Autos n. 169.347.0/7-00
Autor: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Objeto de impugnação: Lei n. 10.185, de 1º de agosto de 2008, do município de São José
do Rio Preto
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
O Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
ajuizou a presente ação direta pleiteando o reconhecimento da
inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 10.185, de 1º de agosto de 2008.
Referida
lei garante às entidades da sociedade
civil o direito de pesquisar dados e receber informações de seu interesse nos
órgãos e entidades municipais sobre estrutura, funcionamento e produtividade
dos serviços que prestam à população. Dispõe, também, sobre o acesso de
pesquisadores e/ou usuários credenciados às dependências dos órgãos e entidades
da administração municipal (cf. art. 4º).
Por força de decisão interlocutória, o Nobre
Desembargador Relator, Dr. CELSO LIMONGI, a fls. 33/35, deferiu a liminar
pleiteada pelo autor, determinando a suspensão da vigência e da eficácia da Lei
Municipal sindicada na presente ação. Ocorre que o Magistrado Relator, após
exaltar a importância do direito de acesso às informações, consignou que “a
garantia do acesso à informação por parte da Administração Pública, não é tema
que possa ficar ao livre arbítrio de cada indivíduo: depende da pertinência com
a conseqüente correlatividade entre o ato emanado e seu pressuposto fático.
Pretender que tal acesso seja alargado, até com direito a pesquisas de dados
por entidades da sociedade civil, vulnera a norma hostilizada, em especial o
princípio da razoabilidade a que se sujeita a Administração Pública, exsurgindo
desproporcional, uma vez que extravasa os limites constitucionais”.
Notificada, a Câmara Municipal prestou informações
nos termos regimentais (fls. 49/97).
O Procurador Geral do Estado foi
citado para os fins do § 2.º do art. 90 da Constituição Paulista e não entendeu
presente interesse para se manifestar sobre o mérito da presente ação direta (fls.
99/101).
É
o breve relato.
O
pedido inicial é procedente.
Segundo a inicial, o texto normativo impugnado
fere diversos princípios da Administração Pública (impessoalidade, legalidade e
eficiência), ofende o princípio constitucional da separação dos poderes, gera
despesas sem previsão orçamentária e compromete a autonomia gerencial e de
custos do município.
Assiste razão, ao menos em parte, ao autor da
presente ação direta.
Ocorre
que a obrigação imposta pelo legislador municipal ao Chefe do Executivo, no
sentido de obrigá-lo a prestar contas de forma não prevista
constitucionalmente, extrapola os limites da razoabilidade e constitui indevida
violação ao princípio da separação de poderes e intromissão na administração
municipal.
Ainda
que seja dever do Prefeito prestar contas de sua gestão, tanto financeira e
orçamentária, quanto administrativa, tal imposição não pode se afastar do
parâmetro constitucional.
A
Constituição Federal dispõe sobre a obrigatoriedade da prestação de contas pelo
Chefe do Executivo, no art. 49, inciso IX, prescrevendo competir,
exclusivamente, ao Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas
pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos
planos de governo. Esse controle a cargo do Congresso é exercido com o auxílio
do Tribunal de Contas da União (art.71, I e II, CF), ao qual compete apreciar
as contas prestadas anualmente pelo
Presidente da República. Já a fiscalização do Município será exercida pelo
Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo (art. 31, caput, CF),
com o auxílio dos Tribunais de contas do Estado ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art.31, §
1º). Também menciona o parágrafo 2º, do
citado artigo
No plano
estadual, o art. 150, da Carta Paulista, ao tratar da fiscalização contábil,
financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de todas as
entidades da administração direta e indireta, determina que a mesma seja
exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de
controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei orgânica, em
conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal. A
fiscalização das contas do Governador do Estado, a cargo da Assembléia
Legislativa (art.32, Constituição do Estado de São Paulo), se dará anualmente,
sempre mediante parecer prévio do Tribunal de Contas (art.33, I, CE). Ainda, prevê a Constituição Estadual a
obrigação do Poder Executivo publicar e enviar a Assembléia Legislativa, até
trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório resumido da
execução orçamentária (art.170, CE).
O texto legal
impugnado pode provocar verdadeiro estado de submissão institucional do Chefe
do Poder Executivo ao Poder Legislativo municipal se se entender que o
Legislativo pode tomar a iniciativa legislativa para disciplinar a forma pela
qual o Poder Executivo deve prestar contas a entidades civis, sobretudo quando
é extrapolado o modelo positivado nas Constituições Federal e Estadual.
Verifica-se, assim, que os preceitos
impugnados afastam-se dos limites constitucionais, impondo, por isso, a
declaração de sua inconstitucionalidade.
Por sinal, em
recente pronunciamento deste Egrégio Órgão Especial, em ADIN semelhante a esta,
a de nº 144.543-0/9-00, da Comarca de São Paulo, em que foi requerente o
Prefeito de Reginópolis, ficou decidido o que segue:
“Não
há a menor dúvida da inconstitucionalidade do dispositivo enfocado, ao impor ao
chefe do Executivo e órgãos que lhe são subordinados contas de suas gestões que
vão além do controle constitucional previsto no art. 31 e parágrafos da
Constituição Federal, de periodicidade anual.
Obrigar
o Prefeito e dirigentes dos órgãos aludidos a publicar e informar à edilidade,
mensalmente, toda e qualquer admissão ou demissão de servidor, bem como o valor
gasto com publicidade, extrapola, em muito, a fiscalização legislativa natural,
para instituir-se verdadeira tutela do Legislativo sobre o Executivo,
cerceando-lhe o raio de ação insculpido na Carta Bandeirante.
Flagrante,
portanto, a ofensa aos arts.37 e 47, II e XIV, desse diploma, sem falar no
princípio constitucional que diz com a independência dos Poderes (art.5º, “caput”)”.
Nessa linha,
já decidiu este Órgão Especial na Adin 135.843.0/7-
“A
Câmara, induvidosamente, detém o poder de fiscalização da atividade da
Administração. Tal, contudo, deve obedecer determinados limites. Não pode
extravasar sua área de atuação, nem mesmo nessa condição de ente fiscalizador,
para impor obrigações aos particulares que contratam com a Administração, menos
ainda, aos próprios órgãos públicos, subordinados ao Executivo.(...). Importa,
na hipótese, isto sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos
órgãos do Poder, permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo
Legislativo (art.5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder
Legislativo no sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das
atividades e da aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo,
a fórmula encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico
constitucional do Estado (art.144, da Constituição Estadual)”.”
Por isso, conclui-se que é inconstitucional a lei
municipal impugnada.
Posto isso,
aguarda-se seja a presente ADIn julgada procedente, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei n. 10.185, de 1º de agosto de 2008, do município
de São José do Rio Preto.
São Paulo, 15 de dezembro de 2008.
MAURÍCIO
AUGUSTO GOMES
PROCURADOR
DE JUSTIÇA,
no exercício
de função delegada
pelo
Procurador-Geral de Justiça