Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Órgão Especial
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 168.980-0/8-00
Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Requerida: Câmara Municipal de São José do Rio Preto
PARECER
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.199, de 22 de agosto de 2008, que alterou § 1º do art. 3º da Lei n. 8.404, de 20 de julho de 2001, do Município de São José do Rio Preto: inclusão no parcelamento de débitos de natureza tributária dos valores referentes ao pagamento de custas, emolumentos e verbas da sucumbência.
1. Parcelamento de tributo: natureza jurídica de moratória (arts. 146, III, Constituição Federal; arts. 97, VI e 152, I, a, II, Código Tributário Nacional).
2. Lei de iniciativa parlamentar. Alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes do qual deriva a iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Inexistência de reserva de iniciativa em matéria tributária. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Direito estrito que não se presume.
3. Sistema tributário nacional. Discriminação de rendas tributárias: competências tributárias exclusivas, salvo nas taxas cuja competência legislativa é comum a todas as pessoas políticas em razão das atividades por eles desempenhadas (arts. 145, II, Constituição Federal e 163, II, Constituição Estadual). Taxa é tributo contraprestacional e vinculado, cuja competência tributária é correspondente à competência da pessoa jurídica de direito público para o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviço público específico e divisível. Princípio de inerência ao próprio sistema tributário nacional que repousa na definição de taxa contida nas Constituição Federal (art. 145, II) e Estadual (art. 163, II). Só pode conceder moratória quem detém competência para instituição do tributo.
4. Custas e emolumentos. Natureza jurídica de taxa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Competência legislativa concorrente federal e estadual sobre a matéria (art. 24, IV, Constituição Federal) que os Municípios não têm qualquer potencial ou concreto interesse peculiar, e nem se legitimam a legislar, direta ou indiretamente.
5. Controle
abstrato de constitucionalidade de norma local em face da Constituição
Estadual: seu alcance se estende ao conjunto de dispositivos desta, aos
preceitos constitucionais federais nela reproduzidos ou remetidos e, inclusive,
os princípios explícitos ou implícitos, como o pacto federativo e a repartição
de competências.
6. Invasão da esfera de competência normativa estadual (art. 24, IV, Constituição Federal; art. 19, I, Constituição Estadual) e infringência do esquema de repartição de competências inerente ao princípio federativo (arts. 1º, 18, 24, IV, 25, 29, 30, Constituição Federal) inclusive no aspecto tributário (arts. 30, III e 145, II, Constituição Federal).
7. Infringência caracterizadora de violação aos arts. 1º, 19, I, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Procedência da ação.
Egrégio Tribunal,
Colendo Órgão Especial,
Douto Relator:
1. Trata-se de
ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 10.199, de 22 de
agosto de 2008, que alterou § 1º do art. 3º da Lei n. 8.404, de 20 de julho de
2001, do Município de São José do Rio Preto, que inclui no parcelamento de
débitos de natureza tributária dos valores referentes ao pagamento de custas,
emolumentos e verbas da sucumbência, alegando violação à repartição
constitucional de competências e invasão da esfera da competência legislativa
estadual (arts. 1º e 19, I, Constituição do Estado de São Paulo), disciplina de
matéria extra-orçamentária além de ausência e previsão de recursos
financeiro-orçamentários no âmbito municipal para o adiantamento de custas
(fls. 02/07).
2. Liminar foi
deferida à vista de provável vício de iniciativa (fl. 30). A douta
Procuradoria-Geral do Estado manifestou desinteresse no processo (fls. 42/44) e
a Câmara Municipal prestou informações (fls. 46/47) acompanhadas de cópia do
processo legislativo.
3. É o
relatório.
4. A Lei n.
8.404/01 autorizou o Poder Executivo ao parcelamento dos créditos municipais,
abrangendo débitos ajuizados ou não, e em sua redação original dispunha, no que
interessa ao objeto deste processo, da seguinte maneira:
“Art. 3º. Sem prejuízo da competência
do Secretário Municipal de Finanças e do Secretário Municipal de Negócios
Jurídicos, cada qual em sua área de atuação, serão competentes para deferir os
pedidos de parcelamento:
I – em se tratando de débitos não
ajuizados: o Departamento da Dívida Ativa da Secretaria Municipal de Finanças.
