em análise tem a seguinte redação:

LEI Nº 4.572, DE 09 DE JUNHO DE 2.008

INSERE PARÁGRAFO ÚNICO AO ARTIGO 3º, DÁ NOVA REDAÇÃO E INSERE O PARÁGRAFO PRIMEIRO, SEGUNDO E TERCEIRO AO ARTIGO 7º, DA LEI Nº 4.059/ DE 06 DE MAIO DE 2.005 E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

(Projeto de Lei nº 23/08 - Vereador Daniel Palmeira)

Autógrafo nº 5.135

MARCOS ANTONIO CRIPPA: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva, Estado de São Paulo, usando de suas atribuições legais e com base no inciso IV, do artigo 32 combinado com o § 8º, do artigo 55, da Lei Orgânica do Município de Catanduva, promulga a seguinte Lei:

Art. 1º - O Artigo 3º e 7º, da Lei nº 4059 de 06 de maio de 2005 passam a vigorarem com as seguintes novas redações:

Art. 3º - ...

Parágrafo Único - As instituições financeiras deverão afixar em local visível nas agências bancárias, cartazes com dimensões adequadas para observância em todo o recinto, contendo os seguintes dizeres: Os usuários dos serviços bancários deverão ser atendidos em até 20 (vinte) minutos em dias normais ou em até 30 minutos às vésperas e após os feriados prolongados. Em caso do não cumprimento desta lei denuncie: PROCON 3531-9138 – PREFEITURA 3531-9191 E 3531-9192.

Art. 7º - Qualquer usuário poderá requerer à Prefeitura Municipal ou ao órgão municipal de defesa do consumidor - Praça Conde Francisco Matarazzo, s/nº - Fone (OXX) 17 3524-9600 - CEP 15800-031 - Catanduva – SP - PROCON, conforme regulamento, denúncia devidamente comprovada contra agência ou estabelecimento bancário que descumpriu a presente Lei, através de um requerimento protocolizado na Prefeitura Municipal de Catanduva ou no órgão municipal de defesa do consumidor - PROCON.

Parágrafo Primeiro - Os usuários poderão também denunciar através do telefone da Prefeitura Municipal de Catanduva ou do PROCON, comunicando que naquele momento a Lei não esta sendo cumprida em determinada agência.

Parágrafo Segundo - Os órgãos municipais poderão disponibilizarão fiscais para comparecerem ao local da infração e constatar a irregularidade denunciada, aplicando inclusive multas em caso de comprovação do não cumprimento desta Lei.

Parágrafo Terceiro - No caso do comparecimento dos fiscais na agência denunciada, os mesmos poderão aplicar mais de uma multa, podendo inclusive ser uma para cada pessoa que se sentir prejudicada naquele momento.

Art. 2º - O Executivo Municipal tomará as providências legais e administrativas para complementar a regulamentação que trata o artigo 9º da Lei 4059, de 06 de maio de 2005.

Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

CÂMARA MUNICIPAL DE CATANDUVA, AOS 09 DIAS DO MÊS DE JUNHO DO ANO DE 2.008.

Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador Daniel Palmeira e tem por escopo obrigar os estabelecimentos bancários a atender seus usuários em até 20 ou 30 minutos, sob pena de multa. A norma também prevê a obrigatoriedade de afixação de cartazes nesses estabelecimentos e determina à Administração que disponibilize telefones para o encaminhamento das reclamações e fiscais para a constatação das irregularidades.

É sabido, no entanto, que compete à União legislar sobre os serviços bancários e que esse E. Tribunal de Justiça já declarou inconstitucionalidade de lei municipal que tratava da matéria, divisando a violação do Princípio Federativo, reproduzido nos artigos 1º. e 144 da Constituição do Estado:

INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal que dispõe sobre o funcionamento de bancos, marcando prazo para que os caixas atendam os usuários, sob pena de serem penalizados os estabelecimentos - Ação Direta julgada procedente, por ofensa aos artigos 1º. e 144 da Constituição Estadual - É inválida a lei municipal que dispõe sobre matéria da competência exclusiva da União, visto contrariar frontalmente o Princípio Federativo, contemplado expressamente na Carta paulista (ADIN - 74.304-0/4).

De outro giro, há de se dar razão ao Alcaide quando afirma o vício de iniciativa da lei impugnada.

É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que a lei em análise, concebida na Câmara dos Vereadores, impõe à Administração o ônus de manter telefones disponíveis para o recebimento das reclamações e servidores para constatar as irregularidades denunciadas.

Invade-se, à evidência, a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

 

No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante (embora não mencionado na inicial), que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, do que decorre sua incompatibilidade com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos destacados, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

 

4) Conclusão.

Diante do exposto, superada a preliminar, somos pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.572, de 9 de junho de 2008, do Município de Catanduva.

 

São Paulo, 5 de janeiro de 2009.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

jesp