Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 170.476-0/8-00

Requerente: Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo

Objeto: Lei Municipal nº 1.427, de 19.06.07, do Município de Caraguatatuba

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SETPESP, da Lei Municipal nº 1.427, de 19.06.07, do Município de Caraguatatuba, que “dispõe sobre condição para a exploração dos serviços de transporte coletivo do município e dá outras providências”, atribuindo à empresa concessionária ou permissionária a responsabilidade pela construção e manutenção dos abrigos de passageiros. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), que não se convalida pela sanção da lei pelo chefe do Executivo. Criação de despesa, que decorre da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de transporte público, sem indicação do recurso (art. 25, CE). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SETPESP da Lei Municipal nº 1.427, de 19.06.07, do Município de Caraguatatuba, que “dispõe sobre condição para a exploração dos serviços de transporte coletivo no município”, atribuindo à empresa concessionária ou permissionária a responsabilidade pela construção e manutenção de abrigos para passageiros de ônibus.

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. Foi projetada no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes. Discorre que a lei traz aumento de despesa para o Município – em razão da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de prestação do serviço de transporte público – sem a indicação de sua fonte de custeio.

Aponta como violados os artigos 5º, § 1º, 25, 47, IV, XI e XVIII, 144 e 176, I, da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 384).

Requisitaram-se informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal. Aquele se pronunciou em defesa da lei impugnada, citando dispositivos da Lei Orgânica (fls. 408 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 404).

É a síntese do necessário.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual.

A Lei Municipal nº 1.427/07, objeto desta ação direta, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao instituir a obrigatoriedade, em editais de licitação, de cláusula relativa à obrigação de construir e manter os abrigos de passageiros, bem como ao impor, ao Executivo, a obrigação de definir número e locais dos referidos abrigos e sua padronização.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (fls. 395), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a regulamentação do transporte público instituída pela lei impugnada traz ônus ao Erário. Em decorrência das obrigações impostas à Administração e à empresa concessionária/permissionária, tem-se aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE), resultante da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

 Em casos similares esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.427, de 19.06.07, do Município de Caraguatatuba, que “dispõe sobre condição para a exploração dos serviços de transporte coletivo no município e dá outras providências”.

São Paulo, 13 de março de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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