II - em se tratando de débitos
ajuizados: o Departamento de Execução Fiscal da Secretaria Municipal de
Negócios Jurídicos.
§ 1º. O parcelamento dos débitos
ajuizados não dispensa o pagamento de custas, emolumentos judiciais e verbas da
sucumbência”.
5. Pressuposto
é o crédito tributário ou extratributário decorrente de receitas lato sensu da competência municipal.
6. Claro,
outrossim, que a redação original do § 1º do art. 3º da Lei n. 8.404/01,
excluía explicitamente do parcelamento o pagamento de custas, emolumentos judiciais
e verbas da sucumbência.
7. Com a
edição da Lei n. 10.199/08, de iniciativa parlamentar, cujo veto aposto pelo
Prefeito foi derrubado, o citado § 1º do art. 3º da Lei n. 8.404/01 passou a
ter a seguinte redação:
“§ 1º. O parcelamento dos débitos ajuizados
não dispensa o pagamento de custas, emolumentos judiciais e verbas da
sucumbência, que serão incluídos no parcelamento total” (fl. 09).
8. Se, antes,
por uma única interpretação possível, custas, emolumentos e verbas da
sucumbência não se inseriam no parcelamento, a partir daí, ocorreu exatamente o
inverso: tais verbas são passíveis de inclusão no parcelamento.
9. O veto
executivo se assentou nas premissas de vícios de iniciativa legislativa
reservada e incompetência legislativa municipal porque custas e emolumentos
pertencem ao domínio normativo estadual e verbas da sucumbência à esfera
normativa federal, além de aspectos de mérito (fls. 11/15), na conformidade de
parecer da Comissão de Justiça e Redação da Edilidade (fls. 49/50, 57).
10. No caso, o
Município de São José do Rio Preto não concedeu anistia ou remissão; tão
somente moratória. Anistia é exclusão do crédito tributário decorrente de
dívida penal tributária, dispensando-se o cumprimento da obrigação correlata
(arts. 175, II,
11. Sem dúvida trata-se
de moratória (art. 151, I, Código Tributário Nacional), causa de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, consistente na “prorrogação do prazo para
pagamento do crédito tributário, com ou sem parcelamento” (Hugo de Brito
Machado. Curso de Direito Tributário,
São Paulo: Malheiros, 2001, 19ª ed., pp. 149-151) e que “não dispensa o
cumprimento das obrigações tributárias acessórias dependentes da obrigação
principal cujo crédito seja suspenso, ou dela decorrentes” (art. 151, parágrafo
único, Código Tributário Nacional). Ela é instituída, sob reserva legal, em
caráter geral, pela pessoa jurídica de direito público para instituição do
tributo a que se refira, ou, em caráter individual por despacho da autoridade
administrativa autorizada por lei (arts. 97, VI e 152, I, a, II, Código Tributário Nacional), e consiste na concessão legal
de um período de tolerância na exigência de dívidas, devendo a lei estabelecer
prazo e condições, os tributos a que se aplica e número de prestações e seus
vencimentos dentro do prazo (art. 153, I a III, Código Tributário Nacional).
Registre-se que a Lei Complementar n. 104/01 incluiu novo inciso no art. 151
prevendo (como hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário) o
parcelamento, sentido como “mais uma inovação inteiramente inútil porque o
parcelamento nada mais é do que uma modalidade de moratória” e que não exclui
os juros de mora devidos após o ato (Hugo de Brito Machado. Curso de Direito Tributário, São Paulo:
Malheiros, 2001, 19ª ed., pp. 149-151).
12. O primeiro
aspecto a exigir reflexão é o da competência legislativa. O sistema tributário
nacional é matéria constitucional, de observância compulsória a todas as
entidades da federação brasileira, porque se relaciona diretamente à
interferência estatal na propriedade privada e a própria composição funcional
do esquema federativo de Estado. Em maior escala, ele se articula mediante
princípios gerais impositivos a todos os entes da federação (art. 145,
Constituição Federal) e à reserva de lei complementar de caráter nacional
referente a matérias específicas (arts. 146 e 146-A, Constituição Federal).
