Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 170.246.0/9 -00

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº 10.047, de 28 de fevereiro de 2008, de São José do Rio Preto.

 

Ementa:

1)Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 10.047, de 28 de fevereiro de 2008, de São José do Rio Preto, que “Regulamenta a confecção de receituários médicos e carimbos de profissionais da área da saúde”. Iniciativa parlamentar.

2)Violação da separação de poderes. Atividade tipicamente administrativa. Interferência legislativa na gestão administrativa, que envolve planejamento, fixação de diretrizes, execução e fiscalização (art.5º, art.47 II e XIV, art.144 da Constituição do Estado).

3)Criação de despesas sem indicação da fonte de receita (art.25 da Constituição do Estado).

4)Inconstitucionalidade constatada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

1)Relatório.

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº10.047, de 28 de fevereiro de 2008, daquela cidade, sob o fundamento de que: (a) o diploma cria despesas sem indicação da fonte de receita; (b) houve violação ao princípio da separação de poderes.

 

         A liminar foi deferida, determinando a suspensão do ato normativo (fls.62).

 

         A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.69/71).

 

         Citado (fls.86), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls.89/91).

 

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

 

2)Fundamentação.

 

         A Lei Municipal nº 10.047, de 28 de fevereiro de 2008, fruto de iniciativa parlamentar, que “Regulamenta a confecção de receituários médicos e carimbos de profissionais da área da saúde”, tem a seguinte redação:

 

 “Art.1º. As gráficas fornecedoras de impressos de receituários médicos só aceitarão pedidos dos profissionais da área da saúde, para competente confecção, mediante a apresentação de carteira comprobatória da categoria ou solicitação feita por escrito com assinatura e firma reconhecida do profissional.

 

Parágrafo único- O disposto no artigo 1º  se aplica também às empresas fornecedoras de carimbos.

 

Art.2º . As gráficas e empresas fornecedoras destes materiais deverão manter as requisições pelo período de 02 (dois) anos para comprovação em caso de roubo ou perda do material pelo profissional.

 

Art. 3º . O não cumprimento dos artigos anteriores acarretará multa de 500 (quinhentas) vezes o valor do produto comercializado, na sua primeira ocorrência, sendo que a reincidência implicará na cassação de alvará de funcionamento.

 

Art.4º - O Poder Executivo determinará ao órgão competente a fiscalização do disposto nesta Lei.

 

Art. 5º . O Poder executivo regulamentará  esta Lei no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da data de sua publicação.

 

Art. 6º . Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

 

 

         Como se verifica, por iniciativa parlamentar foi editada lei que regula diretamente questão que diz respeito à gestão administrativa, na

 

 

medida em que a não observância da mesma pode implicar  imposição  de multa    e      cassação  de alvará de funcionamento das gráficas e empresas fornecedoras de impressos de receituários médicos.

 

         Assim, referido ato normativo apresenta vertical incompatibilidade com nossa sistemática constitucional.

 

 

         Isto porque,  houve violação do princípio da separação de poderes (art.5º, art.47 II e XIV, c.c. o art.144 da Constituição Paulista).

 

         É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

 

         O legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, limitando o exercício, por parte do Chefe do Executivo, da regular administração do Município.

 

            Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

 

          Determinar que as gráficas  e empresas fornecedoras de impressos de receituários médicos só aceitarão pedidos dos profissionais da área da saúde, para competente confecção, mediante a apresentação de carteira comprobatória ou solicitação feita por escrito com assinatura e firma reconhecida do profissional, bem como, impor, em caso de não cumprimento, imposição de multa cassação do alvará

 

 

 

de funcionamento, quando houver reincidência,  é algo que cabe ao administrador dizer, não ao legislador.

 

 

            Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

 

            Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

 

         Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; entre outros.

 

 

 

         Não bastasse o anteriormente exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

 

 3)Conclusão.

 

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº10.047, de 28 de fevereiro  de 2008, de São José do Rio Preto.

 

São Paulo, 29 de dezembro de 2008.

 

 

 

 

 

Maurício Augusto Gomes

Procurador de Justiça

no exercício de função delegada

pelo Procurador-Geral de Justiça