Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 168.973.0/6

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Objeto: Emenda n. 16, de 13 de setembro de 2005, à Lei Orgânica do Município de Catanduva.

 

 

Emenda n. 16, de 13 de setembro de 2005, à Lei Orgânica do Município de Catanduva, que impõe ao Prefeito que solicite autorização da Câmara Municipal para se ausentar do País, por qualquer motivo e independentemente do período em que ficará ausente. Ingerência indevida de um Poder sobre o outro, que não encontra simetria com o artigo 44 da CE. Afronta ao princípio da separação dos Poderes (art. 5º. CE). Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade proposta por Prefeito Municipal.

 

           

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

1) Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Emenda n. 16, de 13 de setembro de 2005, à Lei Orgânica do Município de Catanduva.

Sustenta o autor que a Emenda em análise, que exige que o Prefeito solicite autorização da Câmara Municipal para se ausentar do país, por qualquer motivo e independentemente do período em que ficará ausente do País, não encontra paralelo na Constituição Paulista e configura a ingerência de um Poder sobre o outro. Divisa violação dos artigos 5º., 20, IV e 144 da Carta Bandeirante.

O pedido liminar de suspensão da vigência e eficácia da Emenda foi denegado pelo r. Despacho de fls. 84.

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 97 e ss., em defesa da norma impugnada. Informou igualmente sobre a regularidade do processo legislativo.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 93).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2) Fundamentação.

A Emenda 16/05 está assim redigida:

 

A Câmara Municipal de Catanduva aprova:

Art. 1º. – Fica acrescentado ao artigo 65 da Lei Orgânica do Município de Catanduva o seguinte parágrafo único:

“Seção III

DAS LICENÇAS

Art. 65 - ...

Parágrafo único – quando a ausência for em virtude de viagem ao exterior, por qualquer motivo, o Prefeito deverá solicitar autorização a Câmara Municipal, independentemente do período em que estará ausente do País”.

A Constituição Federal (artigos 49, inciso III, e 83) dispõe que o Presidente e o Vice (quando em exercício) não poderão ausentar-se do País, sem licença do Congresso Nacional, por período superior a quinze (15) dias, sob pena de perda do cargo.

O artigo 44 da Constituição Estadual também prevê a necessidade de licença prévia da Assembléia Legislativa para que o Governador e o Vice (quando em exercício) possam se ausentar do Estado por mais de quinze (15) dias.

Nota-se, pela análise dos referidos dispositivos, que o legislador municipal suprimiu o prazo estabelecido na Constituição Federal, e mantido pela Constituição Estadual, para o afastamento do chefe do Executivo, sem a necessidade de licença prévia do Legislativo. A supressão desse prazo não é possível, o que nos leva a reconhecer a sua flagrante inconstitucionalidade.

Com a promulgação da Emenda, o Prefeito e o Vice (quando em exercício) tornar-se-ão reféns da Câmara Municipal sempre que tiverem de se ausentar do país. Cuida-se, evidentemente, de uma situação anômala, de ingerência de um Poder no outro, sem paralelo nas Constituições Federal e Estadual.

Cogite-se de uma situação meramente hipotética de Câmara Municipal composta por maioria de opositores. O Prefeito poderia se ver impossibilitado de deixar o País durante todo o seu mandato. A mera possibilidade da ocorrência deste fato, que guarda estreita relação de identidade com o caso em discussão, é suficiente para demonstrar que, se permitida a redução do prazo previsto na Constituição Federal, haverá submissão indevida do Executivo ao Legislativo.

Sendo assim, não se pode deixar de reconhecer que o dispositivo em exame afronta o princípio da independência e harmonia entre os poderes (artigo 5º da Constituição Estadual).

Aspecto importante a ser mencionado, neste ponto, é o de que o Município, no seu poder de auto-organização, tem limites constitucionais bem explícitos, de que cogita o artigo 29, “caput”, da Constituição da República. É dizer: o Município organiza-se e rege-se por sua Lei Orgânica e demais leis que adotar, mas para atingir tal desiderato há que observar os princípios da Constituição da República e os da Constituição do respectivo Estado. É autônomo o Município, nos termos da Constituição; e autonomia não significa apropriação de liberdade ilimitada para dispor normativa e organizacionalmente sobre os poderes municipais. Há que se respeitar a fonte única dos poderes: a Constituição da República (Cf. José Nilo de Castro, in Direito Municipal Positivo, Del Rey, 3ª edição, p. 66).

Em síntese, deveria o legislador municipal, no processo de elaboração da Lei Orgânica do Município, ter se limitado a reproduzir, nesse ponto, o texto constitucional, adotando-o como parâmetro, sem querer inovar, ainda que bem intencionado, do modo como fez.

Em Julgado que se aplica integralmente a este caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, com relação a esse tema, deve existir simetria de tratamento entre as autoridades do Executivo Federal e Estadual (e também Municipal), como se vê, a propósito, da Ementa a seguir transcrita:

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. LICENÇA PARA SE AUSENTAREM DO PAÍS POR QUALQUER PERÍODO.

1.                 Afronta os princípios constitucionais da harmonia e independência entre os Poderes e da liberdade de locomoção norma estadual que exige prévia licença da Assembléia Legislativa para que o Governador e o Vice-Governador possam ausentar-se do País por qualquer prazo.

2.                Espécie de autorização que, segundo o modelo federal, somente se justifica quando o afastamento exceder a quinze dias. Aplicação do princípio da simetria. Precedentes.

Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (STF – Pleno, ADI n.º 738-6 Goiás, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, v.u., j. em 13 de novembro de 2002.)

Portanto, inexiste dúvida quanto à possibilidade de o Prefeito ausentar-se do Município por até quinze dias, independentemente de autorização da Câmara, prazo este que não poderá ser reduzido, conforme entendimento assente nesse Egrégio Tribunal de Justiça e no Excelso Pretório, por repercutir tal iniciativa no delicado sistema de relacionamento entre os poderes locais.

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Emenda n. 16, de 13 de setembro de 2005, à Lei Orgânica do Município de Catanduva.

 

São Paulo, 13 de novembro de 2008.

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça

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