13. De outra
parte, ele institui limitações constitucionais ao poder de tributar como
reflexo dos direitos de primeira geração (os direitos de liberdade),
inscrevendo limite negativo à interferência estatal na esfera de direitos das
pessoas de seu território de modo a balancear a tensão entre valores
fundamentais contrapostos - soberania e poder de tributar (modo de arrecadação
de receita pública) e propriedade. Corolário é, como projeção da Magna Charta Libertatum inglesa de 1215
(12 e 14), a reserva de lei para criação ou aumento de tributos de que se ocupa
tradicionalmente o direito brasileiro no art. 150, I, da Constituição Federal,
reproduzido no art. 163, III, da Constituição Estadual.
14. Em razão da estrutura (forma) federativa
de Estado, adotada no Brasil com a Constituição de 1891, para evitar conflitos
intrafederativos – e seus reflexos desfavoráveis aos contribuintes - integra o
sistema tributário nacional a denominada discriminação de rendas tributárias,
de expressiva fundamentalidade ao federalismo, à vista da autonomia conferida
aos sujeitos federados.
15. Tributos são
instituídos por leis de cada ente federativo a partir de hipóteses de
incidência concebidas pela mencionada técnica constitucional, observados os
preceitos de lei complementar de caráter nacional (art. 145, 146, I e III,
16. Essa
discriminação significa a distribuição de competências privativas a cada um dos
entes federados (Ruy Barbosa Nogueira. Curso
de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1986, 6ª. ed., pp. 137-140),
cuja visualização é fácil em relação a impostos, empréstimos compulsórios e
contribuições parafiscais (arts.
17. Relativamente
a taxas a identificação da competência tributária não é simples. Sua definição dada
no inciso II do art. 145 da Constituição Federal, reproduzida no art. 160, II,
da Constituição Estadual, em verdade, retrata o conceito do Código Tributário
Nacional (arts. 77 e 79).
18. A
Constituição Federal fornece, ad esempia,
uma indicação no art. 30, III, declarando competência aos Municípios para
instituição (normativa) e arrecadação (executiva) dos tributos de sua
competência. A alusão a tributos os toma em gênero, não
19. A doutrina sob
o império da Constituição de 1967 com a redação dada pela Emenda n. 01/69
explicava que à luz do caráter contraprestacional e vinculado da taxa a
competência tributária correspondia à competência administrativa para o
exercício do poder de polícia ou a prestação de serviços públicos específicos e
divisíveis (Ruy Barbosa Nogueira. Curso
de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1986, 6ª. ed., p. 141; Aliomar
Baleeiro. Direito Tributário Brasileiro,
Rio de Janeiro: Forense, 1971, 3ª ed., p. 299) e, por isso, a característica
singular das taxas no federalismo tributário brasileiro é a competência
legislativa comum (Ruy Barbosa Nogueira. Curso
de Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, 1986, 6ª. ed., p. 172). Sob a
égide da Constituição de
20. Portanto, a
superposição de taxas instituídas por pessoas jurídicas de direito público
diferentes sobre idênticas hipóteses de incidência é vedada como princípio de
inerência ao próprio sistema tributário nacional que repousa na definição de
taxa contida nas Constituição Federal (art. 145, II) e Estadual (art. 163, II),
porque “a Carta Constitucional distribui a competência para o exercício do
poder de polícia, assim como para prestação de serviços públicos. Destarte, só
é regulável juridicamente a taxa cobrada com fundamento no poder de polícia
próprio de quem a institui” (Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Financeiro e Direito Tributário, São Paulo:
Saraiva, 1992, 2ª ed. p. 127).
21. O segundo
aspecto de relevo reside na natureza jurídica das custas e emolumentos. Custas
são as parcelas devidas ao Estado ou à União em razão do exercício da atividade
jurisdicional; emolumentos são as despesas decorrentes dos atos processuais
(José Alonso Beltrame, Régis Fernandes de Oliveira e Rui Stoco. O Procedimento na cobrança da dívida ativa
da Fazenda Pública, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, pp. 46-47): são
taxas (Sacha Calmon Navarro Coelho. Comentários
à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, Rio de Janeiro: Forense, 1990,
2ª ed., p. 46) bem amoldadas às definições constitucionais e
infraconstitucionais porque consubstanciam contraprestação pecuniária pela
prestação de serviço público específico e divisível. Neste sentido, a
jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS.
