Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 169.245.0/1-00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 9.211/04, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 9.211/04, que “altera a Lei nº 5.979/95, que aprova o Regulamento dos Cemitérios Municipais”. Projeto de Vereador. Vício de iniciativa, que macula o processo legislativo, vez que cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que regulam o serviço público ou criam despesas para a Administração, ainda que de forma indireta. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, por infração aos artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 9.211, de 23 de março de 2004, do Município de São José do Rio Preto, que “altera a Lei nº 5.979/95, que aprova o Regulamento dos Cemitérios Municipais”.

Sustenta o autor que a lei regulamenta serviço público e que, por isso, não poderia, como foi, ter nascido no Poder Legislativo. Aduz que a norma cria despesa para o Município sem a indicação dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos. Aponta como violados os arts. 5º e 25 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 99).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 105/142).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 151/153).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem o seguinte teor:

LEI Nº 9.211, de 23 de Março de 2004

Altera a Lei nº 5979/95, que aprova o Regulamento dos Cemitérios Municipais.

Prefeito EDINHO ARAÚJO, do Município de São José do Rio Preto, Estado de São Paulo, usando das atribuições que lhe são conferidas por Lei,

FAZ SABER que a Câmara Municipal aprovou e ele sanciona e promulga a seguinte Lei:

Art. 1º - O artigo 13 da Lei nº 5979, de 10 de outubro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 13 – O interessado pagará o valor de concessão à vista ou será concedido o prazo de até 6 (seis) pagamentos mensais fixos, na conformidade da tabela de preços vigentes.”

Art. 2º - O artigo 30 da Lei nº 5979, de 10 de outubro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 30 – As obras, no interior dos cemitérios, poderão ser executadas por profissionais cadastrados e credenciados e também por terceiros, contratados pelos familiares, após sua prévia comunicação na Administração do Cemitério”.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, em especial os artigos 13 e 30 da Lei nº 5979, de 10 de outubro de 1995.

Câmara Municipal de São José do Rio Preto, 27 de fevereiro de  2004.

Dr. GERSON FURQUIM

Presidente da Câmara

Em que peses os elevados propósitos que inspiraram o nobre Vereador Nilson Silva, autor do projeto da lei em análise (fls. 105), reputamos procedentes os argumentos da inicial.

Com efeito, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (STARCK, Christian, El Concepto de ley en la constitucion alemana. Madrid: CEC, 1979, p. 73), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais e diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Dentre as funções de governo do Prefeito estão as funções executivas que, no sentido estrito da expressão, compreendem o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (SILVA, José Afonso. O Prefeito e o Município, 1977, p. 134/143).

Vê-se que a Lei em questão, de iniciativa de vereador, altera o regulamento dos cemitérios municipais, oferecendo parcelamento para o pagamento de concessões; além disso, abre a terceiros – que não os profissionais cadastrados na Prefeitura – a possibilidade de executar obras no interior dos cemitérios.

Esses comandos configuram nítida invasão do Poder Legislativo na forma de prestação do serviço público oferecido e incide, diretamente, sobre a sensível equação encargo-remuneração previamente estabelecida.

Essa anomalia representa ofensa ao princípio da separação de poderes a ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, na dicção desse Sodalício:

Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

De outro giro, a lei traz, inequivocamente, aumento de despesa.

O parcelamento instituído protrai a entrada de recursos aos cofres da Administração, com potencial perda de receita decorrente da inadimplência e inflação.

Disso decorre que as regras instituídas acarretam despesa pública – ainda que de forma indireta – sem a correspondente previsão dos recursos destinados aos novos encargos, daí porque somente poderiam ter nascido no Poder Executivo, que é o responsável pela execução do orçamento.

Sob esse aspecto, a norma também se mostra incompatível com a Constituição do Estado:

LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Nesse panorama, tem-se por violados os artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Carta Bandeirante.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 9.211, de 23 de março de 2004, do Município de São José do Rio Preto, que “altera a Lei nº 5.979/95, que aprova o Regulamento dos Cemitérios Municipais”.

São Paulo, 27 de março de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

jesp