Parecer
Processo nº 169.181.0/9-00
Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio
Preto
Objeto: Lei nº 8.129, de 4 de dezembro de 2000, do
Município de São José do Rio Preto
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade movida por Prefeito em face da Lei nº 8.129, de 4 de dezembro de 2000, do Município de São José do Rio Preto, que exclui os proprietários de imóveis com poços semi-artesianos da obrigatoriedade da instalação de hidrômetro. Lei tributária benéfica, de iniciativa de Vereador, que implica em diminuição de receita da autarquia municipal instituída para a prestação dos serviços de água e esgoto, com impacto no orçamento. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, por ofensa aos artigos 2º., 5º. e 25, da Constituição do Estado. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
1) Relatório.
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 8.129, de 4 de dezembro de 2000, que “altera a redação do parágrafo 1º. do art. 2º. Da Lei nº 6.736, de 14 de julho de 1997, excluindo os proprietários de imóveis com poços semi-artesianos da obrigatoriedade da instalação de hidrômetro” (fls. 25).
Sustenta o Alcaide que a lei em análise, que foi concebida por Vereador, impede que o SEMAE – autarquia municipal – cobre pelo esgoto coletado dos imóveis dotados de poços semi-artesianos, o que gera despesa sem a correspondente previsão orçamentária. Aponta vício de iniciativa e, destarte, ofensa ao princípio da separação dos Poderes, indicando como violados os artigos 2º., 5º. e 25 da Constituição Bandeirante.
O Excelentíssimo Desembargador Relator deferiu a liminar postulada. Considerou presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora e suspendeu a eficácia e a vigência da Lei n.º 8.219/00 (fls. 51).
Intimada, a Câmara Municipal prestou informações (fls. 61).
A Douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei em análise, por entender que trata de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 74).
É este, em resumo, o conteúdo dos autos.
2) Fundamentação.
O art. 2º. e seu § 1º da Lei nº 6.736, de 14 de julho de 1997, previam o seguinte:
Art. 2º. – Fica obrigatória a instalação de hidrômetros em imóveis que possuam poços semi-artesianos para a medição do consumo, sendo que a Prefeitura Municipal lançará Taxa de Esgoto sobre a leitura efetuada no mês. A taxa de Esgoto incidirá em 80% da leitura efetuada mensalmente.
§ 1º - O proprietário de poço semi-artesiano que disponibilizar fonte de água à população, terá a taxa de esgoto reduzida, em caráter de utilidade pública, em 50%.
A Lei nº 8.219, de 4 de dezembro de 2000, ora impugnada, alterou o § 1º, do artigo 2º., acima transcrito, que passou a viger com a seguinte redação:
§ 1º - Fica excluído da obrigatoriedade prevista no caput deste artigo o proprietário de imóvel que possua poço semi-artesiano que disponibilizar fonte de água à população, devidamente comprovada através da fixação de torneira em local visível ao público, exceto prédio com mais de um pavimento.
A questão em pauta já foi analisada por esse C. Órgão Especial, no julgamento da ADI nº 109.680-0/7-00, ajuizada pelo Prefeito de Presidente Venceslau em razão da Lei nº2.345/02 daquela Municipalidade. Na ocasião, em desacordo com o parecer desta Procuradoria-Geral de Justiça, julgou-se inconstitucional, por afronta aos artigos 5º., 144 e 174 da Constituição Estadual, a norma que excluía da cobrança de água os imóveis dotados de poços semi-artesianos que disponibilizavam água à população. O Acórdão possui a seguinte Ementa:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.345, de 19.08.03, de iniciativa parlamentar, que revoga, expressamente, o disposto no art. 20 da Lei n° 2.319/02, que instituiu a cobrança sobre o consumo de água nos imóveis particulares, em área urbana, que possuem poços semi-artesianos. Ofensa aos arts. 5°, 144 e 174, da Constituição Estadual. Ação procedente (m.v.).
Como se sabe, as obras e serviços para o fornecimento de água potável e eliminação do esgoto (incluindo a captação, condução, tratamento e despejo adequado) são atribuições indeclináveis do Município.
Como o Município está obrigado a prestar esse serviço e a ligação do esgoto é compulsória para o particular, a remuneração desse serviço é feita, normalmente, por meio de taxa. Nem mesmo a instalação do hidrômetro, que tende a transformar a cobrança em tarifa ou preço, não a descaracteriza como tributo[1].
Nesse panorama, a questão se resume em saber se é dada ao parlamentar a iniciativa de leis tributárias benéficas, ou se estas demandam projeto originado pelo Chefe do Poder Executivo.
De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais. Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.
Colhe-se,
“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores dede deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade”[2].
Essa orientação tem apoio
A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui incentivo fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária[4].
Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:
EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est.
2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est.
2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual
de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos
servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de
inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle
de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não
está condicionada à inviabilidade do controle difuso.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA
MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO
EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
É inequívoco que, ao excluir os proprietários de imóveis que possuam poços semi-artesianos e disponibilizem fonte de água à população da obrigatoriedade da instalação de hidrômetros, a lei impugnada redimensionou para menos a receita da autarquia.
Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.
Desse modo, curvando-nos à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.
3) Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 10 de novembro de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de
Justiça
no exercício de
função delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça
jesp
[1] No sentido do texto, cf. Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 448-449.
[2]
ADin nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann.
[3]
Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007,
[4] ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008.