LEI ESTADUAL QUE CONCEDE ISENÇÃO: CONSTITUCIONALIDADE. Lei 12.461, de 7.4.97,
do Estado de Minas Gerais. I.- Custas e emolumentos são espécies tributárias,
classificando-se como taxas. Precedentes do STF. II.- À União, ao Estado-membro
e ao Distrito Federal é conferida competência para legislar concorrentemente
sobre custas dos serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no
âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais, certo
que, inexistindo tais normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (C.F., art. 24, IV, §§ 1º
e 3º). III.- Constitucionalidade da Lei 12.461/97, do Estado de Minas Gerais,
que isenta entidades beneficentes de assistência social do pagamento de
emolumentos. IV.- Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente”
(STF, ADI 1.624-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 08-05-2003, v.u.,
DJ 13-06-2003, p. 08).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CABIMENTO.
PROVIMENTO Nº 09/97 DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO.
EMOLUMENTOS: PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. 1. Provimento nº
9/97, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Mato Grosso. Caráter
normativo. Controle concentrado de constitucionalidade. Cabimento. 2. Hipótese
em que o controle normativo abstrato não se situa no âmbito da legalidade do
ato, mas no exame da competência constitucional da autoridade que instituiu a
exação.
“I. Taxa Judiciária: sua legitimidade
constitucional, admitindo-se que tome por base de cálculo o valor da causa ou
da condenação, o que não basta para subtrair-lhe a natureza de taxa e
convertê-la em imposto: precedentes (ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC
1.772-MG, 15.4.98, Velloso). II. Legítimas em princípio a taxa judiciária e as
custas ad valorem afrontam, contudo,
a garantia constitucional de acesso à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV) se a
alíquota excessiva ou a omissão de um limite absoluto as tornam
desproporcionadas ao custo do serviço que remuneraram: precedentes (Rp
1.077-RJ, 28.3.84, Moreira, RTJ 112/34; Rp 1.074- , 15.8.84, Falcão, RTJ
112/499; ADIn 948-GO, 9.11.95, Rezek; ADIn MC 1.378-5, 30.11.95, Celso, DJ
30.5.97; ADIn MC 1.651-PB, Sanches, DJ 11.9.98; ADIn MC 1.772-MG, 15.4.98,
Velloso). III. ADIn: medida cautelar: não se defere, embora plausível a
argüição, quando - dado o conseqüentes restabelecimento da eficácia da
legislação anterior - agravaria a inconstitucionalidade denunciada: é o caso em
que, se se suspende, por aparentemente desarrazoada, a limitação das custas
judiciais a 5% do valor da causa, seria restabelecida a lei anterior que as
tolerava até 20%. IV. Custas dos serviços forenses: matéria de competência
concorrente da União e dos Estados (CF 24, IV), donde restringir-se o âmbito da
legislação federal ao estabelecimento de normas gerais, cuja omissão não inibe
os Estados, enquanto perdure, de exercer competência plena a respeito (CF, art.
24, §§ 3º e 4º). V. Custas judiciais são taxas, do que resulta - ao contrário
do que sucede aos impostos (CF, art. 167, IV) - a alocação do produto de sua
arrecadação ao Poder Judiciário, cuja atividade remunera; e nada impede a
afetação dos recursos correspondentes a determinado tipo de despesas - no caso,
as de capital, investimento e treinamento de pessoal da Justiça - cuja finalidade
tem inequívoco liame instrumental com o serviço judiciário” (STF, ADI-MC
1.926-PE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-04-1999, v.u., DJ
10-09-1999, p. 02).
“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E
EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda
Constitucional nº 1/69, julgando a Representação nº 1.094-SP, o Plenário do Supremo
Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que ‘as custas e os emolumentos
judiciais ou extrajudiciais’, por não serem preços públicos, ‘mas, sim, taxas,
não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio
constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda
Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante
delegação legislativa’ (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2.
Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE nº 116.208-MG. 3.
Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição atual (de 1988),
cujo art. 24 estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do
Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços forenses (inciso IV)
e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos municípios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que o estabeleça. 4.
