Autos n. 170.681-0/3-00
Autor: Prefeito Municipal
de Ribeirão Preto
Objeto de impugnação: Lei Municipal n. 9.356, de 10 de outubro de 2001
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator:
O
Prefeito Municipal de Ribeirão Preto formulou a presente ação direta
objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 9.356, de
10 de outubro de 2001, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a
obrigatoriedade do envio da peça orçamentária das empresas paraestatais e
estatais do município de Ribeirão Preto.
Alega
o autor que a lei impugnada, ao obrigar o Poder Executivo a enviar a peça
orçamentária, bem como os balancetes mensais e o balanço anual das empresas
paraestatais e estatais do município de Ribeirão Preto, padece de
inconstitucionalidade, por ofensa aos limites do mecanismo de controle externo
do Legislativo previsto no art. 150 da Constituição do Estado de São Paulo,
assim redigido:
Artigo
150 - A fiscalização contábil, financeira, orçamentária operacional e
patrimonial do Município e de todas as entidades da administração direta e
indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, finalidade,
motivação, moralidade, publicidade e interesse público, aplicação de subvenções
e renúncia de receitas, será exercida pela Câmara Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno e de cada Poder, na forma da
respectiva lei orgânica, em conformidade com o disposto no art. 31 da
Constituição Federal.
Ocorre que, no entender do autor da ação
direta, o art. 150 da Lei Maior paulista é claro ao “estabelecer os contornos
da fiscalização externa que o Legislativo pode exercer sobre o Executivo,
enfatizando ainda que deve obedecer a forma da lei orgânica local, que cuida do
assunto em seus artigos 53 a 58.
Certo
é que a Câmara de Vereadores de Ribeirão Preto não poderia legislar sobre essa
matéria mediante lei ordinária como o fez, contrariando o texto da Constituição
do Estado de São Paulo (Art. 150), em flagrante inconstitucionalidade” (fls.
06).
Notificado,
o Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações (fls. 38/41).
O
Procurador Geral do Estado foi citado para os fins do § 2.º do art. 90 da
Constituição Paulista, manifestando-se a fls. 50/52.
É
o breve relato.
O
pedido inicial é procedente.
Assiste
razão ao autor da presente ação direta.
Ocorre que a obrigação imposta pelo legislador
municipal ao Chefe do Executivo, no sentido de obrigá-lo a prestar contas de
forma não prevista constitucionalmente, extrapola os limites da razoabilidade e
constitui indevida violação ao princípio da separação de poderes e intromissão
na administração municipal.
Ainda
que seja dever do Prefeito prestar contas, tanto financeira e orçamentária,
quanto administrativa, tal imposição não pode se afastar do parâmetro
constitucional.
A Constituição Federal dispõe sobre a
obrigatoriedade da prestação de contas pelo Chefe do Executivo, no art. 49,
inciso IX, prescrevendo competir, exclusivamente, ao Congresso Nacional julgar
anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os
relatórios sobre a execução dos planos de governo. Esse controle a cargo do
Congresso é exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (art.71, I e
II, CF), ao qual compete apreciar as contas prestadas anualmente pelo
Presidente da República. Já a fiscalização do Município será exercida pelo
Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo (art. 31, caput, CF),
com o auxílio dos Tribunais de contas do Estado ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver (art.31, §
1º). Também menciona o parágrafo 2º, do
citado artigo 31, a periodicidade anual das contas apresentadas pelo Prefeito.
No
plano estadual, o art. 150, da Carta Paulista, ao tratar da fiscalização
contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Município e de
todas as entidades da administração direta e indireta, determina que a mesma
seja exercida pela Câmara Municipal, mediante controle externo, e pelos
sistemas de controle interno de cada Poder, na forma da respectiva lei
orgânica, em conformidade com o disposto no artigo 31 da Constituição Federal.
A fiscalização das contas do Governador do Estado, a cargo da Assembléia
Legislativa (art.32, Constituição do Estado de São Paulo), se dará anualmente,
sempre mediante parecer prévio do Tribunal de Contas (art.33, I, CE). Ainda, prevê a Constituição Estadual a
obrigação do Poder Executivo publicar e enviar a Assembléia Legislativa, até
trinta dias após o encerramento de cada trimestre, relatório resumido da
execução orçamentária (art.170, CE).
Verifica-se,
assim, que a lei impugnada afasta-se dos limites constitucionais, impondo, por
isso, a declaração de sua inconstitucionalidade.
Por
sinal, em recente pronunciamento deste Egrégio Órgão Especial, em ADIN
semelhante a esta, a de nº 144.543-0/9-00, da Comarca de São Paulo, em que foi
requerente o Prefeito de Reginópolis, ficou decidido o que segue:
“Não há a menor dúvida da
inconstitucionalidade do dispositivo enfocado, ao impor ao chefe do Executivo e
órgãos que lhe são subordinados contas de suas gestões que vão além do controle
constitucional previsto no art. 31 e parágrafos da Constituição Federal, de
periodicidade anual.
Obrigar o Prefeito e
dirigentes dos órgãos aludidos a publicar e informar à edilidade, mensalmente,
toda e qualquer admissão ou demissão de servidor, bem como o valor gasto com
publicidade, extrapola, em muito, a fiscalização legislativa natural, para
instituir-se verdadeira tutela do Legislativo sobre o Executivo, cerceando-lhe
o raio de ação insculpido na Carta Bandeirante.
Flagrante, portanto, a ofensa
aos arts.37 e 47, II e XIV, desse diploma, sem falar no princípio
constitucional que diz com a independência dos Poderes (art.5º, “caput”)”.
Nessa
linha, já decidiu este Órgão Especial na Adin 135.843.0/7-00, a retratar caso
parelho, sob a relatoria do desembargador Marcus Andrade:
“A Câmara, induvidosamente,
detém o poder de fiscalização da atividade da Administração. Tal, contudo, deve
obedecer determinados limites. Não pode extravasar sua área de atuação, nem
mesmo nessa condição de ente fiscalizador, para impor obrigações aos
particulares que contratam com a Administração, menos ainda, aos próprios
órgãos públicos, subordinados ao Executivo.(...). Importa, na hipótese, isto
sim, obstar a quebra da estrutura funcional diferenciada dos órgãos do Poder,
permitindo a invasão de atribuição exclusiva do Executivo pelo Legislativo
(art.5º, da Constituição Estadual). Louvável a atitude do Poder Legislativo no
sentido de buscar uma melhor fiscalização do exercício das atividades e da
aplicação do dinheiro público no Município. Inviável, contudo, a fórmula
encontrada pela Câmara Municipal, por fraturar o sistema jurídico
constitucional do Estado (art.144, da Constituição Estadual)”.”
Conclui-se,
pois, que é inconstitucional a lei municipal impugnada.
Posto
isso, aguarda-se seja a presente ação direta julgada procedente, declarando-se
a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 9.356, de 10 de outubro de 2001.
São Paulo, 11 de agosto de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
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