O art. 145 admite a cobrança de ‘taxas, em razão do exercício do poder de
polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos
específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição’.
Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais
(emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que
prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso
presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de
Resolução - do Tribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela
Constituição Federal. 5. Aqui não se trata de ‘simples correção monetária dos
valores anteriormente fixados’, mas de aumento do valor de custas judiciais e
extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta julgada procedente, para
declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 07, de 30 de junho de 1995,
do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná” (STF, ADI 1.444-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney
Sanches, 12-02-2003, v.u., DJ 11-04-2003, p. 25).
22. Da leitura
destes acórdãos percebe-se que, para além da definição de sua natureza jurídica
e outros alcances (atividades abrangidas, vinculação etc.), a matéria é
submetida (como, aliás, todo tributo) à reserva legal (princípio da legalidade
absoluta ou em sentido estrito) e se insere na competência normativa
concorrente entre União, Distrito Federal e Estados, nos termos do art. 24, IV,
da Constituição Federal, cujo âmbito de operosidade normativa orienta-se pelas
balizas dos §§ 1º a 4º desse art. 24. Entende-se que não se trata da disciplina
processual das custas e emolumentos, mas, o exercício da própria competência
estadual para o regime dessa espécie tributária (valores, prazos) no que se
refere à prestação do serviço judiciário, embora consentida supletivamente
competência legislativa plena estadual sobre o assunto.
23. Nessa
matéria os Municípios não têm qualquer potencial ou concreto interesse
peculiar, e nem se legitimam a legislar, direta ou indiretamente, porque “em
virtude do pacto federativo, cada ente da federação é detentor de competências
tributárias exclusivas. Ditas competências não podem ser invadidas, sob pena de
quebra do pacto” (Iso Chaitz Scherkekewitz. Sistema
Tributário Constitucional, Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 56).
24. O pacto
federativo é estabelecido exatamente através da repartição de competências
entre os entes federados à vista da outorga das respectivas autonomias por
critérios horizontais (privativas e exclusivas), através da enumeração das
competências federais e municipais ou verticais e das residuais às estaduais,
ou verticais (comuns e concorrentes próprias ou impróprias) pressupondo a
simultaneidade de ação de cada um deles (Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Junior. Curso de Direito
Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1999, 3ª ed., pp. 179, 189-195), como
se infere dos arts. 1º, 18,
25. Ao
Município, sob o pálio do art. 30, II, da Constituição Federal, não é dado
legislar supletivamente à legislação federal ou estadual sobre qualquer matéria,
mas, em relação a assuntos de seu interesse local ou para atuar suas
competências materiais (privativas ou comuns), desde que não haja contrariedade
às normas federais ou estaduais. No caso, isso sequer é admissível porque embora
aos Municípios seja reconhecida autonomia, com expressão de sua
auto-organização em lei orgânica, ela está sujeita à observância dos princípios
estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do Estado (art. 29,
Constituição Federal).
26. A lei local,
ao incluir no parcelamento de débitos tributários, custas e emolumentos
judiciais, invadiu a esfera de competência normativa estadual (art. 24, IV,
Constituição Federal) e infringiu o esquema de repartição de competências
inerente ao princípio federativo (arts. 1º, 18, 24, IV, 25, 29, 30,
Constituição Federal) inclusive no aspecto das competências tributárias (arts.
30, III e 145, II, Constituição Federal; art. 160, II, Constituição Estadual),
pois, só pode conceder moratória quem detém competência para instituição do
tributo (Aliomar Baleeiro. Direito
Tributário Brasileiro, Rio de Janeiro: Forense, 1971, 3ª ed., p. 470). Dos
arts. 25 e 29 da Constituição Federal decorrem a supremacia da Constituição
Estadual em relação a leis ou atos normativos locais, abarcando todos os seus
preceitos reproduzidos (obrigatoriamente ou não), remissivos, imitados ou
implícitos de observância compulsória (princípios sensíveis e extensíveis;
normas de preordenação institucional; princípios constitucionais estabelecidos)
da Constituição Federal, ou, autonomamente estabelecidos (Léo Ferreira Leoncy. Controle de constitucionalidade estadual,
São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 82-94).
27. Para efeito
de fiscalização abstrata de constitucionalidade da lei municipal essa
infringência caracteriza violação aos arts. 1º e 144 da Constituição do Estado
de São Paulo, in verbis:
“Art. 1º. O
Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as
competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.
(...)
Art. 144.
Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira
se auto organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
28. A doutrina
já resolveu a questão dos princípios que devem os Estados observar (o que,
obviamente, aplica-se aos Municípios, já
agora por força do art. 144 da Constituição do Estado). Na glosa ao art. 25 da
Constituição da República, que direcionar as competências dos Estados (como o
art. 144 da Constituição do Estado condiciona as competências dos Municípios),
Manoel
29. A exegese
contemporânea aponta um poder constituinte derivado aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios. Ele é dimensionado pela supremacia dos princípios da
Constituição Federal e gera duas conseqüências: a primeira é a impossibilidade
de afronta ao preceito constitucional originário pelo derivado; a segunda
significa que “se um preceito constitucional federal não estiver expressamente
previsto nas leis orgânicas e Constituições Estaduais, deve o mesmo ser
considerado ‘princípio implícito’.” (Rogério Vidal Gandra da Silva Martins e
José Ruben Marone. Comentários ao Código
Tributário Nacional, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 31, coordenação
Carlos Valder do Nascimento). Daí se estende a mesma proporção entre a
Constituição Estadual e a lei local.
30. A própria
Constituição do Estado definindo os tributos da competência estadual,
reproduziu literalmente o art. 145, II, da Constituição Federal, no art. 160, II,
cuja combinação com o seu art. 144, implica, de per si, a inconstitucionalidade. Pelos mesmos motivos, independentemente
de serem ou não preceitos autônomos ou de reprodução ou observância obrigatória
no plano constitucional estadual, como o Município conferiu moratória a
receitas próprias do Estado (taxas e emolumentos), afrontou diretamente os
arts. 19, I, e 163, § 6º, da Constituição Estadual, verbis:
“Art. 19. Compete à Assembléia
Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de
competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente
sobre:
I – sistema tributário estadual,
instituição de impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuição
social;
(...)
Art. 163. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:
(...)
§ 6º. Qualquer subsídio ou isenção,
redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser
concedidos mediante lei estadual específica, que regule exclusivamente as
matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem
prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal”.
31. É admissível
assentar que a lei local diretamente violou a competência estadual para
disciplina de suas taxas, afrontando diretamente o art. 19, I, da Constituição
Estadual, ainda que não se dispense ao § 6º do art. 163 da Carta Paulista
interpretação que corresponda a inserção de qualquer causa de suspensão ou
exclusão do crédito tributário, o que não é desarrazoado porque somente lei
estadual específica pode autorizar moratória de tributo estadual (art. 146,
Constituição Federal c.c. o art. 144 da Constituição Estadual).
32. Por fim, não
se empolga com a perspectiva de violação da cláusula de separação dos poderes. Regra
é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a
atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que,
por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição
salientando que “a distribuição das funções entre os órgãos do Estado
(poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder
Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao
princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a
título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro
poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos
em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete,
criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do
princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções
correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593). Neste sentido, colhe-se da Suprema
Corte:
“A iniciativa reservada, por
constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta
interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de
instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma
constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
33. E
especificamente em matéria tributária:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº
553/2000, DO ESTADO DO AMAPÁ. DESCONTO NO PAGAMENTO ANTECIPADO DO IPVA E
PARCELAMENTO DO VALOR DEVIDO. BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS. LEI DE INICIATIVA
PARLAMENTAR. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL. 1. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b da
Constituição Federal lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa
estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste
dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do Chefe do Poder
Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes:
ADI nº 2.724, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 02.04.04, ADI nº 2.304, rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 15.12.2000 e ADI nº 2.599-MC, rel. Min. Moreira Alves,
DJ 13.12.02
34. Opino pela
procedência da ação para declaração integral da inconstitucionalidade da Lei n.
10.199, de 22 de agosto de 2008, que alterou o § 1º do art. 3º da Lei n. 8.404,
de 20 de julho de 2001, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 13 de novembro de 2008.
MAURÍCIO AUGUSTO GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
No exercício de função delegada
Pelo Procurador-Geral de Justiça